sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

No Tenors Allowed, Fundação Gulbenkian, Dezembro / December 2016


(text in English below) 

Foi apresentado em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, o concerto No Tenors Allowed, aqui cantado pelo barítono Thomas Hampson e pelo baixo-barítono Luca Pisaroni, acompanhados ao piano por Christian Koch. A minha expectativa era grande porque o concerto prometia – na primeira parte, árias de ópera (maioritariamente de Mozart) e, na segunda, canções do musical americano e de opereta. Luca Pisaroni é um cantor que respeito. A sua voz tem um timbre agradável e, não sendo grande, é facilmente audível. Por Thomas Hampson tenho grande admiração dado que é um dos barítonos “no activo” que mais aprecio pelas suas qualidades vocais.

No programa de sala, o texto introdutório de Jorge Rodrigues é notável.

Iniciou o concerto Luca Pisaroni com a aria Non più andrai, das Bodas de Fígaro. Seguiu-se, da mesma ópera, a aria Hai già vinta la causa! cantada por Thomas Hampson. Quase não acreditei no que ouvia. Notas em falso, desafinações frequentes e atropelos ao texto! Voltou Pisaroni que cantou Madamina, il catalogo è questo (o catálogo era o programa da temporada da Gulbenkian) do Don Giovanni. Os dois interpretaram Eh via, buffone e Hampson cantou novamente, com muitas fragilidades, Deh, vienni alla finestra, o mio tesoro também do Don Giovanni.

Terminada esta sequência de árias de Mozart, Thomas Hampson, de microfone na mão, dirige-se ao público e explica que está a cantar “sem pneus”, dado que tem uma bronquite há dias, mas decidiu não cancelar a sua participação tendo enumerado, com graça, as sete fases pelas quais passa um cantor quando lhe acontece tal situação. Estava explicado, Hampson não tinha condições para cantar e, na minha opinião, não deveria ter aparecido. Talvez não tenha cancelado porque estava acompanhado pelo genro, Luca Pisaroni.

Na primeira parte ouviram-se ainda árias de Rossini e Bellini. Os momentos melhores foram o solo de piano da ópera Os Palhaços de Leoncavallo, numa expressiva interpretação de Christian Koch, e a ária La calunnia, do Barbeiro de Sevilha, onde Pisaroni teve a melhor interpretação.

Por motivos pessoais não pude ficar para a segunda parte, mas o que assisti foi um concerto parcialmente frustrado porque Thomas Hampson, um dos grandes barítonos da actualidade, não estava em condições de cantar.



**


No Tenors Allowed, Gulbenkian Foundation, December 2016

The concert “No Tenors Allowed” was performed in Lisbon at the Gulbenkian Foundation, sung by baritone Thomas Hampson and bass-baritone Luca Pisaroni, accompanied by the piano by Christian Koch. My expectation was high because the concert was appealing - in the first part, opera arias (mainly by Mozart) and in the second, songs of American musicals and operetta. Luca Pisaroni is a singer that I respect. His voice has a pleasant tone and, not being big, is easily audible. For Thomas Hampson I have great respect since he is one of the "active" baritones that I admire most for his vocal qualities.

In the program, the introductory text of Jorge Rodrigues was remarkable.

The concert began with Luca Pisaroni singing the aria Non più andrai, from Le nozze di Figaro. It was followed, by the aria Hai già vinta la causa! from the same opera, sung by Thomas Hampson. I hardly believed what I heard. Fake notes, frequent defacements, and run over text! Pisaroni returned to sing Madamina, il catalogo è questo (the catalog was the program of the Gulbenkian’s music season) from Don Giovanni. The two singers interpreted Eh via, buffone and Hampson sang again, with many frailties, Deh, vienni alla finestra, o mio tesoro also from Don Giovanni.

After completing this sequence of arias by Mozart, Thomas Hampson, microphone in hand, addressed the audience and explained that he was singing with "no tires" given that he had bronchitis for several days, but decided not to cancel his participation having listed, the seven stages through which a singer passes when this situation occurs. It was explained, Hampson was in no condition to sing and, in my opinion, should not have appeared. Maybe he did not cancel because he was accompanied by his son-in-law, Luca Pisaroni.

In the first part there were still arias of Rossini and Bellini. The best moments were the solo piano of the opera Pagliacci by Leoncavallo, in an expressive interpretation of Christian Koch, and the aria La calunnia, from the Barber of Seville, where Pisaroni had his best interpretation.

For personal reasons I could not stay for the second part of the concert, but what I attended was a partially frustrated concert because Thomas Hampson, one of the great baritones of our times, was not in a condition to sing.


**

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

GUILLAUME TELL, METropolitan Opera, Outubro / October 2016


 (review in English below)
Uma nova produção da monumental opera Guillaume Tell, última obra de G. Rossini, esteve em cena na Metropolitan Opera de Nova Iorque.



A encenação de Pierre Audi, originária da Dutch National Opera, é vazia e abstracta. A ópera retrata a guerra entre suíços (oprimidos) e austríacos (opressores) na idade média até à libertação da Suiça, encabeçada pelo arqueiro Guilherme Tell. Tudo se passa entre grandes pedras e rochas, que vão mudando de posição ao longo da récita. Os dois grupos rivais são facilmente identificados, os suíços sempre vestidos de cinzento claro (o que os faz confundir com o fundo do cenário, espelhado e também dessa cor), e os austríacos de negro.



Fabio Luisi dirigiu o espectáculo e, mais uma vez, houve uma excelente interpretação da Orquestra e também do Coro, omnipresente em toda a ópera. Os solistas foram de grande qualidade.



O baixo-barítono canadiano Gerald Finley foi o protagonista Guilherme Tell e cantou e interpretou o papel ao mais alto nível. A voz é cheia de matizes coloridas e o cantor usou-a com elegância e emotividade.



O papel mais exigente é o de Arnold, interpretado pelo tenor norte americano Bryan Hymel. A personagem requer um tenor lírico e heróico, o que Hymel cumpre na perfeição. A voz é clara e algo nasalada mas é poderosa e afinada em todos os registos. Foi particularmente impressionante na ária Asile héreditaire do 4º acto.



O baixo-barítono canadiano John Relyea foi o vilão Gesler de voz grave, potente e autoritária, bem adequada à personagem.



Outro baixo de grande qualidade foi a sul coreano Kwanchul Youn que interpretou o Melcthal, pai assassinado de Arnold.
 Finalmente Walter teve outra interpretação de classe, do baixo italiano Marco Spotti.



As senhoras também estiveram em grande destaque. A jovem soprano norte americana Janai Brugger foi um Jemmy, filho de Tell, de excelente qualidade, tanto cénica como vocal.



Hedwige foi interpretada com correcção pela mezzo norte americana Maria Zifchak.



Deixei para o fim a soprano letã Marina Rebeka que foi a pricesa austríaca Mathilde. Cantou ao mais alto nível, a voz é bem timbrada e sempre perfeitamente audível, com um fraseado impecável. Transmitiu dramatismo e vulnerabilidade à interpretação da personagem, entre a paixão por um inimigo e a fidelidade ao seu povo. A ária principal do 3º acto Pour notre amour, plus d’espérance foi impressionante.



Um excelente espectáculo na Met Opera





*****


GUILLAUME TELL, Metropolitan Opera, October 2016

A new production of the monumental opera Guillaume Tell, last work of G. Rossini, was on stage at the Metropolitan Opera in New York.

The production of Pierre Audi, originally from the Dutch National Opera, is empty and abstract. The opera depicts the war between Swiss (oppressed) and Austrian (oppressors) in the Middle Ages until the liberation of Switzerland, headed by archer William Tell. Everything takes place between large stones and rocks that change position along the performance. The two rival groups are easily identified, the Swiss always on light grey dresses (which makes them confused with the background scenery, mirrored and also grey), and the Austrians in black.

Fabio Luisi directed and, again, there was an excellent performance of the Orchestra and the omnipresent Choir, throughout the opera. The soloists were of great quality.

Canadian bass-baritone Gerald Finley was William Tell and sang and played the role at the highest level. The voice is full of colorful hues and the singer used it with elegance and emotion.

The most demanding role is that of Arnold, interpreted by North American tenor Bryan Hymel. The character requires a lyrical and heroic tenor, which Hymel meets perfectly. The voice is clear and somewhat nasal but powerful and tuned in all registers. He was particularly impressive in the aria Asile héréditaire the 4th act.

Canadian bass-baritone John Relyea was Gesler the villain, powerful and authoritative voice, well-suited to the character.

Another high quality bass was the South Korean Kwanchul Youn who played Melcthal the murdered father Arnold.

Finally Walter was another class interpretation, by Italian bass Marco Spotti.

The ladies were also in great prominence. The young American soprano Janai Brugger was Jemmy, son of Tell, of excellent quality, both on stage and vocal.

Hedwige was interpreted with correction by North American mezzo Maria Zifchak.

I left for the end of the Latvian soprano Marina Rebeka who was that the Austrian pricess Mathilde. She sang at the highest level, the voice is always perfectly audible, with impeccable phrasing. She transmitted drama and vulnerability to the interpretation of the character, between the passion for an enemy and fidelity to his people. The main aria of the 3rd act Pour notre amour, plus d'espérance was impressive.

An excellent performance at the Met Opera


*****

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

WINTERREISE / VIAGEM DE INVERNO, Carneghie Hall, New York / Nova Iorque, October / Outubro de 2016


 (text in English below)
Winterreise (A Viagem de Inverno) é um belíssimo ciclo de canções que Franz Schubert compôs, com poemas de Wilhelm Müller. Descrevem várias considerações e estados de alma de um viajante triste, melancólico e desesperado, no Inverno. Segundo Susan Youens, quando Schubert musicou estes poemas, estava confrontado com o seu provável destino. Em 1828, quando concluiu a composição do ciclo, já se sabia que a sífilis (de que sofria) levava à demência e paralisia geral, antes da morte. Schubert viria a morrer poucos meses depois, com 31 anos.



A interpretação esteve a cargo de dois ingleses, Thomas Adès (piano) e Ian Bostridge (tenor).

Foi um concerto de qualidade inexcedível. Adès, também compositor de ópera contemporâneo, foi brilhante na forma como tocou, imprimindo as tonalidades adequadas, quase sempre tristes, frias e obscuras, da música de Schubert.



Ian Bostridge foi excepcional na forma como cantou. A voz é muito bonita e o cantor revelou uma enorme emotividade e intensidade dramáticas, em plena consonância com o piano e com o tom obsessivo e escuro da música. Faz gestos excessivos enquanto canta, mas o que se ouve é de qualidade insuperável.




Um momento alto da presente temporada.

*****


Winterreise / WINTER JOURNEY, Carneghie Hall, New York, October 2016

Winterreise (The Winter Journey) is a beautiful song cycle that Franz Schubert composed for Wilhelm Müller's poems. It describes various considerations and moods of a sad, melancholic and desperate traveller, in the winter. According to Susan Youens, when Schubert set to music these poems, he was confronted with his likely destination. In 1828, when he completed the cycle of composition, it was known that syphilis could lead to dementia and general paralysis before death. Schubert would die soon after, 31 years old.

The interpretation was in charge of two Englishmen, Thomas Adès (piano) and Ian Bostridge (tenor).

It was a concert of unsurpassed quality. Adès, also a composer of contemporary opera, was brilliant in the way he played the piano highlighting the appropriate tones, often sad, cold and dark, of Schubert's music.

Ian Bostridge was exceptional in the way he sang. The voice is very beautiful and the singer revealed a huge emotion and dramatic intensity, fully in line with the piano and the obsessive and dark tone of the music. He makes excessive gestures while singing, but what we hear is of unsurpassed quality.

A highlight of this season.


*****

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

FOSCA, de Carlos Gomes, Theatro Municipal de São Paulo, Dezembro de 2016


PROTAGONISTA DE FOSCA MERECE SER VAIADA

Crítica de Ali Hassan Ayache do blogue de Ópera e Ballet.

As melhores óperas de Carlos Gomes são Fosca, Lo Schiavo e Il Guarany. O primeiro lugar depende do gosto do freguês. A mais famosa no Brasil é Il Guarany devido à abertura que ganhou fama e ódio ao abrir o programa A Voz do Brasil, será que ele existe ainda? O maior compositor de óperas das Américas sempre foi menosprezado em sua terra natal, poucas são as montagens e raras são as gravações.

Da Fosca só conheço em vídeo uma versão gravada na Bulgária e outra em forma de concerto gravada no Memorial da América Latina. Em DVD comercial só existe uma versão da ópera Il Guarany de 2007 do Festival de Ópera do Theatro da Paz de Belém do Pará. O próprio Theatro Municipal de São Paulo esquece Carlos Gomes, a última vez que ele teve um título apresentado foi no longínquo ano de 2005 com Condor. Quando foi anunciada Fosca pelo TMSP foi um misto de felicidade e raiva. Será que nenhum diretor cênico brasileiro tem condições de fazer essa ópera? A opção por um estrangeiro tem seus certos e lambanças como veremos abaixo.


Stefano Poda continua fazendo tudo na ópera. Dirige a ação, desenha os cenários, figurinos e a luz. Consegue ser até coreografo, contratá-lo é sinônimo de um estilo único. Esta característica denota qualidade e seu maior defeito. Antenado com o mais moderno teatro de ópera Poda consegue transformar cada cena em um quadro ou gravura iluminada pelo branco total radiante. A sutileza de sua visão está nos detalhes, no minimalismo e no monocromático. Soluções inteligentes retratam as cenas, a cidade de Veneza é representada em uma maquete no alto de um painel que se move e o botim dos piratas na parte de baixo. O globo no centro e no alto representa o xilindró em diversas passagens do libreto, saídas espertas que induzem a imaginação. A luz é um primor de excelência que casa perfeitamente com as cenas e os figurinos mornos não acrescentam muito. O cenário é repetido à exaustão, um globo que sobe, um painel que gira ou paredes que descem não é suficientes para acabar com a monotonia do sobe e desce.

O estilo único presente no trabalho de Stefano Poda é moderno e atual o problema é que se torna repetitivo na sequencia dos seus trabalhos e no conjunto de sua obra. Assistimos sua "Thaïs" de Massenet em 2015 e as comparações são inevitáveis. Parece ser a mesma ópera, o globo está presente no centro e a ambientação é idêntica. O que era uma novidade passa a ser uma monotonia repetitiva com as mesmas cores e mesmo estilo. Assim fica fácil caro Poda, você desenvolve um jeito de fazer ópera e o repete em todos os títulos, a primeira vez é criativo na segunda perde a graça e na terceira nem vou assistir. A ação dos solistas segue o ritmo lento proposto, a coreografia é de bom gosto embora fazer os bailarinos baterem palmas poluí a música de Carlos Gomes e todas aquelas frases em latim que ninguém entende destoam de piratas e venezianos em luta aberta. 

A protagonista foi um desastre vocal. Chiara Taigi se apresentou no dia 08/12/2016 sua Fosca tem voz seca, sem brilho e opaca. Fugiu ou não consegue dar os difíceis agudos da partitura. Existem dois culpados por tamanha afronta vocal a Carlos Gomes: quem a escalou e a própria por aceitar cantar uma personagem completamente inadequada a sua voz. Foi duro aguentar as barbeiragens técnicas que cometeu para tentar compor vocalmente Fosca. Conseguiu ser o soprano mais encoberto da história do Municipal, umas trezentas vezes. Em um teatro sério seria vaiada e tomates voariam no palco, como estamos no Brasil os aplausos foram efusivos.

Masami Ganev conseguiu imprimir bons agudos para a personagem Delia, a moça não se intimidou com sua estreia no Municipal e mostrou um talento natural para o canto e para a interpretação. Sung Kyu Park cantou um Paolo mediano, sem brilho e vivacidade. Luis-Ottavio Faria fez um primeiro ato morno para crescer nos demais, vozeirão com belos graves.

O dono da noite, o rei da cocada foi Leonardo Neiva. Barítono com voz grande que enche a sala com todos os registros saindo com qualidade superlativa. Emissão e técnica impecáveis unidos a uma atuação cênica que prima pelos detalhes na interpretação do personagem Cambro. Leonardo Neiva já foi eleito por este blog como Melhor Cantor Solista do ano de 2012. 

A Orquestra Sinfônica Municipal regida por Eduardo Strausser esteve mediana, faltou o impacto e a dramaticidade inerente à música de Carlos Gomes. Strausser imprimiu uma regência burocrática e sem pegada, somente os solos instrumentais se salvaram. O Coro Lírico Municipal de São Paulo é recheado de solistas e apresentou-se com naipes equilibrados e sonoridade de grande qualidade. O Balé da Cidade de São Paulo seguiu risca o solicitado pelo coreografo-diretor com uma coreografia que trafega entre o abstrato e o contemporâneo da dança. 


Encerrada a temporada ficam milhões de dúvidas para o ano vindouro. O futuro do TMSP parece incerto para a maioria e especulações aparecem por todos os lados. A nova administração municipal ainda não se pronunciou oficialmente, o que tenho ouvido de minhas fontes é que a legião estrangeira de cantores medianos continuará a frequentar o palco da nossa casa, sempre em detrimento dos nossos cantores. Espero que minhas fontes estejam erradas. 
Ali Hassan Ayache