domingo, 24 de outubro de 2010

BORIS GODUNOV – Met Live em HD, Fundação Gulbenkian, Outubro de 2010


Na segunda transmissão da temporada do Met para Portugal e primeira ao vivo, a Gulbenkian volta a proporcionar-nos um espectáculo notável.

Baseada na peça de Alexander Pushkin, Boris Godunov é uma ópera grandiosa passada no final do Século XVI e início do Século XVII que narra a ascensão e queda do Czar Boris Godunov. A música e libreto são da autoria de Modest Mussorgsky.

É uma história que retrata o sofrimento e ambição do povo da Rússia, centrada no czar que vive dilacerado pela culpa, por ter mandado matar Dimitri, o herdeiro natural do trono, que ocupou. É um drama de proporções épicas que termina com a morte de Boris Godunov, enlouquecido, acusado do assassínio de Dimitri por um religioso idiota – Simplório – a quem é permitido, pela tradição, falar sem medo. Antes de morrer, nomeia o filho Fyodor seu sucessor. O povo russo lincha nobres da corte e jesuítas e aclama um impostor, Grigory, que se faz passar por Dimitri, que marcha sobre Moscovo acompanhado por Marina, uma princesa católica polaca que ambiciona ser czarina. A ópera termina com o Simplório a chorar pela Rússia.



A encenação de Stephen Wadsworth é algo minimalista, com cenários abstractos (mosteiros, Kremlin, floresta, tudo pouco explícito) mas que não deixa de ser eficaz. O guarda-roupa é rico e variado.

A direcção musical foi do maestro Valery Gergiev. A Orquestra da Metropolitan Opera teve uma prestação que fez justiça à riqueza tímbrica da obra de Mussorgsky.
O Coro da Metropolitan Opera, que nesta ópera é uma das peças mais importantes do espectáculo, foi constituído por 120 elementos. Teve uma actuação de grande nível, tanto vocal como artisticamente.


O baixo alemão René Pape, um dos poucos solistas não russos, interpretou Boris Godunov. Foi autoritário no papel, embora tenha um registo vocal médio mais elevado do que a personagem exige. Mas fez-se ouvir bem e a voz tem um belo timbre. Os dois monólogos foram, vocalmente, emocionantes. Em cena esteve muito bem, a capacidade de transmitir emoção nos gestos e expressões faciais é impressionante. Contudo, no quarto acto, já louco, os movimentos corporais faziam lembrar mais um embriagado que um atormentado.

Mikhail Petrenko foi outro baixo que se destacou. Fez o papel de Pimen, monge ermita que escreve a história da Rússia. Possuidor de uma voz poderosa, segura e, esta sim, capaz de graves profundos e prolongados.

Ainda outro baixo que deu boa conta do papel foi Vladimir Ognovenko que fez de Varlaam, outro monge.

O tenor Aleksandrs Antonenko foi Grygori / Dimitri. É detentor de uma voz potente, com agudos imponentes, mas algo “rígida” e pouco emotiva. Cenicamente foi um desastre.

O meio-soprano Ekaterina Semenchuk foi Marina, a princesa polaca. A voz é escura mas, ocasionalmente, deixava-se afogar pela orquestra.


Evgeni Nikitim, baixo-barítono, foi o jesuíta Rangoni e não convenceu. A voz era banal e o artista mau em palco, cheio de trejeitos bocais a cantar, sempre a olhar para o maestro e não teve qualquer preocupação com a representação.

O contrário pode dizer-se do tenor Andrey Popov que fez de Simplório, numa interpretação curta mas notável tanto cénica como vocalmente.

Merecem ainda uma palavra de elogio os filhos de Boris Godunov (no programa não constam os seus nomes), sobretudo Fyodor, interpretado de forma impressionante por um jovem adolescente de bela voz e grande presença em palco.

(Grande parte das fotografias são de Ken Howard)


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14 comentários:

  1. Assistimos ontem a uma grande produção do Met, sem dúvida.

    Sendo a primeira vez que assisto a esta ópera, enalteço essencialmente o 3º e 4º actos e destaco que Mussorgsky teria sido mais feliz se terminasse a ópera com a morte de Boris. A cena é memorável e tudo o que se segue é tão preenchido em voz e presenças de palco que quase que nos cansa, sem fornecer grande informação histórica de novo.

    Na sua 3ª produção no papel, Rene Pape foi fantástico vocal e cenicamente, conseguindo uma evolução da personagem de forma harmoniosa e terminando numa cena da morte memorável. Discordo que tenha parecido mais embriagado do que atormentado na cena da morte. Pape conseguiu manter sempre uma aliança soberba da voz com o corpo em favor do drama e sentimento.

    Antonenko é possuidor de uma voz potente. Talvez cenicamente pareça algo rígido e amorfo mas a personagem assim o obriga. Gostava de poder vê-lo em algo mais lírico, para poder ter melhor ideia das suas capacidades. O dueto com Ekaterina no 3º acto foi bastante eficaz e talvez, juntamente com a cena da morte de Boris, constitua um dos pontos altos da ópera.

    Popov esteve muito bem. Voz de timbre bonito, muito adaptada à personagem de Simplório.

    Achei a encenação rica dentro da simplicidade.

    O Coro soberbo. Gergiev sublime.

    Mais um ponto alto na Gulbenkian!

    Cumprimentos musicais.

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  2. Também concordo com o wagner_fanatic quanto a Pape e ao facto de a ópera poder acabar com a morte de Boris. O que se segue é desnecessário. No entanto, gostei de ver a versão integral, com o acto polaco e tudo. Assim na íntegra é uma ópera gloriosa. Há uns anos o São Carlos apresentou um "Boris Godunov" decente, bonitinho, mas cheio de cortes.

    Ontem pareceu-me que a Gulbenkian tinha subido o volume de som e que as vozes soavam falsamente grandes em relação à orquestra. O caso de Antonenko foi gritante.

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  3. Acho que o Paulo tem razão, o volume do som pareceu ontem mais alto que na semana passada. Não tenho muita experiência no "Boris Godunov" para comparações, embora também tenha visto e gostado da apresentação no São Carlos em 2001. Mas em Wagner a grande sonoridade musical não foi tão eviidente como ontem, o que também acho que se deveu a um aumento do volume de som, que não desgostei.

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  4. Eu gostei do volume. Aliás, senti falta dele no "Ouro do Reno". O que achei foi que algumas vozes soavam demasiado e falsamente grandes.

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  5. Agradeço o excelente comentário sobre o Boris Godunov em directo na Gulbenkian , com o qual concordo.
    O impacto musical e artistico que senti foi muito superior ao do Ouro do Reno na semana anterior. Foram vários factores a favor desta opera ( Wotan desmotivado , Fricka com IMC > 35 versus Boris de excepção e Marina , uma mezzo especial e muito sensual) e em termos de transmissão o directo tem clara vantagem em relação do deferido ? Talvez fosse mais generoso nas notas de Gergiev e Pape. A cenografia foi o elo fraco. Desistência do grande Peter Stein ( ficou cenário minimalista e parte dos figurinos) , Stephen Wadsworth teve uma visão modesta para Mussorgsky.E alguns detalhes de mau gosto.Apesar das falhas cénicas foi um Boris grandioso.

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  6. Caro Anónimo,
    Obrigado pelo seu enriquecedor comentário. À medida que estes surgem, aqui e noutros blogues, sinto-me mais incompreendido em relação a René Pape. Eu gostei muito da sua interpretação e, na escala de fruição que uso habitualmente, atribuí-lhe 18 valores no máximo de 20. Não sendo esta ópera uma das que melhor conheço, longe disso, acho que para a personagem de Boris Godunov um baixo com voz mais escura e graves mais profundos será mais adequado. Contudo, cenicamente, acho que Pape foi insuperável apesar de, na sua última cena, achar que foram exagerados os "desiquilibrios" à volta da cadeira antes de cair morto. Concordo que Marina tinha uma voz sensual, escura, mas tive pena de, em algumas partes, ter sido "abafada" pela orquestra.

    Mas, se continuarmos neste nível, teremos uma primeira temporada do Met Live em grande e inesquecível!
    Mais uma vez (nos saltos qualitativos culturais recentes no nosso País tem sido sempre assim) é à Fundação Gulbenkian que ficamos a dever estas transmissões.
    Cumprimentos musicais

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  7. Oh! O Boris Godunov, uma das minhas óperas de eleição. Sem dúvida no meu TOP 5.

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  8. Caro Gus,
    Teve oportunidade de ver aí em Inglaterra esta excelente produção do Met? E, em caso afirmativo, o que achou?

    Como foi o Fidelio pela Welsh Opera?

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  9. Infelizmente não consegui ir ao do Met aqui em Inglaterra.
    Quanto ao Fidelio, teve, quanto a mim, como pontos fortes o coro e a orquestra, esta última com os legatti muitíssimo bem executados. Os cantores nunca são a primeiríssima água, claro. Quanto a mim, os únicos que estiveram bem (vocal e cenicamente) foram o Clive Bayley (Rocco) e a Lisa Milne (Leonore-Fidelio). Lisa Milne era, de facto, a única voz que sobressaía embora pouco, e tinha, infelizmente, no alemão uma dicção quase tão "boa" quanto a da Caballé. Elizabeth Donovan, no papel de Marzelline, interpretou bem o papel; o seu fio de voz era pequeno, se bem que muitíssimo timbrado.
    Sou professor no tempo de expediente, por isso, no lazer, não gosto de dar notas. A dar alguma, não daria mais que 13. Mas por 16 libras na plateia quem se poderá queixar?!
    Daqui a duas semanas vou ter a coragem de assistir a Die Soldaten em Amsterdão.

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  10. Obrigado por partilhar connosco a sua experiência. Um Fidélio com coro e orquestra como pontos fortes é já um espectáculo ganho!
    Espero que aprecie Die Soldaten. Depois conte-nos como foi. Eu não conheço.

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  11. Só conheço o Die Soldaten pela edição em dvd, creio que a única, com a Ópera de Estugarda dirigida pelo Kontarsky. Estou bastante habituado ao atonalismo e dodecafonismo, mas a ópera em si não tem um enredo muito lineare e vê-la em alemão com legendas em holandês (que é o que me vai acontecer em Amsterdão) não facilita muito as coisas... o meu alemão está enferrujadíssimo.

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  12. Ficamos a aguardar a sua apreciação. Para quem não conhece, de todo, como é o meu caso e penso que também o dos outros Fanáticos, é sempre bom saber a opinião de alguém que assistiu (ainda que com legendas em holandês!! confesso que não é, para nós, a lingua mais fácil de perceber...

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