sábado, 3 de julho de 2010

MANON – Royal Opera House, Londres, Julho de 2010

Manon de Jules Massenet é uma ópera baseada no romance de Antoine-François Prévost L´Histoire du Chevalier Des Grieux et de Manon Lescaut, novela que também serviu de base à ópera Manon Lescaut de Puccini.
Manon, uma jovem que vai entrar para o convento, é desejada por Guillot de Morfontaine, um velho rico e devasso, mas é protegida das suas investidas pelo primo Lescaut. Guillot e De Brétigny estão acompanhadaos de 3 jovens cortesãs, Poussette, Javotte e Rousette. Manon admira as suas roupas e estilo de vida. Des Grieux conhece-a, apaixona-se e convence-a a ir viver com ele em Paris. Escreve uma carta ao pai a pedir autorização para casar com Manon. Aparecem Lescaut e De Brétigny e este diz a Manon que o amante vai ser raptado a mando do pai e que, se ela quiser, poderá ter uma vida de luxo com ele. Se o impedir, viverá pobre para sempre. Manon cede e Des Grieux é levado. Manon vive agora rodeada de dinheiro e luxo, como amante de De Brétigny, quando fica a saber pelo pai de Des Grieux que ele decidiu dedicar-se à vida religiosa depois do desgosto de amor. Manon vai procurá-lo a Saint Sulpice e, após confirmarem o amor que sentem um pelo outro, decidem fugir juntos. Manon, na sua ânsia de vida luxuosa, convence Des Grieux a jogar com Guillot para ganhar mais dinheiro. Guillot perde, acusa Des Grieux de fazer batota, promete vingança e chama a polícia que prende Manon e lhe dá ordem de deportação para a Louisiana. Des Grieux, com a ajuda de Lescaut, consegue subornar os guardas e libertar Manon no porto de Havre. Ficam novamente juntos, reafirmam o seu amor, fazem planos para o futuro mas Manon, doente e exausta, não chega a ser deportada e morre nos braços de Des Grieux.
Nesta encenação de Laurent Pelly, simples e vazia, mas eficaz, a acção é trazida para o período da Belle Époque, cerca de século e meio após o romance ter sido escrito. No primeiro acto o cenário está encimado de casas em miniatura e uma escadaria que dá acesso à zona central do placo, sem adereços, onde grande parte da acção decorre. Na cena seguinte o quarto simples de Manon e Des Grieux está também colocado ao cimo de vários troços de escadas. Na primeira parte, Manon é uma jovem vestida de forma muito humilde e inocente mas, nesta produção, comporta-se como uma mulher sedutora e sedenta de emoções e, aparentemente, sem a ingenuidade que as palavras transmitem. No 3º acto, nas margens do Sena, a encenação lembra um quadro de um pintor impressionista. Manon aparece na máxima exuberância (vestido, joias e postura). Na cena seguinte, em Saint Sulpice, talvez a mais notável de toda a produção, dá-se o reencontro com Des Grieux, agora padre. Depois de uma reacção de rejeição inicial, Manon admite a culpa e reafirma o seu amor. Des Grieux não resiste e dá-se a reconciliação, deitando-se Manon na cama austera do amante e despindo-lhe o hábito. Segue-se a cena do jogo, onde apenas há as mesas como objectos no palco, com as interpretações vocais a superarem as cénicas, mas o glamour mantém-se. Finalmente, o último quadro, é um contraste total com os anteriores. Manon, desfigurada, é arrastada pelo chão, pontapeada e ultrajada pelos guardas. Apenas uns candeeiros sóbrios de rua estão no palco. Morre nos braços de Des Grieux.
Numa nota de humor bem conseguida, ao longo de toda a récita são frequentes os momentos em que homens velhos perseguem mulheres jovens. Em Saint-Sulpice há um elevado número de mulheres de negro a rezar, mas que estavam afinal interessadas em ver e seguir o jovem padre.
A direcção musical foi do maestro titular, Antonio Pappano que conseguiu fazer brilhar a excelente orquestra da Royal Opera em todos os monentos, dando-nos uma interpretação sublime e electrizante da música de Massenet. Também o coro teve uma prestação excelente.
E passemos aos cantores:

Manon foi interpretada por Anna Netrebko. O papel é muito a seu jeito, começando por uma rapariguinha pobre que inveja a riqueza e o luxo, passa por essa fase e acaba como um farrapo arrastado pelo chão. Cenicamente esteve irrepreensível, a produção ajuda muito e recuperou uma forma física que lhe possibilita mostrar novamente as pernas de forma muito sensual, na cena no quarto com Des Grieux. Mas tudo isto passa para um plano muito recuado quando é o canto que mais importa. E foram mais de duas horas de magia em que se ouviu uma cantora fabulosa e expressiva, actualmente sem rival. A voz está maior do que nunca, mais escura, mas mantém todas as qualidades que sempre apreciei na Netrebko, entre elas uns agudos estratosféricos, os pianíssimos que mais nenhuma cantora actual consegue igualar, um timbre de uma beleza invulgar e, agora, uma potência avassaladora que, mesmo em fortissimi, nunca resvala para a estridência. A aria Adieu, notre petite table no 2º acto, foi particularmente marcante. Só a interpretação da Netrebko teria valido a récita e, repito, considero que na actualidade não há nenhuma outra que consiga igualá-la neste registo! E, com a evolução que a voz está a revelar, não sei que surpresas poderão surgir no futuro. Avassaladora!

Des Grieux foi interpretado por um jovem tenor italiano que não conhecia, Vittorio Grigolo, em substituição (anunciada há largos meses) de Rolando Villazon. Ter um papel de protagonista em Covent Garden é, à partida, garantia de qualidade (contudo, já tive no passado algumas surpresas desagradáveis) mas eu estava longe de imaginar que iria ver e ouvir outro cantor que irá dar muito que falar, estou certo. Grigolo é muito jovem, tem uma figura excelente e mexe-se com muita agilidade, o que o torna muito credível em cena. As expressões faciais pareceram-me menos boas que o resto, mas não estava suficientemente perto para uma apreciação mais correcta. A voz é também excelente, revelando grande potência e segurança, sem nunca quebrar até ao fim. A cor não é invulgarmente bela mas a técnica é notável e, sobretudo, é capaz de produzir uma belíssima mezza voce. Se na aria Ah! Fuyez, douce image no 3º acto foi arrebatador, os duetos com a Netrebko foram arrepiantes e inesquecíveis, sobretudo em Saint Sulpice, (N'est-ce plus ma main foi superlativo!). Nos momentos finais da ópera, após a morte de Manon, o desespero final de Des Grieux foi outra nota interpretativa impressionante.
No final, o público prestou-lhe uma ovação próxima da histeria.
Para além dos dois intérpretes principais, os papeis secundários foram também interpretados por cantores / actores de elevada qualidade. Guillot de Morfontaine foi encarnado pelo barítono francês Christophe Mortagne, De Brétigni pelo barítono William Shimell, Lescaut pelo barítono canadiano Russel Braun e o Conde Des Grieux pelo baixo alemão Christof Fischesser. Todos estiveram bem tanto cénica como vocalmente, merecendo destaque a interpretação de Guillot de Morfontaine, muito viva em palco e cheia de momentos de humor, muito à maneira interpretativa da opereta.
Finalmente as três”meninas”, Simona Mihai (Poussette), Louise Innes (Javotte) e Kai Rüütel (Rosette) deram boa nota nos papeis que encarnaram.
(Grande parte das fotografias apresentadas são de Bill Cooper)

No seu total, um espectáculo excepcional, daqueles que nos marcam e que nos revelam que a ópera é a forma mais superlativa das artes musicais.
*****

3 comentários:

  1. Pappano olé! "Nice man, Pappano."

    Ainda bem que o Villazón foi à vida (já sabe como é que eu sou). Assim, não teve de haver aquela proeza da morte vocal na "Fuyez, douce image".

    A encenação parece conviencente! Muito interessante, o quarto.

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  2. Concordo totalmente : NETREBKO avassaladora. Um enorme êxito no Convent Garden na recita do dia 7 de Julho que tive a oportunidade de assistir. Netrebko é a Manon de Massenet : sensual , voz de timbre lindíssimo , trágica e vulnerável , é a mulher fatal , “ sphinx étonnant “ , que leva a todas as loucuras.Des Grieux , excelentemente interpretado por Vittorio Grigolo. A encenação de Laurent Pelly , num Paris de Manet e Zola, austera e bela. A célebre ária “Adieu, notre petite table “ emocionante. A festa no Cours-La-Reine é de antologia. A cena da sedução na Igreja de Saint-Sulpice o momento lírico mais alto da opera. O final, num cenario minimalista , no Havre , de grande sensibilidade, é o culminar de um espectáculo incrível. Pappano vinte valores.

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  3. Muito obrigado por este comentário! A qualidade e elegância da escrita torna mais compreensível para quem lê e não teve oportunidade de ver o que se passou neste memorável espectáculo em Covent Garden.

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