quarta-feira, 27 de setembro de 2017

OTELLO, Royal Opera House, Londres / London, Julho / July 2017


(review in English below)

A nova produção do Otello de Verdi da Royal Opera House foi já aqui primorosamente descrita. Limitar-me-ei a alguns comentários mais breves e ao contraste das duas récitas a que assisti, com elencos diferentes.



Antes das diferenças, em comum tiveram o melhor (a direcção musical superlativa de Antonio Pappano, bem correspondida pela orquestra e coro), 



e o pior, a encenação abstracta de Keith Warner que, num palco quase sempre despido, se baseia no contraste entre o preto e o branco mas não traz nada de novo.



Na primeira récita:



A estreia do tenor alemão Jonas Kaufmann como Otello foi muito boa. É um cantor que muito aprecio, tinha lido algumas opiniões menos favoráveis mas não as subscrevo, sobretudo nesta récita. As suas qualidades vocais já foram várias vezes enaltecidas neste blogue. Esteve sempre ao mais alto nível, foi fantástico no dueto de amor do primeiro acto, muito credível na evolução dramática ciumenta e desesperada e excelente nos dois últimos actos.



A Desdemona da soprano italiana Maria Agresta foi insuperável. Voz muito bonita, sempre bem audível, afinada e com agudos estratosféricos. Interpretação superlativa que culminou com uma Ave Maria de arrepiar.



E o barítono italiano Marco Vratogna foi um Iago diabólico com uma interpretação superior tanto cénica como vocal. Tem uma voz cheia, sempre audível sobre a orquestra e de grande expressividade emotiva.



O tenor canadiano Frédéric Antoun foi um Cassio com óptima presença em palco e cantou com classe. Tem uma voz de timbre agradável e sempre bem projectada.



Nos papéis secundários ouvimos cantores que, apesar de intervenções curtas, também estiveram muito bem: o tenor neozelandês Thomas Atkins como Roderigo, a mezzo estónia Kai Rüütel como Emilia, o baixo coreano In Sung Sim como Lodovico e o baixo sul africano Simon Shibambu como Montano.










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Na segunda récita:



Os três solistas principais foram outros:

Otello foi interpretado pelo tenor norte americano Gregory Kunde. Teve uma interpretação má no início, com notas falhadas, melhorando nos dois últimos actos mas, ainda assim, aquém do desejável. Cantor de voz muito poderosa mas não conseguiu expressar de forma convincente o amor por Desdemona no primeiro acto (o dueto de amor foi francamente mau), seguido de raiva, ciúme e desespero até final.



A Desdemona da soprano alemã Dorothea Röschmann foi também uma desilusão. Tem talvez a voz mais potente de entre todas as que se ouviram na noite, mas sem agudos musicais, o que a faz gritar constantemente. Não expressou qualquer subtileza de sentimentos delicados e frágeis característicos da personagem. Apenas na Ave Maria final fez algo de interessante.



Finalmente o Rigoletto, desculpem, o Iago do barítono sérvio Zeljko Lucic, sendo o melhor dos três, também não foi uma interpretação que fique na memória. O cantor tem um timbre muito bonito, voz cheia e bem projectada, de qualidade mantida em todos os registos. Mas faltou-lhe a postura malévola e intriguista típica da personagem. O Credo do início do 2º acto foi apenas cantado e não sentido e assim continuou ao longo de toda a récita.



Os restantes cantores foram os mesmos da primeira récita e estiveram novamente muito bem.














Para quem assistiu à interpretação da ópera pelos dois elencos encontrou aqui um exemplo perfeito de que cantar alto, em forte, mesmo sem desafinações, não é sinónimo de qualidade interpretativa. Muito pelo contrário, poderá ser uma fuga às dificuldades apresentadas pela subtileza de algumas personagens.

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OTELLO, Royal Opera House, London, July 2017

The new production of Verdi's Otello from the Royal Opera House has already been exquisitely described here. I will confine myself to a few more brief comments and the contrast of the two performances I have seen, with different casts.

Before the differences, in common they had the best (the superlative musical direction of Antonio Pappano, the orchestra and chorus) and the worse, and abstract staging of Keith Warner that, in a stage almost always naked, is based on the contrast between the black and the white but brings nothing new.

First performance:

The debut of German tenor Jonas Kaufmann as Otello was very good. He is a singer that I really appreciate, I had read some less favorable opinions but I do not subscribe to them, especially in this performance. His vocal qualities have already been praised several times in this blog. He was always at the highest level, he was fantastic in the love duet of the first act, very credible in the jealous dramatic and desperation evolution in the last two acts.

Desdemona by Italian soprano Maria Agresta was unsurpassed. She has a very beautiful voice, always well audible, tuned and with stratospheric top notes. A superlative interpretation that culminated with a shivering Ave Maria.

And the Italian baritone Marco Vratogna was a diabolical Iago with a superior performance both scenic and vocal. He has a full voice, always audible over the orchestra and of great emotional expressiveness.

Canadian tenor Frédéric Antoun was Cassio with a great stage presence and sang with class. He has a pleasant, always tuned voice.

In the secondary roles we heard singers who, in spite of short interventions, also performed very well: New Zealander tenor Thomas Atkins as Roderigo, Estonian mezzo Kai Rüütel as Emilia, Korean bass In Sung Sim as Lodovico and South African bass Simon Shibambu as Montano.

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Second performance:

The three main soloists were others:

Otello was played by American tenor Gregory Kunde. he had a bad interpretation at the beginning, even with failed notes, improving in the last two acts but, still, below the desirable. Very powerful voice singer but could not convincingly express the love for Desdemona in the first act (the love duet was downright bad) followed by anger, jealousy and desperation until the end.

Desdemona by German soprano Dorothea Röschmann was also a disappointment. She has perhaps the most powerful voice among all those who were heard that night, but without musical top notes, which made her scream constantly. She did not express any subtlety of delicate and fragile feelings characteristic of the character. Only in the final Ave Maria she was interesting.

Finally Rigoletto, excuse me, Iago of the Serbian baritone Zeljko Lucic, being the best of the three main soloists, was also not a reference Iago. The singer has a very beautiful timbre, full voice and with quality in all records. But he lacked the malicious and intriguing posture typical of the character. The Credo of the beginning of the second act was only sung and not felt and so it was throughout the whole performance.

The remaining singers were the same from the first performance and they were again very well.

For those who witnessed the performances of the opera by the two casts can found here a perfect example that singing loudly, even without detuning, is not synonymous of interpretive quality. On the contrary, it may be an escape from the difficulties presented by the subtlety of some characters.


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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

TURANDOT, Royal Opera House, Londres / London, Julho / July 2017

(review in English below)

A encenação da Turandot de Puccini na Royal Opera House de Londres é da autoria de Andrei Serban e tem já 33 anos. Como referido no programa de sala, é uma fantasia oriental de grande impacto visual. O cenário tem por base uma construção em madeira de 3 andares onde o coro está na maioria das intervenções. 



Todas as personagens envergam máscaras. O colorido dos trajos e dos adereços é riquíssimo. Há um corpo de baile acrobático omnipresente, representando guerreiros chineses. 




Do céu descem uma enorme lua, o gongo que o Calaf toca no final do 1º acto e o imperador Altoum num trono dourado. Um grande dragão atravessa o palco mais de uma vez. A princesa Turandot aparece ricamente vestida de branco ou de vermelho. Só a morte da Liù, que corta o pescoço com a espada do carrasco, é pouco conseguida. Enfim, é difícil descrever algo que é magnífico para ver.



O maestro Dan Ettinger cumpriu sem deslumbrar. A orquestra e o coro foram magníficos. A música é muito bonita, mas isso não justifica que lhe tenha dado primazia absoluta, afogando frequentemente os cantores, como aconteceu.




Assiti a duas récitas, com elencos diferentes nos solistas principais.

Primeira récita:



O príncipe Calaf foi interpretado pelo tenor letão Aleksandrs Antonenko. Esteve vocalmente muito bem, voz bem timbrada, cheia, com agudos emitidos de forma aparentemente fácil e sem perderem qualidade. Contudo, por vezes ouvia-se mal, não percebi bem se por culpa da orquestra, da encenação ou do cantor.



A soprano russa Hibla Gerzmava fez uma Liu fora da personagem. Tem uma voz excessivamente grande para o papel e não consegue transmitir a doçura e fragilidade necessárias nesta que é a figura feminina mais delicada da ópera. E em cena também não se destacou, foi sempre muito estática, mas os outros solistas também não.



A princesa Turandot foi interpretada pela soprano norte-americana Christine Goerke. É um dos seus papéis de referencia e interpretou-o com grande autoridade. A voz é grande e poderosa, bem adaptada à personagem. Foi a melhor em palco.




Ping, Pang e Pong foram respectivamente Michel de Souza, Aled Hall e Pavel Petrov. Os três óptimos na movimentação cénica mas merece destaque o primeiro que mostrou uma voz poderosa, bonita e sempre audível.



O jovem baixo coreano In Sung Sim fez um Timur aceitável, 



o sénior (71 anos) tenor inglês Robin Leggate cumpriu com distinção o Emperador Altoum




 e o barítono ucraniano Yuriy Yurchuk foi um Mandarim muito discreto.







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Segunda récita:





O príncipe Calaf foi interpretado pelo tenor francês Roberto Alagna. Os leitores deste blogue sabem que não é um cantor que admire mas nesta récita esteve em grande forma. Voz sempre afinada e audível com agudos claros e de qualidade. Manteve a boa qualidade interpretativa ao longo de toda a récita. Foi uma das melhores interpretações que lhe ouvi.



A Liù foi interpretada pela soprano polaca Aleksandra Kurzak. Foi uma das melhores da noite. Tem uma voz de timbre muito agradável, agudos fáceis e sem esforço e foi muito emotiva e expressiva na interpretação. Até a ineficaz cena da morte conseguiu fazer de forma mais credível.



A princesa Turandot foi a soprano norte americana Lise Lindstrom que é uma veterana nesta interpretação. Não esteve ao nível que a já ouvi anteriormente. Tem um timbre muito agudo, próximo da estridência e fazia um ruído estranho imediatamente antes de atacar as notas mais agudas. A voz foi sempre bem audível e esteve muito bem em cena, mas não foi uma Turandot memorável.



Ping, Pang e Pong foram bem interpretados respectivamente por Leon Kosavic, Samuel Sakker e David Junghoon Kim. Vozes muito dignas e excelente movimentação em palco.



O baixo britânico Brindley Sherratt fez um Timur de grande qualidade, mostrando uma voz poderosa com um assinalável registo grave.



Os restantes cantores foram os mesmos da primeira récita.








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A Turandot ideal neste mês na Royal Opera House teria como solistas Christine Goerke como Turandot, Roberto Alagna como Calaf, Aleksandra Kurzak como Liù, Brindley Sherratt como Timur, e Michel de Souza, Aled Hall e Pavel Petrov como Ping, Pang e Pong.


TURANDOT, Royal Opera House, London, July 2017

The staging of Puccini's Turandot at the Royal Opera House in London is by Andrei Serban and is now 33 years old. As stated in the room program, it is an oriental fantasy of great visual impact. The setting is based on a 3-story wooden construction where the choir is in most of the interventions. All characters wear masks. The color of the costumes and the props is very rich. There are an omnipresent acrobatic dancers, representing Chinese warriors. From the sky descend a huge moon, the gong that the Calaf plays at the end of the 1st act and the emperor Altoum on a golden throne. A great dragon crosses the stage more than once. Princess Turandot appears richly dressed in white or red. Only the death of Liù, who cuts the neck with the executioner's sword, is little achieved. Anyway, it is difficult to describe something that is really magnificent to see.

Conductor Dan Ettinger was ok without dazzling. The orchestra and chorus were fantastic. The music is very beautiful, but that does not justify giving it absolute primacy, often drowning the singers, as it happened.
I watched two recitals, with different casts on the main soloists.

First performance:

Prince Calaf was played by Latvian tenor Aleksandrs Antonenko. He was very well, full-featured voice, with top notes apparently easy and without losing quality. However, sometimes he was suddenly barely heard, I did not understand if it was the fault of the orchestra, the staging or the singer.

Russian soprano Hibla Gerzmava was a Liu out of character. She has an excessively big voice for the role and fails to convey the necessary sweetness and fragility in this most delicate female figure in the opera. And on stage she also did not stand out, was always very static, but the other soloists also were.

Princess Turandot was interpreted by American soprano Christine Goerke. It is one of her reference roles that she interpreted with great authority. The voice is big and powerful, well adapted to the character. She was the best on stage.

Ping, Pang and Pong were respectively Michel de Souza, Aled Hall and Pavel Petrov. The three were great on stage but the first one deserves highlight because he showed a powerful, beautiful and always audible voice.

The young Korean bass In Sung Sim was an acceptable Timur, senior (71 years) English tenor Robin Leggate fulfilled with distinction the role of Emperor Altoum and Ukrainian baritone Yuriy Yurchuk was a very discreet Mandarin.

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Second performance:

Prince Calaf was played by French tenor Roberto Alagna. Readers of this blog know that he is not a singer who I admire but in this performance he was great. The voice was always tuned and audible with clear and quality top notes. He maintained good interpretive quality throughout the performance. It was one of the best interpretations I heard from him.

Liù was performed by Polish soprano Aleksandra Kurzak. She was one of the best of the night. She has a very nice voice, easy and effortless top notes and was very emotional and expressive in the interpretation. Even the ineffectual death scene she was able to do it more credibly.

Princess Turandot was American soprano Lise Lindstrom who is a veteran in this role. She was not to the level I've heard her before. She has a very sharp timbre, close to stridency and made a strange noise just before attacking the higher notes. The voice was always very audible and she was very well on stage, but it was not a memorable Turandot.

Ping, Pang and Pong were well played respectively by Leon Kosavic, Samuel Sakker and David Junghoon Kim. Very dignified voices and excellent stage movements.

British bass Brindley Sherratt was a Timur of great quality, showing a powerful voice with a remarkable bass register.

The remaining singers were the same as in the first recital.

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The ideal Turandot this month at the Royal Opera House would have as soloists Christine Goerke as Turandot, Roberto Alagna as Calaf, Aleksandra Kurzak as Liù, Brindley Sherratt as Timur, and Michel de Souza, Aled Hall and Pavel Petrov as Ping, Pang and Pong.