segunda-feira, 21 de março de 2022

COSÌ FAN TUTTE – Fundação Calouste Gulbenkian, Março 2022

(review in English below)

A Fundação Calouste Gulbenkian ofereceu-nos a magnífica ópera Così fan tutte de Mozart numa versão semi-encenada, muito bem conseguida, de Marcos Fink, que permitiu a compreensão fácil do enredo.

Se há óperas que se prestam a encenações fáceis, esta é uma delas. O libreto de Lorenzo da Ponte (simplificando) retrata duas irmãs (Fiordiligi e Dorabella) muito apaixonadas pelos seus noivos militares (Ferrando e Guglielmo), jurando-lhes fidelidade eterna. Don Alfonso, um filósofo, aposta com eles que as suas noivas se deixarão seduzir por outros homens assim que eles se afastem, facto liminarmente rejeitado por ambos. Combinados com Don Alfonso, fingem partir para a guerra e aparecem disfarçados de albaneses. As duas irmãs acabam por se deixar seduzir, cada uma pelo noivo da outra, em menos de um dia. Há ainda participações importantes de uma criada experimentada na vida (Despina), incluindo no papel de médico e no de notário.


A direcção musical competente foi de Nuno Coelho e a Orquestra Gulbenkian teve mais uma interpretação de qualidade. 


Também o Coro Gulbenkian foi muito bom. Os cantores solistas eram todos jovens, com boa figura, e cantaram e representaram de forma irrepreensível. Estava garantido o sucesso do espectáculo.


A soprano moldava Valentina Nafornita foi uma Fiordiligi  arrebatadora. Tem uma voz fabulosa, com enorme extensão e grande versatilidade. O papel é muito exigente e interpretou-o na perfeição. 


A mezzo francesa Natalie Pérez também foi excepcional como Dorabella. Voz magnífica, muito bonita, sempre afinada. Interpretação superlativa. 

O tenor turco Ilker Arcayürek foi muito bom. O timbre estranha-se um pouco no início mas, com o decorrer do espectáculo, faz um Ferrando de grande qualidade.

O barítono alemão Samuel Hasselhorn foi um Guglielmo perfeito, tanto na interpretação cénica como vocal.

A Despina foi interpretada pela sul-coreana Sunhae Im. Muito expressiva e engraçada em palco, o papel presta-se a isso. A voz de soprano lírica ligeira é menos poderosa mas nem por isso menos expressiva e eficaz.


Finalmente o Don Alfonso foi magnificamente interpretado pelo baixo argentino Marcos Fink que mantém uma voz respeitável e de timbre muito agradável.






Termino fazendo referencia à excelente (!) introdução à ópera feita por Jorge Rodrigues uma hora antes do início, noutro auditório da Gulbenkian (Que saudades do Ritornelio). 

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COSÌ FAN TUTTE – Fundação Calouste Gulbenkian, March 2022

The Calouste Gulbenkian Foundation offered us the magnificent opera Così fan tutte by Mozart in a semi-staged version, very good and effective by Marcos Fink, which allowed for an easy understanding of the plot.

If there are operas that lend themselves to easy staging, this is one of them. Lorenzo da Ponte's libretto (simplifying) portrays two sisters (Fiordiligi and Dorabella) very much in love with their military fiancés (Ferrando and Guglielmo), swearing eternal fidelity to them. Don Alfonso, a philosopher, bets with them that their brides will allow themselves to be seduced by other men as soon as they leave, a fact that both of them reject outright. Combined with Don Alfonso, they pretend to go to war and appear disguised as Albanians. The two sisters end up being seduced, each by the other's fiancé, in less than a day. There are also important participations of a maid experienced in life (Despina), including in the role of doctor and notary.

The competent musical direction was by Nuno Coelho and the Gulbenkian Orchestra had another quality interpretation. The Gulbenkian Choir was also very good. The singers were all young, good looking, and they sang and performed flawlessly. The show's success was guaranteed.

Moldovan soprano Valentina Nafornita was a breathtaking Fiordiligi. She has a fabulous voice, with enormous range and great versatility. The role is very demanding and she played and sung it perfectly.

French mezzo Natalie Pérez was also exceptional as Dorabella. Magnificent voice, very beautiful, always in tune. Superlative interpretation.

Turkish tenor Ilker Arcayürek was very good. The timbre is a little strange at the beginning but, as the performance progresses, he is a Ferrando of great quality.

German baritone Samuel Hasselhorn was a perfect Guglielmo, both in scenic and vocal interpretation.

Despina was played by South Korean Sunhae Im. Very expressive and funny on stage, the role lends itself to that. The light lyrical soprano voice is less powerful but no less expressive and effective.

Finally, Don Alfonso was fantastically interpreted by the Argentine bass Marcos Fink, who maintains a respectable voice with a very pleasant timbre.

I end by referring to the excellent (!) introduction to the opera by Jorge Rodrigues an hour before the start, in another Gulbenkian auditorium.

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sexta-feira, 18 de março de 2022

LA BOHÈME – Teatro Nacional de São Carlos


(review in English below)

Foi com satisfação que finalmente voltei a ver uma ópera devidamente encenada no Teatro de São Carlos, a popular La Bohème de G. Puccini

E começo pela encenação, de Emilio Sagi, que gostei muito. Foi uma abordagem clássica sem grandes inovações (para além de ter sido aproximada da actualidade), muito vistosa e bem conseguida. Esteve ao nível das boas encenações de qualquer grande teatro de ópera internacional.  Como quase sempre, há pormenores discutíveis mas na globalidade gostei muito, não foi uma encenação minimalista ou pindérica, como tantas vezes vemos entre nós.

No extremo oposto esteve a direcção musical de Domenico Longo. Foi muito má, a orquestra tocou quase sempre "à bruta", abafando frequentemente os cantores. A grande beleza de várias das magníficas partes musicais mais líricas não pode ser realçada. Lamentável.

Os dois protagonistas, o tenor Gianluca Terranova (Rodolfo) e a soprano Natalia Tanasii (Mimi) também estiveram muito aquém do desejável. Terranova tem um timbre feio e revelou grande dificuldade no registo mais agudo, que cantou em falsete e soava mais gritado que cantado. A voz de Tanasii era bem audível mas foi sempre dura e sem qualquer lirismo. E a interacção dos dois amantes não funcionou de todo, não houve a mínima expressão de cumplicidade amorosa.


Christian Luján
(Marcello) esteve muito bem. Tem uma voz grande, bem colocada, e boa presença em palco. A Museta de Bárbara Barradas foi exuberante, como acontece frequentemente com esta personagem. Foi notável em palco e também cantou bem, em forte, mas penso que propositadamente.

Os restantes cantores tiveram participações mais apagadas, Diogo Oliveira (Schaunard), João Merino (Benoit/Alcindoro), Miguel Reis (Parpignol) e André Henriques (Colline), o último com um tipo de voz pouco adequada à personagem. O programa diz que é um baixo, mas não tem graves.



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LA BOHÈME – Teatro Nacional de São Carlos, Lisbon

It was with satisfaction that I finally returned to see an opera properly staged at the Teatro de São Carlos, the popular La Bohème by G. Puccini.

And I start with the staging, by Emilio Sagi, which I really liked. It was a classic approach without major innovations (in addition to turning the action close to the present), very showy and well done. It was at the level of the good stagings of any major international opera house. As almost always, there are debatable details but overall I really liked it, it wasn't a minimalist or kitsch staging, as we so often see between us.

At the opposite end was the musical direction of Domenico Longo. It was very bad, the orchestra almost always played "gross", often drowning out the singers. The great beauty of several of the more lyrical musical parts could not be appreciated. Regrettable.

The two soloists, tenor Gianluca Terranova (Rodolfo) and soprano Natalia Tanasii (Mimi) were also far from acceptable. Terranova has an ugly timbre and showed great difficulty in the higher register, which sang in falsetto and sounded more shouted than sung. Tanasii's voice was quite audible but it was always harsh and without any lyricism. And the interaction of the two lovers did not work at all, there was not the slightest expression of loving complicity.

Christian Luján (Marcello) did very well. He has a big nice voice, and good stage presence. Bárbara Barradas' Museta was exuberant, as is often the case with this character. She was remarkable on stage and also sang well, loudly, but I think on purpose.

The other singers had lesser participation, Diogo Oliveira (Schaunard), João Merino (Benoit/Alcindoro), Miguel Reis (Parpignol) and André Henriques (Colline), the last one with a type of voice that was not suitable for the character. The program says he's a bass, but the lower register was nonexistent.

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domingo, 13 de março de 2022

RIGOLETTO, Royal Opera House, Março 2022


(text in English below)

Como tem sido hábito nas grandes casas de espectáculos, no início interpretou-se o hino da Ucrânia, em solidariedade com o genocídio que o País está a sofrer.

Começou depois o Rigoletto de G. Verdi. A encenação de Oliver Mears começa com uma figuração inspirada no “Martírio de São Mateus” de Caravaggio, um belo efeito visual, mas depois torna-se estática, algo minimalista e muito pouco inovadora.

O Rigoletto do barítono Luca Salsi foi extraordinário. É um verdadeiro barítono verdiano, espécie quase extinta nos dias que correm. Esteve muito bem em palco, a voz é magnífica, ampla, potente e muito expressiva.

Também ao mais alto nível esteve a soprano Rosa Feola. Sempre afinada, timbre bonito, voz cheia e grande expressividade em palco.

Já o tenor Francesco Demuro foi decepcionante. A voz é pequena, tem um timbre excessivamente agudo de que não gosto e canta quase sempre em esforço.

Notáveis foram também o baixo Evgeny Stavinsky como Sparafucile e a mezzo Aigul Akhmetshina como Maddalena. Os cantores secundários não destuaram, Phillip Rhodes (Monterone), Kseniia Nikolaieva (Giovanna) e German Alcantara  (Marullo).

 


Apesar do tenor, um espectáculo de grande qualidade.

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RIGOLETTO Royal Opera House, March 2022

As has been the custom in the great concert halls, at the beginning the anthem of Ukraine was played, in solidarity with the genocide that the country is suffering.

Then began Rigoletto by G. Verdi. Oliver Mears' staging begins with a figuration inspired by Caravaggio's “Martyrdom of St. Matthew”, a beautiful visual effect, but the staging was static, somewhat minimalist and not very innovative.

Baritone Luca Salsi's Rigoletto was extraordinary. He is a good verdian baritone, a species almost extinct these days. He was very well on stage, his voice is magnificent, wide, powerful and very expressive.

Also at the highest level was soprano Rosa Feola. She was always in tune, beautiful timbre, full voice and great expressiveness on stage.

Tenor Francesco Demuro was disappointing. The voice is small, has an excessively high timbre, which I don't like, and sings more in effort than in softness.

Also notable were bass Evgeny Stavinsky as Sparafucile and mezzo Aigul Akhmetshina as Maddalena. The support singers did not destroy,
Phillip Rhodes (Monterone), Kseniia Nikolaieva (Giovanna) and German Alcantara (Marullo).
 
Despite the tenor, it was a performance of great quality.

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