domingo, 29 de maio de 2022

REQUIEM, Verdi, Fundação Gulbenkian, Maio / May 2022



Como já escrevi no blogue várias vezes, o Requiem  é uma das minhas obras favoritas de G Verdi. É um marco nas composições corais do Sec. XIX, com uma musicalidade ímpar, um poder avassalador e uma força telúrica brutal que, quando bem interpretada, nos transporta para uma dimensão transcendental. Obra que constantemente contrasta o dramatismo e o lirismo, tem no Rex tremendae, no Confutatis maledictis e, sobretudo, no Dies irae as componentes mais dramáticas, contrastando com o lirismo comovente de Liber scriptus e Lacrimosa

Nesta produção, a Gulbenkian abriu as cortinas que dão acesso aos jardins da Fundação quando se interpreta a Lux aeterna, um motivo adicional digno de registo. 



Foi um excelente espectáculo, ao contrário da última vez a que assisti a esta obra na Fundação Gulbenkian em 2015 em que, por culpa do maestro Paul McCreesh, tivemos um Requiem acelerado, estridente e sem alma! Apesar do mau espectáculo, o maestro teve um gesto de grande simpatia, homenageando a violoncelista Maria José Falcão que tocou pela última vez na Orquestra Gulbenkian. Hoje estive longe do palco, mas pareceu-me ver Maria José Falcão no naipe dos violoncelos o que, a ter sido verdade, registo com grande prazer.

Lorenzo Viotti dirigiu superiormente o Coro e a Orquestra Gulbenkian, que estiveram ao seu melhor nível. 


Esta obra exige 4 solistas de qualidade superior e foi o que tivemos. Todos sempre bem audíveis, mesmo sobre a orquestra e coro quando em forte, e com vozes bonitas e perfeitamente adequadas: Marina Viotti (mezzo), Joshua Guerrero (tenor), Adriana Gonzaléz (soprano) e Mika Kares (baixo, um dos melhores que ouvi nos últimos anos).





Um espectáculo extraordinário para encerrar a minha temporada na Gulbenkian.

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REQUIEM, Verdi, Gulbenkian Foundation, May 2022

As I've blogged several times, Requiem is one of my favorite works by G Verdi. It is a landmark in the choral compositions of the Sec. XIX, with a unique musicality, an overwhelming power and a brutal telluric force that, when well interpreted, transports us to a transcendental dimension. A work that constantly contrasts drama and lyricism, the most dramatic components are found in Rex tremendae, Confutatis maledictis and, above all, in Dies irae, contrasting with the moving lyricism of Liber scriptus and Lacrimosa.

In this production, Gulbenkian opened the curtains that give access to the Foundation's gardens when interpreting the Lux aeterna, an additional reason worth noting.

It was an excellent performance, unlike the last time I saw this work at the Gulbenkian Foundation in 2015 when, thanks to conductor Paul McCreesh, we had a fast-paced, strident and soulless Requiem! Despite the bad concert, Paul McCreesh made a gesture of great sympathy, honoring the cellist Maria José Falcão who played for the last time in the Gulbenkian Orchestra. Today I was away from the stage, but it seemed to me that I saw Maria José Falcão in the cellos section, which, if it were true, I record with great pleasure.

Lorenzo Viotti superiorly directed the Coro and Orquestra Gulbenkian, which were at their best.

This work requires 4 top quality soloists and that's what we had in the performance. All always very audible, even over the orchestra and choir when in forte, and with beautiful and perfectly adequate voices: Marina Viotti (mezzo), Joshua Guerrero (tenor), Adriana Gonzaléz (soprano) and Mika Kares (bass, one of the best heard in recent years).

An extraordinary show to end my season at Gulbenkian.

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segunda-feira, 23 de maio de 2022

FAUST, Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa / Lisbon, Maio / May 2022


(review in English below)

No Teatro Nacional de São Carlos pudemos assistir à ópera Faust de Charles Gounod numa produção originária da Ópera de Las Palmas, encenada por Alfonso Romero Mora, sob a direcção do maestro Antonio Pirolli

Foi o melhor espectáculo de ópera desta temporada, ao nível dos grandes espectáculos de ópera internacionais. Tanto o Coro do Teatro de São Carlos como a Orquestra Sinfónica Portuguesa estiveram muito bem.


A encenação foi fantástica! Foi a prova que, com imaginação e competência, conseguem criar-se espectáculos de grande qualidade cénica com poucos recursos. Saliento alguns aspectos: Logo no início, um pêndulo enorme marca o ritmo da vida, que é parado pelo Mefistófeles quando chega a acordo com o velho Faust e o transforma num jovem. No final da ópera, quando tudo termina, o pêndulo volta a aparecer e a retomar o seu curso. 

Há também logo no início uma banheira antiga, (objecto purificador?), onde o velho Faust é lavado por uma enfermeira no lar onde está. A banheira voltará a aparecer quando Marguerite surge com o filho abandonado por Faust. Mais tarde, será aí que a criança morrerá afogada pela mãe, enlouquecida. 

Para mim a cena de maior impacto é a cena da igreja do IV acto, quando Marguerite reza a Deus em frente a uma estátua da Pietá e rodeada de um grupo de religiosos. O diálogo é estabelecido com Mefistófeles que manipula um padre (morto) que canta e faz os gestos condenatórios. Mais tarde Mefistófeles coloca-se sobre a estátua e, nesse momento, vê-se que as figuras são vivas porque se movimentam. O efeito é magnífico e de uma beleza invulgar.

Muito mais se poderia destacar. Também houve pequenos apontamentos que não gostei como, logo no início, a lavagem do velho Faust. Não teria sido necessário um nu integral do figurante. Felizmente que, mais tarde, com a criança, esta ficou de cuecas. 

Mas foi uma encenação excelente, a melhor de todas as que vi desta ópera!


Quanto aos cantores solistas, também estiveram muito bem. Faust foi o tenor Mario Bahg de voz com timbre agradável e bem audível. Foi pouco emotivo na componente cénica, mas esteve bem.

Anunciaram antes do início do espectáculo que o barítono Rubén Amoretti não estaria fisicamente bem. Mas foi um Méfistófeles excelente com voz bonita, potente e sempre afinada, aliada a uma excelente presença cénica, muito ajudada pela caracterização.


A soprano Irina Lungu fez uma Marguerite de qualidade superior, tanto na vertente cénica como na vocal, onde mantém um voz de qualidade assinalável, afinada e muito bem colocada.


O barítono André Baleiro foi um Valentin de excepção. Para mim o melhor cantor da noite. É jovem, a figura ajuda muito, e tem uma voz enorme e sabe utilizá-la na perfeição. Foi um privilégio assistir à sua interpretação. E o público reconheceu-o no final.


A Mezzo Cátia Moreso este ano já nos ofereceu interpretações de topo. Não foi o caso hoje. Esteve bem mas, frequentemente, as notas saíram mais gritadas que cantadas, o que prejudicou a actuação.

A terminar, Luís Rodrigues (Wagner) e Patrícia Quinta (Marthe) cumpriram sem destoar.

Um excelente espectáculo de ópera!






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FAUST, Teatro Nacional de São Carlos, Lisbon May 2022

At the Teatro Nacional de São Carlos we were able to watch the opera Faust by Charles Gounod in a production originally from the Opera de Las Palmas, directed by Alfonso Romero Mora, under the direction of conductor Antonio Pirolli.

It was the best opera performance this season, at the level of the great international opera shows. Both the São Carlos Theater Choir and the Portuguese Symphony Orchestra performed very well.

The staging was fantastic! It was a proof that, with imagination and competence, it is possible to create shows of great scenic quality with few resources. I emphasize some aspects: Right at the beginning, a huge pendulum marks the rhythm of life, which is stopped by Mephistopheles when he comes to terms with the old Faust and transforms him into a young man. At the end of the opera, when everything is over, the pendulum reappears and resumes its course.
There is also at the very beginning an old bathtub, (purifying object?), where old Faust is washed by a nurse in the nursing home where he is. The bathtub will reappear when Marguerite appears with her son abandoned by Faust. Later, it will be there that the child will be drowned by the mother, maddened.
For me, the scene with the greatest impact was the scene in the church of the IV act, when Marguerite prays to God in front of a statue of the Pietá and surrounded by a group of religious. The dialogue is established with Mephistopheles who manipulates a (dead) priest who sings and makes the condemning gestures. Later Mephistopheles places himself on top of the statue and, at that moment, it is seen that the figures are alive because they move. The effect is magnificent and of an unusual beauty.
Much more could be highlighted. There were also minor points that I didn't like, such as, right at the beginning, the washing of the old Faust. A full nude of the extra would not have been necessary. Fortunately, later on, with the child, he was left in his underwear. But it was an excellent staging, the best I've ever seen of this opera!

As for the soloist singers, they were also very good. Faust was the tenor Mario Bahg with a pleasant and audible voice. He was less emotional in the scenic component, but he was fine.

They announced before the start of the show that baritone Rubén Amoretti would not be physically well. But he was an excellent Mephistopheles with a beautiful, powerful and always in tune voice, combined with an excellent stage presence, greatly helped by the figure.

Soprano Irina Lungu was a Marguerite of superior quality, both in the scenic and vocal aspects, where she maintains a voice of remarkable quality, in tune and very well placed.

Baritone André Baleiro was an exceptional Valentin. For me the best singer of the night. He is young, the figure helps a lot, and he has a huge voice and knows how to use it perfectly. It was a privilege to watch his performance. And the audience recognized him in the end.

Mezzo Cátia Moreso this year has already offered us top interpretations. That was not the case today. She was ok, but often the notes were more shouted than sung, which hampered the performance.

Luís Rodrigues (Wagner) and Patrícia Quinta (Marthe) were ok in their short roles.

An excellent opera show!

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terça-feira, 10 de maio de 2022

LA TRAVIATA – Royal Opera House, Londres / London, Abril / April 2022

 


(review in English below)

A Royal Opera de Londres mantém em cena a sumptuosa produção de Richard Eyre da ópera La Traviata de G. Verdi, talvez a minha preferida de entre as muitas que já vi.
Assisti a duas récitas no mesmo dia, com elencos distintos. Os maestros foram Giacomo Sagripanti, que imprimiu um ritmo por vezes excessivamente rápido e Renato Balsadonna, mais a meu gosto. 

Como Violetta duas sopranos verdadeiramente excepcionais. A sul-africana Pretty Yende, que já ouvi várias vezes. É uma das minhas cantoras favoritas da actualidade e voltou a demonstrá-lo. Tem uma voz magnífica, timbre de uma beleza invulgar e interpreta as personagens de forma irrepreensível. A arménia Hrachuhí Bassénz, que nunca tinha visto e ouvido, também me deslumbrou com as suas qualidades interpretativas, vocais e cénicas.




O Alfredo foi interpretado pelos tenores Stephen Costello e Egor Zhuravskii (do programa Jette Parker) que substituiu Dmytro Popov. Costello esteve aceitável, mas não impressionou, a voz fica aquém do que se esperaria para um espectáculo neste teatro. O jovem Zhuravskii cantou muito bem, mas esteve sempre muito estático e algo nervoso, o que se compreende, dado que foi uma substituição de última hora.

Dos barítonos que interpretaram Giorgio Germont, Dimitri Platanias foi excelente. O cantor tem uma voz expressiva, bonita e poderosa. Vladimir Stoyanov também esteve bem, mas a interpretação foi inferior ao Platanias.





Nas personagens secundarias tivemos Angela Simkin (Flora nas 2 récitas), Germán Alcantara e Yuriy Yurchuk (Barão Duphol), Davis Shipley e Blaise Malaba do programa Jette Parker (Dr Grenvil) e Kseniia Nikolaieva do programa Jette Parker e Gaynor Keeble (Annina). De todos eles, saliento a interpretação vocal fabulosa de Kseniia Nikolaieva, uma voz fabulosa que ouviremos no futuro em personagens mais relevantes.







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LA TRAVIATA – Royal Opera House, London, April 2022

The Royal Opera in London keeps on stage Richard Eyre's sumptuous production of the opera La Traviata by G. Verdi, perhaps my favorite of the many I've seen.
I attended two performances on the same day, with different casts. The conductors were Giacomo Sagripanti, who set a sometimes excessively fast pace, and Renato Balsadonna, more to my liking.

As Violetta two truly exceptional sopranos. The South African Pretty Yende, which I've heard several times. She's one of my favorite singers right now and she's shown it again. She has a magnificent voice, an unusually beautiful timbre and plays the characters irreproachably. The Armenian Hrachuhí Bassénz, who I had never seen or heard, also dazzled me with her interpretive, vocal and scenic qualities.

Alfredo was played by tenors Stephen Costello and Egor Zhuravskii (from the Jette Parker program) who replaced Dmytro Popov. Costello was acceptable, but not impressed, the voice falls short of what one would expect for a show in this theater. The young Zhuravskii sang very well, but he was always very static and a little nervous, which is understandable given that he was a last-minute substitution.

Of the baritones who played Giorgio Germont, Dimitri Platanias was excellent. The singer has an expressive, beautiful and powerful voice. Vladimir Stoyanov was also well, but the interpretation was inferior to Platanias.

In the secondary characters we had Angela Simkin (Flora in the 2 performances), Germán Alcantara and Yuriy Yurchuk (Baron Duphol), Davis Shipley and Blaise Malaba from the Jette Parker program (Dr Grenvil) and Kseniia Nikolaieva from the Jette Parker program and Gaynor Keeble (Annina). Of all of them, I distinguish the fabulous vocal interpretation of Kseniia Nikolaieva, a fabulous voice that we will hear in the future in more relevant characters.

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quarta-feira, 4 de maio de 2022

LOHENGRIN, Royal Opera House, Londres / London, Abril / April 2022


(review in English below)

Há cerca de 4 anos tive o privilégio de assistir a esta produção do Lohengrin na Royal Opera House de Londres. Como escrevi no blogue, foi um dos espectáculos de ópera que mais me marcou pela sua excepcional qualidade. É certo que é uma das óperas de Wagner que mais gosto e a encenação de David Alden ajuda a que seja um espectáculo arrebatador, como voltou a acontecer. 

Coloca a acção no Séc. XX num país sob um regime militar. Os cenários, modulares, são constituídos por paredes de tijolos inclinadas, com grandes aberturas e corredores metálicos. Há militares armados em cena em grande parte do espectáculo. No início do 3º acto aparece uma grande estátua branca encimada por um cisne e, perto do final, muitas bandeiras vermelhas e brancas com o cisne, muito à imagem das bandeiras nazis. O Lohengrin é o salvador esperado pelo povo que, quando decide partir, instala-se o regime nazi-like.

O maestro Jakub Hursa foi óptimo. As luzes da sala são deixadas quase apagadas, aumentando progressivamente a iluminação à medida que a música se torna mais intensa, voltando a diminuir a intensidade até se apagarem totalmente no final. Um efeito magnífico, que se repetirá no último acto.


O Coro da Royal Opera foi perfeito em afinação, qualidade e conjugação de vozes. 

Os solistas formaram um conjunto de cantores excelentes. O Rei Heinrich foi interpretado pelo baixo Gábor Bretz que tem uma voz magnífica. O barítono Craig Colclough foi um Friedrich marcante em palco e vocalmente irrepreensível. A sua mulher Ortrud, a soprano Anna Smirnova, foi cínica e astuta e teve uma interpretação com uma potência vocal avassaladora. A soprano Jennifer Davis, que ouvi a primeira vez há 4 anos, voltou a oferecer-nos uma interpretação superlativa. Transmitiu vulnerabilidade e inocência marcantes e a voz é pura, limpa e com um poderio impressionante. O tenor Brandon Jovanovich foi um Lohengrin óptimo, tanto na interpretação cénica como vocal. Até o pequeno papel do arauto teve uma interpretação notável de Derek Welton.

Um espectáculo de ópera excepcional!







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LOHENGRIN, Royal Opera House, London, April 2022

About 4 years ago I had the privilege of watching this production of Lohengrin at the Royal Opera House in London. As I wrote on the blog, it was one of the opera performances that most impressed me due to its exceptional quality. It is true that it is one of Wagner's operas that I like the most and the staging by David Alden helps to make it a breathtaking show, as it happened again.T

The action in placed in the 20th century in a country under a military regime. The modular scenarios, are made up of sloping brick walls, with large openings and metallic corridors. There are armed soldiers on the scene in most of the performance. At the beginning of the 3rd act, there is a large white statue topped by a swan and, towards the end, many red and white flags with the swan, much like the Nazi flags. Lohengrin is the savior awaited by the people who, when he decides to leave, the Nazi-like regime is installed.

Maestro Jakub Hursa was great. The lights in the room are left almost off, progressively increasing the lighting as the music becomes more intense, then dimming again until they are completely off at the end. A magnificent effect, which will be repeated in the last act. The Royal Opera Choir was perfect in pitch, quality and voice conjugation.

The soloists formed an ensemble of excellent singers. King Heinrich was bass Gábor Bretz who has a magnificent voice. Baritone Craig Colclough was an outstanding Friedrich on stage and vocally irreproachable. His wife Ortrud, soprano Anna Smirnova, was cynical and shrewd and delivered a performance with overwhelming vocal power. Soprano Jennifer Davis, who I heard for the first time 4 years ago, has returned to offer us a superlative interpretation. She conveyed remarkable vulnerability and innocence and the voice is pure, clean and with impressive power. Tenor Brandon Jovanovich was a great Lohengrin, both on stage and vocally. Even the small role of the herald had a remarkable performance by Derek Welton.

An exceptional opera performance!

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