quinta-feira, 15 de março de 2012

Linda di Chamounix, Liceu, Barcelona, Janeiro 2012



Linda di Chamounix é uma ópera tardia semiseria de Gaetano Donizetti, compositor que levou este género à sua mais alta expressão, com libretto de Gaetano Rossi.



A ópera conta a história do romance de Linda, filha de António e Maddalena dois modestos camponeses de Chamounix nos Alpes franceses, com Carlo (identidade falsa do visconde de Sirval) que é sobrinho do marquês de Boisfleury que também se pretende aproximar de Linda. Para tal permite aos seus pais, em dificuldades, a permanência por mais tempo nas terras de que é proprietário. Linda é mandada para Paris, na companhia do seu amigo de infância Pierotto, para que não caia nas mãos do marquês. Em Paris é mantida por Carlo, que entretanto revelou a sua identidade. Leva uma vida faustosa mas casta e, quando opai a encontra, acusa-a de comportamento indigno e ela enlouquece. De regresso a Chamounix, depois de ouvir a voz de Carlos, volta a recuperar o juízo, fazem juras de amor eterno e tudo acaba bem.


É uma ópera de qualidade inferior quando comparada com muitas outras de Donizetti (não foi por acaso que quase caiu no esquecimento), tem um 3º acto inenarrável mas, com um elenco de excepcional qualidade, como no presente caso, torna-se num espectáculo memorável.


A encenação de Emílio Sagi é interessante e eficaz, embora não traga nada de novo. O primeiro acto em Chamonix passa-se num cenário campestre onde neva mas também onde aparecem numerosas flores, “plantadas” pelos populares (coro). O guarda roupa é cuidado e interessante. O marquês chega de “Dona Elvira” e tudo se passa neste cenário. No segundo acto (Paris) há uma escadaria frondosa a meio do palco que retrata o interior da mansão onde Linda está instalada. Os adereços do piso térreo, onde está a porta de acesso à rua, são escassos e requintados (muito bem). No terceiro acto retoma-se um cenário semelhante ao primeiro mas, em vez das colunas simulando troncos de árvores, colocam-se várias mesas rectangulares seguidas a meio do palco, que servirão de base para as deslocações de Linda enlouquecida na maioria do acto.



Marco Armiliato dirigiu de forma algo irregular a Orquestra do Liceu de Barcelona. Por vezes soava excessivamente alto, abafando todos os cantores, outras vezes a ritmo lento e ocasionalmente desencontrado dos cantores, incluindo os do Coro que também estiveram bem.

O que foi verdadeiramente sensacional foi o conjunto de cantores que o Liceu nos ofereceu:

Linda foi interpretada pelo soprano alemão Diana Damrau. Faltam-me as palavras para descrever a deslumbrante qualidade vocal e cénica da cantora. Apesar de jovem, a voz de Damrau cresceu nos últimos tempos e atingiu um esplendor raramente ouvido. É verdadeiramente fabulosa em todos os registos, a coloratura é de uma qualidade magistral, o volume enorme e os agudos celestiais e afinados. Se na ária O luce diquest’anima (1º acto) foi excelente, na cena da loucura (final do 2º acto) aplicou toda a pirotecnia vocal que, como muito poucas, consegue alcançar e, como me disse o Alberto Velez Grilo do blogue Outras Escritas, terminou com um estratosférico Mi natural sobre-agudo. O papel de Linda é de grande extensão e exigência vocal. Em palco é muito credível e, como referi, na cena da loucura no final do 2º acto, foi arrebatadora. Teve uma merecida ovação longa e delirante que foi totalmente merecida. Sensacional!


Juan Diego Flórez, tenor peruano, foi Carlo. Como já várias vezes escrevi neste blogue, é um dos meus cantores preferidos e, mais uma vez, esteve ao seu nível. Actualmente não tem rival neste reportório. A voz também está mais potente mas mantém a qualidade inigualável de sempre. O timbre é inconfundível, o legato é suave e fabuloso, a coloratura luxuosa e as longas notas agudas são únicas em qualidade e extensão. O papel não é extenso mas, no 2º acto, na ária Se tanto in ira agli uomini demonstrou todas as suas qualidades de excepção e recebeu também uma estrondosa e longa ovação. A figura dá-lhe credibilidade em palco, apesar de não revelar qualidades de actor idênticas às que tem como cantor. Flórez, apesar da sua juventude, atingiu já um patamar em que é idolatrado em qualquer palco e assim foi novamente em Barcelona.

O Marques de Boisfleury foi o baixo-barítono italiano Bruno de Simone. Esteve bem, a voz é respeitável e, dentro do que a personagem lhe permite, cumpriu.


O baixo espanhol Simón Orfila foi um Perfecte estupendo! Foi, de longe, a melhor interpretação que lhe ouvi. A voz revelou uma potência extraordinária e, no registo mais grave, foi soberbo. A sua boa figura e agilidade em palco completaram da melhor forma a sua actuação. Excelente!


Também fantástica foi outra cantora espanhola, o mezzo Sílvia Tro Santafé que interpretou Pierotto. Outra voz potente, afinada, de grande beleza e com um registo grave de qualidade raramente ouvida. Em palco foi marcante. O papel é suficientemente extenso e diversificado para permitir à cantora uma actuação brilhante e inesquecível.


O barítono italiano Pietro Spagnoli foi um Antonio cinzento. A voz não se evidenciou, sobretudo quando comparado com as restantes. Foi frequentemente abafado pela orquestra e não conseguiu transmitir grande emotividade.

Maria José Suárez, soprano espanhol, interpretou o papel muito curto de Maddalena com alguma tendência para a estridência.




Uma palavra final para o público. Já aqui elogiei várias vezes a exigência e o comportamento do público de Barcelona. Pois desta vez assim não farei. As tosses em forte foram uma constante profundamente incomodativa e não abrandaram mesmo após apelos nesse sentido de elementos do público. Fizeram-me lembrar outros palcos…

Mas pior foi que ao meu lado estava um casal em que o homem (estava na coxia) se levantou a meio do primeiro acto para atender o telemóvel, saindo e entrando pouco depois de forma ruidosa dado que o solo é e madeira. E a mulher passou toda a récita a bater com o tacão do sapato no chão acompanhando o que considerava ser o ritmo da música. Horrível!


Mas, no computo final, apesar da fraca qualidade da ópera e do triste comportamento do público, os excepcionais solistas suplantaram tudo o resto.

*****

Linda di Chamounix, Liceu, Barcelona, January 2012

Linda di Chamounix is a late semiseria opera by Gaetano Donizetti, with libretto by Gaetano Rossi.

The opera tells the story of the romance of Linda, daughter of two modest peasants of Chamounix in the French Alps, Antonio and Maddalena, with Carlo (false identity of Viscount Sirval) who is the nephew of the Marquis de Boisfleury who also wishes Linda. Linda is sent to Paris, accompanied by his friend Pierotto, to protect her from the marquis. In Paris she is maintained by Carlo, who has revealed his identity. She has a rich but chaste life. When her father finds her, he accuses her of misconduct and she goes mad. On her return to Chamounix, after hearing the voice of Charles, she recovers and both lovers make pledges of eternal love. All ends well.

It is an opera of inferior quality when compared with many others of Donizetti and has a very dull 3rd act but, with a cast of exceptional quality, as in this case, it becomes a memorable performance .

The staging by Emilio Sagi is interesting and effective, though not bring anything new. The first act in Chamonix is ​​set in a countryside setting where it snows but also where many flowers appear "planted" by the people (choir). The costumes are interesting. The Marquis arrives in na elegant antique car and everything happens in this scenario. In the second act (Paris) there is a leafy staircase in the middle of the stage which depicts the interior of the mansion where Linda is installed. The ground floor is sober and elegant, where the door to the street is. In the third act the scenario is similar to the first but instead of columns simulating tree trunks, there are various rectangular tables aligned at the middle of the stage, which will form the basis for movements of mad Linda during most of the act.

Marco Armiliato conducted in a somewhat irregular way the Orchestra of the Liceu. Sometimes it sounded too loud, overshadowing all the singers, sometimes at a slow pace and occasionally mismatched singers, including the Choir that also performed well.

What was truly amazing was the quality of singers offered by the Liceu:

Linda was interpreted by German soprano Diana Damrau. I do not have words to describe the stunning vocal and artistic quality of the singer. Although young, Damrau's voice has grown in recent years and reached a rarely heard splendor. She is truly fabulous in all registers, the coloratura is of a masterful quality, the potency great and the top notes ware stratospheric and always tuned. If in the aria O luce di quest’anima (1st act) she was excellent, in the mad scene (end of the 2nd act) where she used her vocal pyrotechnics as very few can achieve, she finished with a natural top E, as Alberto Velez Grilo from the blog Outras Escritas told me. The role of Linda is very long and vocally demanding. On stage Damrau is very credible and as I mentioned, in the mad scene at the end of the 2nd act, she was overwhelming. She had a long and sound ovation that was fully deserved.
Sensational!

Juan Diego Flórez, Peruvian tenor, was Carlo. As I wrote in this blog several times, he is one of my favorite singers and, once again, he was at his best. Currently he has no rival in this repertoire. The voice is also more powerful but maintains the unsurpassed quality. The tone is unmistakable, the legato is smooth and fabulous, the coloratura is luxurious and top notes are unique in quality and extent. The role is not extensive but in the 2nd act aria Se tanto in ira agli uomini he showed all his qualities and also received a loud and lengthy ovation. His figure gives him credibility on stage, although he is not a gifted actor as he is a singer. Florez, despite his youth, has already reached a level of acceptance that wherever he sings, he is adored by the public, and that was the case in Barcelona.

Marques de Boisfleury was the Italian bass-baritone Bruno de Simone. He sang well, the voice is respectable and, in what the character allows it, he was OK.

Spanish bass Simón Orfila was a stupendous Perfecte! It was by far the best interpretation that I hear from him. The voice revealed an extraordinary power, and in the low register he was superb. His good figure and agility on stage completed his terrific performance. Excellent!

Also fantastic was another Spanish singer, mezzo Silvia Tro Santafe who played Pierotti. Another powerful voice, in tune, of great beauty and with a low register of a quality rarely heard. On stage she was remarkable. The role is sufficiently long and diverse to allow the singer a brilliant and unforgettable performance.

Italian baritone Pietro Spagnoli was a “gray” Antonio. The voice was not fantastic, especially when compared with the others. he was often drowned out by the orchestra and he was unable to transmit emotion.

Maria Jose Suarez, Spanish soprano, sang the very short role of Maddalena with some tendency to stridency.

A final word about the public. I have already praised several times the demanding and the behaviour of the public of Barcelona. This time I will not do so. Coughs in forte were continuous and deeply disturbing, and did not ease even after appeals from people from the public.

But worse was that by my side there was an unforgettable couple. The man (he was in the wings) got up and leave halfway through the first act to answer the mobile phone, and shortly after came back making a lot of noise as the soil is and wood. The woman spent all the performance hitting with the heel of the shoe on the floor at what was for her the rhythm of the music. Horrible!

But overall, despite the poor quality of the opera and the regrettable behaviour of the public, the exceptional soloists supplanted everything else.

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8 comentários:

  1. Meu caro FanaticoUm

    Em primeiro lugar, obrigado pela referência ao Outras Escritas. Esta era uma das óperas a que eu tinha planeado assistir nesta temporada. Flórez e Damrau, são praticamente imbatíveis. Depois Sílvia Tro Santafé que já ouvi em La Donna del Lago em Lisboa e L'italiana in Algeri em Madrid e que considero um dos melhores mezzos da actualidade e cujo reconhecimento ainda não lhe foi devidamente feito, na minha opinião.

    Obrigado pelo seu testemunho.

    Cumprimentos musicais.
    Alberto

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  2. Damrau é sempre brutal! Já não a oiço ao vivo há algum tempo...

    Quanto ao Florez espero ser nesta nova temporada a minha estreia ao vivo :)

    Acha que este publico de Barcelona nesta récita terá feito um estágio com o público da Gulbenkian :)...

    Excelente crítica!

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  3. Também ouvi Silvia Tro Santafè em Lisboa e gostei muito. Ia à procura do Flórez, que foi substituído por Rockwell Blake...
    Diana Damrau? Também gostaria de a ouver ao vivo.

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  4. @ Alberto,
    Foi uma récita extraordinária, com cantores excelentes e em grande forma. A prova de que, com um elenco deste calibre, se consegue fazer de uma ópera desinteressante, um espectáculo inesquecível.

    @wagner_fanatic,
    Damrau nunca falha nem nunca desilude, é verdade. Nunca ter ouvido o Flórez ao vivo é uma falha gravíssima no seu curriculo. Como sabe é um cantor que muito admiro há anos e que está no apogeu das suas capacidades vocais.

    @Paulo,
    Também eu fui a esse espectáculo para rever o Flórez em Lisboa (La Donna del Lago de Rossini, certo?), no ano a seguir a um concerto fabuloso que deu no São Carlos. Infelizmente foi substituído à última hora.
    Cumprimentos

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  5. Caro Fanático,
    não canso de repetir que 'ouvi' a sua crônica. Excepcional!
    Espero que tenha gostado do Brasil. Embora Foz do Iguaçu seja diferente do Rio. O Brasil é um 'continente' com a mesma língua, mas com imensa diversidade física e cultural,
    climática...
    Um grande abraço

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  6. Re.Florez I totally agree with you. He is also one of my favorites. Coming October he will perform in 'La Fille du régiment' at the Bastille. Even though I don't like this house, I'm planning to visit it.
    many thanks to you for the interesting review.

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  7. @ lotus-eater,
    II have seen him life in "La Fulle du régiment" 3 times. He is fabulous. Do not miss the performance, although I completely agree with you - The Bastille is too big to be an efficient opera house.

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  8. Thanks a lot ,my friends for this high, interesting revieuw!
    Greetings,Willy

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