domingo, 25 de março de 2018

PARSIFAL, Baden Baden, Março 2018 / March 2018




 (review in English below)

Esta abertura do Festival de Páscoa na Casa do Festival de Baden Baden com o Parsifal foi sublime e colossal!

A acústica desta sala é fenomenal. E a Orquestra de hoje é considerada uma das melhores do mundo (quiçá a melhor) e com toda a justiça. A Filarmónica de Berlim esteve estratosférica! Que som, que precisão, que clareza de cada linha melódica!... na minha opinião, Rattle podia só ter feito mais lento duas passagens da ópera e que lhe conferem assim, mais lentas, uma maior intensidade dramática. Mas isto são gostos pessoais e em nada quero diminuir a espetacular prestação do conjunto.



A encenação foi do mais tradicional possível mas agradável e sem invenções sem nexo ou tentativas falhadas de inovar o tema. Simplesmente foi... o Parsifal. E sendo “o Parsifal” foi ser fiel a Wagner, incluindo as correctas alturas para as ações cénicas acompanharem o apoio e as indicações da música. São aqueles momentos como por exemplo a correcta altura para o Parsifal tirar a máscara da armadura e se revelar no 3º acto ou cair de joelhos em prece na altura correcta do 2º acto. Hoje aqui nada falhou e, quando isso acontece, o drama eleva-se a um nível justo para a sublime música que se está a ouvir.




Resumindo, o fundo do 1º acto são uns painéis de madeira com imagens de montes e vales de aspecto pintado a carvão e que representam a localização pouco definida de Monsalvat. No verso destes painéis móveis, estão 2 andares de bancadas de madeira onde os cavaleiros se vão sentar para o ritual do Graal. Também aqui, num dos painéis 2 cadeiras - uma no alto com Titurel e outra em baixo com Amfortas. O cisne é um homem com assas de cisne e com a flecha no coração e vem acompanhado de outro que morre também. O Graal é um cálice :) Amfortas tem a ferida no baixo ventre. Após o ritual, circulam pão em cestos de verga e vinho em vasos de barro. Quando Gurnemanz expulsa Parsifal e se ouve a voz que repete a profecia, Gurnemanz volta-se para a porta e estende a mão como que duvidando se não estará a afugentar o puro tolo profetizado (isto é mais um daqueles momentos que tem sempre que estar presente em qualquer encenação, não se pode perder este pormenor! E aqui esteve presente).

O reino de Klingsor é um conjunto de paralelepípedos e no chão várias formas que estão tapadas por lençol branco e que quando retirado revela os cavaleiros de Klingsor que vão impedir Parsifal, e as mulheres flor, inicialmente só com quase o que parece vestidos de dormir de cetim salmão mas que depois acabam por ficar adornadas com o que pretende imitar pétalas de diversas cores. Kundry surge do chão em cima de cama redonda de pele e todo o 2º acto se passa neste ambiente, sendo a destruição do mesmo no final, 2 aberturas entre os paralelepípedos iniciais, com luzes atrás.

O 3º acto tem os mesmos painéis mas faltam-lhe algumas peças. Parsifal vem de armadura e com a lança. Nada de novo aqui. Caem pétalas do tecto quando se fala das lágrimas dos pecadores que regam a relva e flores. Tudo o resto é tradicional no que se espera numa encenação clássica.

Agora os cantores. Todos absolutamente surreais!

O Franz Josef-Selig é o meu Gurnemanz favorito. Encarna o papel na perfeição, é um baixo descomunal e os pormenores emotivos vocais saem com uma segurança e credibilidade que me arrepiam sempre.



Stephen Gould, que só tinha ouvido como Tristão, foi também surreal. O 2º acto, no duo com a Kundry, foi de uma expressividade ímpar e apoiado pela estreante no papel Ruxandra Donose. Esta mulher é perfeita para Kundry. O timbre vocal é o ideal, tem uma boa tessitura e é estável em todos os registos (só fez o penúltimo e ante penúltimo agudos do final do 2º acto uma oitava abaixo :) talvez estivesse com receio de lhe faltar a voz no ultimo agudo mas não faltou :)) e, a par com Gould, transmitiu as emoções de Kundry de forma correctíssima o que eleva ainda mais a sua qualidade ao se saber que foi a sua estreia no papel. Há muitas Kundrys já batidas que não emocionam tanto como ela o fez.




O Nikitin foi um Klingsor excelente. Vocalmente muito bem, pesa o facto de em alguns momentos, o encenador o ter colocado mais fundo no palco e isso comprometeu um pouco a intensidade da voz que, no meio do palco foi fantasticamente maléfica.



Robert Lloyd tem 78 anos (!) e ainda tem uma profundidade vocal que lhe permitiu fazer um Titurel ao mais alto nível.



Agora o sempre esperado Amfortas e a habitual pedra o sapato dos meus Parsifais. Hoje, Gerald Finley esteve ao nível daquilo que eu procuro ouvir num Amfortas. Teve mais liberdade cénica do que em Viena no ano passado e acho que isso facilitou. Isso e já ter mais umas récitas antes no papel e mais um ano para rever o mesmo. Foi impressionante, especialmente no 2º monólogo. Um bom Amfortas é aquele que transmite adequadamente o seu sofrimento pela voz, em que os “Ha” são em lamento ou até mesmo suspirados/falados, em que transmite algum escárnio quando chama de heróis aos cavaleiros no final... E Finley foi tudo isto hoje, completando este espetacular “embrulho pascal” de Parsifal.



Valeu e valeu muito vir! Era um dos imperdíveis da temporada e cumpriu a todos os níveis, fazendo esquecer o de Zurique do início do mês (esse não era imperdível no global e deixei-me levar pela minha vontade de ver a encenação do Guth novamente...).




Texto e fotografias de wagner_fanatic.



PARSIFAL, Baden Baden, March 2018


This opening of the Easter Festival at the Baden Baden Festival House with Parsifal was sublime and colossal!

The acoustics of this room is phenomenal. And the Orchestra of today is considered one of the best in the world (perhaps the best) and in all fairness. The Berlin Philharmonic was stratospheric! What sound, what precision, what clarity of each melodic line! ... in my opinion, Rattle could only have slowed down two operatic passages, and thus slowed him down to a greater dramatic intensity. But these are personal tastes and I do not want to diminish the whole spectacular performance.

The staging was as traditional as possible but pleasant and without inventions without nexus or failed attempts to innovate the theme. It just was ... the Parsifal. And being "the Parsifal" was to be faithful to Wagner, including the right heights for the scenic actions to accompany the support and indications of the music. It is those moments, such as the correct time for the Parsifal to take off the mask of the armor and reveal itself in the 3rd act or fall on his knees in prayer at the correct time of the 2nd act. Nothing has failed here today, and when that happens, the drama rises to a level just for the sublime music we are listening to.

In short, the background of the1st act are wooden panels with images of hills and valleys with charcoal-like appearance and representing the poorly defined location of Monsalvat. On the back of these movable panels are 2 levels of wooden benches where the knights sit for the Grail ritual. Also here, on one of the panels 2 chairs - one on top with Titurel and another on the bottom with Amfortas. The swan is a man with swan wings and with the arrow in his heart and is accompanied by another who dies as well. The Grail is a chalice :) Amfortas has the wound in the lower abdomen. After the ritual, they circulate bread in baskets of wick and wine in pots of clay. When Gurnemanz expels Parsifal and the voice that repeats the prophecy is heard, Gurnemanz turns to the door and holds out his hand as if doubting whether he will not be chasing away the prophesied fool (this is yet another of those moments that must always be present in any performance, this detail must not be missed!).

The kingdom of Klingsor is a set of parallelepipeds and on the ground various forms that are covered by white sheet and that when removed reveals the knights of Klingsor that will prevent Parsifal, and women flower, initially only with almost what looks like sleeping dresses of salmon satin but that later end up being adorned with petals of various colors. Kundry emerges from the floor on top of a round bed of fur and the whole 2nd act takes place in this environment, with the destruction of it at the end, 2 openings between the initial parallelepipeds, with lights behind.

The 3rd act has the same panels but they lack some pieces. Parsifal comes in armor and with the spear. Nothing new here. Falling petals fall from the ceiling when one speaks of the tears of sinners who water the grass and flowers. Everything else is traditional in what is expected in a classic scenario.

Now the singers. All absolutely surreal!

Franz Josef-Selig is my favorite Gurnemanz. He embodies the role in perfection, he is a huge bass and the vocal emotive details come out with a security and credibility that always shivers me.

Stephen Gould, who I had only heard as Tristan, was also surreal. The second act, in the duet with Kundry, was of a unique expressivity and supported by the debutant in the paper Ruxandra Donose. This woman is perfect as Kundry. Vocal timbre is ideal, has a good texture and is stable in all registers (only sung the penultimate and before top notes of the end of the second act an octave below :) maybe she was afraid of missing her voice in the last top notes but she did not miss :)) and, along with Gould, transmitted the emotions of Kundry in a very correct way which increases her quality even more by knowing that it was her debut in the role. There are many experienced Kundrys that do not thrill as much as she did.

Nikitin was an excellent Klingsor. Vocally very well, it is a fact that in some moments, the director has put him deeper on the stage and this has slightly compromised the intensity of the voice that, in the middle of the stage was fantastically evil.

Robert Lloyd is 78 years old (!) And still has a vocal depth that allowed him to make a Titurel at the highest level.

Now the ever-awaited Amfortas and the usual difficulty for me in Parsifal. Today, Gerald Finley was at the level of what I try to hear in an Amfortas. He had more scenic freedom than in Vienna last year and I think that made it easier. He had several performances before in the role and another year to review the character. He was impressive, especially in the 2nd monologue. A good Amfortas is one who adequately conveys his suffering through his voice, in which the "Ha" are moaning or even whispering, in which he conveys some scorn when he calls the knights heroes in the end ... And Finley was everything this today, completing this spectacular "paschal wrap" of Parsifal.

It was worth to come! It was one of the must-sees of the season and fulfilled all levels, making forget the Zurich’s Parsifal of the beginning of the month (this was not a must-see and I let myself be driven by my desire to see Guth staging again ...).

Text and photos of wagner_fanatic.

terça-feira, 20 de março de 2018

IDOMENEO de W. A. MOZART — Teatro Nacional de São Carlos, 16.03.2108


A ópera em 3 actos Idomeneo, K. 366, foi estreada em Munique no ano de 1781 sob a direcção do próprio compositor: o jovem de 24 anos Wolfgang Amadeus Mozart. O libreto foi da responsabilidade de Giambattista Varesco a partir do texto de Antoine Danchet.

A acção decorre em Creta depois da Guerra de Tróia e trata do amor e do ciúme, da ambivalência entre as promessas divinas e os deveres de amor filial.

É uma ópera séria em italiano cujo drama é apresentado numa sequência de quadros dramáticos sublime e com uma música complexa, rica, ritmada, opulenta e harmoniosa típica de Mozart. É, por tudo isso, uma ópera muito bonita e agradável de seguir.

O Teatro Nacional de São Carlos apresentou uma nova produção de Yaron Lifschitz que, globalmente, permitiu o desenrolar da acção sem percalços ou perplexidades. A acção decorre em torno de uma cratera central à volta da qual as personagens se deslocam sem grande sentido. Depois, as diferentes árias vão sendo apresentadas, por regra, à boca de palco, por vezes com o pano fechado, o que nos transporta para o interior da personagem. No final, Idomeneo comunica ao povo a sua decisão sentado numa cadeira em frente a um microfone, sendo a sua imagem projectada numa tela que ocupa todo o palco, como se de uma transmissão televisiva se tratasse, no mais vistoso efeito de uma encenação cinzenta.

O pior elemento da récita foi, infelizmente, a Orquestra Sinfónica Portuguesa sob a direcção de Christian Curnyn que se viu “grega” para soar Mozart. Foi sofrível em todos os naipes e valeu-nos a capacidade de imaginar que era Mozart.

O Coro do Teatro Nacional de São Carlos também não esteve particularmente bem, sobressaindo algumas estridências que se disfarçavam em tutti e o falhanço total dos elementos masculinos no primeiro acto.


As vozes solistas, por regra, salvaram a récita.

Com grande destaque esteve a Illia de Ana Quintans. A voz é muito bonita, com o tamanho certo para estes papéis, sempre bem projectada a que associa um fraseado lindíssimo, muito elegante, e uma dicção perfeita. À óptima interpretação vocal juntou uma capacidade expressiva intensa que nos transportou para o mundo da personagem de forma exemplar, nomeadamente em Zeffiretti lusinghieri.

O Idamante de Caitlin Hulcup foi muito consistente, com uma voz agradável, sempre bem audível e com uma expressividade adequada ao papel. A caracterização e figura tornaram Idamante muito credível.

Sophie Gordeladze foi Elettra. A voz é bonita e tem uns agudos cristalinos e seguros que se sobrepuseram a uma interpretação algo apática, nomeadamente em D’Oreste, d’Ajace.

O Idomeneo de Richard Croft também esteve muito bem do ponto de vista cénico e a sua interpretação vocal foi globalmente agradável com um timbre e fraseado adequados a Mozart.

Marco Alves do Santos foi um Arbace regular. A voz é grande e bonita, mas denota algumas dificuldades neste registo mozartiano, tendo estado francamente abaixo das suas muito boas interpretações em Britten e Strauss.

O sumo-sacerdote de Bruno Almeida esteve bem no seu pequeno papel e a voz de Netuno de Rui Baeta destacou-se por ter sido um falhanço total.

A récita foi, pois, agradável porque a música de Mozart é sublime e porque a Ana Quintans esteve em São Carlos. 

Nota: É uma pena que a direcção do Teatro se preocupe tanto em impedir que se tirem fotografias durante os aplausos… Dever-se-iam preocupar mais em garantir o conforto dos espectadores melhorando as cadeiras da sala e diminuindo a temperatura digna de uma sauna…

quinta-feira, 15 de março de 2018

L’ELISIR D’AMORE, METropolitan Opera Fevereiro / February 2018

(text in English below)

Uma das operas mais interpretadas de G. Donizetti, L’Elisir d’Amore esteve em cena na Metropolitan Opera, na encenação de Bartlett Sher. O espectáculo é visualmente agradável, convencional e, sendo uma opera cómica, esta componente é atingida sem grande brilho ou originalidade. Fica muito aquém da encenação de Laurent Pelly da Royal Opera House de Londres, comentada aqui, essa sim, uma obra prima.


A direcção musical, correcta, foi do maestro venezuelano Domingo Hindoyan.  



Os solistas foram excelentes. A Adina foi a soprano sul-africana Pretty Yende. É uma das cantoras líricas que mais aprecio na actualidade porque tem tudo o que é necessário para interpretações electrizantes. A voz é fresca, cristalina, de uma beleza assombrosa e a cantora usa-a na perfeição, em todos os registos, nunca gritando e oferecendo-nos agudos generosos e luminosos. A figura ajuda muito, a Yende é jovem, alta, elegante e bonita. Que mais se poderia esperar? Fantástica!





O tenor norte-americano Matthew Polenzani fez uma magnífica interpretação do Nemorino. Nem sempre gostei de o ouvir no passado, mas este papel é dos mais adequados às suas características vocais e ouve-se bem a diferença. Foi emotivo, convincente e cantou sempre afinado. Em cena perde um pouco porque está pesado e velho para o papel, sobretudo ao contracenar com a Yende.



O Belcore do barítono italiano Davide Luciano foi também muito bom, bem interpretado, cómico e eficazmente cantado. 



Também o baixo-barítono italiano Ildebrando d’Arcangelo cantou o Dr. Dulcamara de forma vocalmente marcante. A voz é poderosa e afinada, mas a encenação não lhe permite brilhar nesta que é uma das personagens mais cómicas da ópera. 



A Gianetta da soprano norte-americana Ashley Emerson foi discreta, mas não perturbou a excelência do espectáculo. 



Foi pena a encenação não ter sido melhor.






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L'ELISIR D'AMORE, METropolitan Opera, February 2018

One of the most played operas by G. Donizetti, L'Elisir d'Amore was on stage at the Metropolitan Opera, in the staging of Bartlett Sher. The show is visually pleasing, conventional and, being a comic opera, this component is achieved without great brilliance or originality. It falls far short of the staging of Laurent Pelly of the Royal Opera House in London, commented here, that one yes, a masterpiece.

The musical direction was correct, by the Venezuelan maestro Domingo Hindoyan.

The soloists were excellent. Adina was the South African soprano Pretty Yende. She is one of the lyrical sopranos that I appreciate more at the present time because she has everything that is necessary for electrifying interpretations. The voice is fresh, crystalline, of astonishing beauty and the singer uses it perfectly, in all registers, never shouting and offering us generous and luminous top notes. The figure helps a lot, Yende is young, tall, elegant and beautiful. What more could one expect? Fantastic!

American tenor Matthew Polenzani did a magnificent interpretation of Nemorino. I have not always enjoyed listening to him in the past, but this role suits his vocal characteristics and we hear the difference. He was emotional, convincing and sang always in tune. On stage, he loses a little because he's heavy and old for the part, especially when he's working with Yende.

Belcore of the Italian baritone Davide Luciano was also very good, well interpreted, humorous and effectively sung. Also Italian bass-baritone Ildebrando d'Arcangelo sang Dr. Dulcamara in a vocally striking way. The voice is powerful and in tune, but the staging does not allow him to shine in one of the most comic characters of the opera. Gianetta of American soprano Ashley Emerson was discreet, but did not disturb the excellence of the shew. It was pity the staging was not better.


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