sábado, 17 de abril de 2010

La SONNAMBULA – Wiener Staatsoper, Viena, Abril de 2010

De Vicenzo Bellini, um dos meus compositores favoritos (confesso-me um grande apreciador do belcanto), La sonnambula é a sua ópera que já tive oportunidade de ver mais vezes, muitas delas fruto do acaso, mas quase sempre com excelentes intérpretes. E, novamente, foi isso que aconteceu em Viena.

As minhas expectativas estavam no nível mais elevado, pois teria a oportunidade de ver juntos dois dos meus cantores favoritos, Natalie Dessay e Juan Diego Flórez. E, seguramente, não era o único pois qualquer destes artistas mas, sobretudo, Florez, faz esgotar todas as récitas em que actua, tal a expectativa que cria, sem nunca, até à data e que seja do meu conhecimento, defraudar.

A encenação de Marco Arturo Marelli é moderna, não particularmente excitante, mas decente e passada, toda ela, num cenário de festa de casamento (num hotel de montanha). Enfim, afinal esse é o enredo principal…

O maestro foi, novamente, Marco Armiliato que voltou a não estar bem, criando algumas dificuldades aos cantores, mas menores que no Rigoletto que vira na véspera. Dito isto, passo não tanto a uma crítica, mas mais a um exercício laudatório.
Natalie Dessay foi, como sempre, uma artista estupenda. No difícil papel de Amina, esteve cenicamente irrepreensível e vocalmente ao nível que esperava. A figura, pequena, magra e frágil, é inversamente proporcional à voz, pujante e segura. Não sendo já uma menina, faz um papel convincente, enche facilmente uma sala grande como esta, canta e representa com enorme credibilidade e emoção, e comove qualquer apreciador do estilo. Confesso que, por vezes, me pareceu ter ligeiras dificuldades vocais mas, se assim foi, foram superadas com maestria técnica e, no compto final, deu-nos uma interpretação magnífica da personagem.


Elvino foi interpretado por Juan Diego Flórez, um dos artistas que persigo sempre que posso e que nunca me desiludiu, como referi. Mais uma vez foi sublime! Já vai sendo um lugar comum, mas acho que esta foi a sua melhor interpretação que presenciei. A técnica vocal é prodigiosa, o talento extraordinário, a musicalidade única, o timbre belíssimo, os agudos fáceis e luminosos, o fraseado perfeito e o trinar na estratosfera surge com uma naturalidade que o faz parecer trivial. É, em minha opinião, a perfeição no belcanto, para a qual não há rival na actualidade, que provoca uma emoção e entusiasmo no público como raramente se vê. Conto-me entre os admiradores incondicionais de Juan Diego Flórez e a minha admiração não sofre qualquer beliscadura pelo facto de o artista não ter uma voz enorme (mas tem uma técnica perfeita) nem ser, do ponto de vista teatral, um óptimo actor, apesar de manter uma figura excelente para os papeis que representa.

Se as duas personagens principais foram excepcionais, o mesmo direi dos restantes artistas. Michele Pertusi foi um conde Rodolfo seguro, convincente e de voz potente e muito agradável. A jovem Theodora Gheorghiu foi uma Lisa brilhante, cénica e vocalmente, mostrando uma frescura e suavidade na voz que penso que lhe trarão grandes interpretações no futuro. Também Janina Baechle como Teresa e Tae Joong Yang como Alessio estiveram em grande forma.

Tive o privilégio de assistir a um superior espectáculo de ópera, um daqueles que nos fazem sentir que vivemos uns momentos mágicos onde, para além dos cantores principais terem estado ao seu melhor nível, todos os restantes foram óptimos e poderiam ter sido solistas em qualquer espectáculo de ópera. Um espanto!


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O PÚBLICO EM VIENA

Viena é seguramente um dos melhores teatros do mundo para ver ópera. É uma sala grande, não particularmente bonita no auditório principal, mas magnífica em todos os outros recantos.
O público, maioritariamente austríaco mas com muitos estrangeiros, sobretudo japoneses, veste-se a rigor, o que não deixa de ser interessante e nos recorda que, mesmo na Austria, assistir a um espectáculo de ópera não é uma trivialidade do dia a dia. As tosses são escassas e não ouvi quaisquer ruidos perturbadores à minha volta. Contudo, disse-me um amigo que lá encontrei numa das récitas que, uma mulher russa sentada atrás de si, atendeu e falou ao telemóvel mais de uma vez!! (Só pode ser a excepção que confirma a regra!).
Aqui ouve-se verdadeiramente tudo o que os compositores escreveram. Muito conhecedor das obras em cena, não há aplausos intempestivos em nenhum momento, podendo apreciar-se a música até ao fim. É um dos raros teatros de ópera de primeira grandeza onde tal acontece. Uma maravilha! Quando é altura de aplaudir, se os intérpretes são bons (o habitual neste teatro), não se poupam a demonstrar satisfação que, quando os cantores são excepcionais, para além dos aplausos, dos bravos, dos assobios, das flores e de outras manifestações de júbilo, também surgem pateadas que, entre nós, teriam significado oposto.

Neste teatro, aliás como em tudo na Austria, os horários cumprem-se ao minuto. Apenas para se ter uma ideia do que pode acontecer, na récita da Sonambula que vi, e que deveria terminar às 22h00, a prestação da Natalie Dessay e, sobretudo, do Juan Diego Flórez foi de tal qualidade que, com os aplausos que lhes foram presenteados, o espectáculo terminou próximo das 22h45m!



O que verdadeiramente me surpreendeu e pensava ser impossível é o mercado negro da venda de bilhetes. É à descarada, à porta do teatro, ou mesmo dentro dele quando chove, pedindo-se quantias exorbitantes (e há sempre quem pague, pois as récitas estão esgotadas há muito). Não compreendo como isto é permitido num local destes, mas foi assim nas 4 récitas que vi.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

RIGOLETTO –Wiener Staatsoper, Viena, Abril de 2010

Uma das óperas mais conhecidas de Verdi, Rigoletto foi um espectáculo notável na Wiener Staatsoper, apesar de não ter estado isento algumas contrariedades. A produção, de Sandro Sequi e Pantellis Dessyllas é clássica, deslumbrante, luxuosa, variada e, verdadeiramente, espectacular. Foi a melhor encenação do Rigolleto que alguma vez vi.


O maestro, Marco Armiliato, foi um dos poucos pontos fracos da récita. No primeiro acto o desencontro entre os cantores e a orquestra foi uma constante e, para além disso, imprimiu um ritmo desadequado à obra, ora demasiado rápido, ora inexplicavelmente lento. Uma pena e uma surpresa, pois já o vi fazer bem melhor. Apesar dele, a orquestra esteve excelente. O coro também.

Guiseppe Gipali, tenor italiano, foi o duque de Mantua. Foi o outro ponto fraco da noite. A voz não é bonita nem potente, o timbre é aspro e a emissão irregular. Em cena é aceitável, a figura é boa, mas não foi convincente, sobretudo tendo em consideração os outros artistas com quem contracenou. Em la donna è mobile, a aria emblemática da personagem, esteve melhor que em tudo o resto mas, mesmo assim, aquém do desejável, sobretudo tendo em conta a qualidade dos restantes cantores.
Gilda foi interpretada por Patrizia Ciofi e foi uma das grandes figuras da noite. Soprano excelente, potente, seguro e à altura de todos os momentos exigentes a que a personagem obriga. Muito boa em cena, possuidora de uma boa figura para o papel, foi verdadeiramente brilhante. Em caro nome foi sublime e nos vários duetos com o pai transbordou emoção na voz.
Também excepcional foi Dmitri Hvorostovsky, barítono russo, que fez o papel de Rigoletto. Insuperável em palco, um verdadeiro actor, tem uma voz belíssima, colorida e capaz de expressar todas as emoções da personagem. E quanto à potência, esta é impressionante. Sem, nunca perder a beleza tímbrica, consegue ouvir-se sempre sobre a orquestra, quando esta toca forte. Como referi antes, os duetos com Gilda foram sublimes e em cortigiani vil razza dannata, transbordou angústia e desespero, impressionando mesmo os mais insensíveis.

Para além destas personagens principais, os papeis secundários foram também interpretados com invulgar qualidade. Ain Anger foi um Sparafucile poderoso e tenebroso, Sorin Coliban um Monterone muito credível, Nadia Krasteva uma Maddalena sensual e convincente e Donna Ellen uma Giovanna que não passou despercebida.
Um espectáculo verdadeiramente excepcional, dos melhores a que alguma vez assisti.

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L’ELISIR D’AMORE –Wiener Staatsoper, Viena, Abril de 2010

De Gaetanno Donizetti, o Elixir do Amor é uma ópera cómica bem conhecida apesar de, em minha opinião, não ser uma ópera de referência. Contudo, se bem encenada e se interpretada por bons cantores, poderá proporcionar um espectáculo inesquecível.

Aqui em Viena a encenação de Otto Schenk foi aceitável e alegre, retratando uma cena campestre, mas sem sofrer qualquer alteração ao longo do espectáculo, o que foi pena.


A orquestra, dirigida por Daniele Callegari, teve uma prestação excelente, tal como o coro.
Adina foi interpretada por Alexandra Reinprecht, um soprano decente que foi melhorando ao longo do espectáculo. No início foi pouco expressiva e algo agressiva nos agudos, mas a situação melhorou ao longo da récita, proporcionando-nos alguns momentos interpretativos de qualidade.


Nemorino foi José Brós, um tenor que, em minha opinião, não tem estofo para o papel. Possuidor de uma voz pequena, esteve irregular ao longo da récita, com muitas passagens em que se ouvia mal (e nas que se ouvia bem, gritava mais que cantava) e cantou una furtiva lagrima muito aquém do desejável (e esta aria é a referência para apreciar as qualidades vocais e cénicas do Nemorino). Depois de se ter ouvido, há pouco, Juan Diego Florez ou Rolando Villazon a cantar este papel, todos os outros parecem de outro “campeonato”!

Mariusz Kwiecien foi uma surpresa em Belcore, esteve vocalmente irrepreensível, a figura é excelente e foi o melhor em cena.
Também Ambrogio Maestri, um desconhecido para mim, esteve muitíssimo bem no papel do doutor Dulcamara. Possuidor de um barítono potentíssimo e de qualidade, fez um papelão e também esteve muito bem cenicamente.
Dos restantes, nada a dizer, para além de mencionar o timbre particularmente irritante de Elisabeta Marin, no felizmente curto papel de Gisanetta.

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LA BOHÈME –Wiener Staatsoper, Viena, Abril de 2010

Mais uma oportunidade para ver La Bohème de G. Puccini, pouco tempo após a ter apreciado no MET. A produção em Viena é também de Franco Zeffirelli, apesar de diferente da de NY mas, como seria de esperar, é clássica, de bom gosto, eficaz e grandiosa!


No dia seguinte a um desastre aéreo em que morreu o presidente da Polónia e muitas outras entidades oficiais, no início apareceu em palco um senhor que pediu um minuto e silêncio pelas vítimas, dado o tenor principal ser polaco, o que foi um motivo de alívio pois pensei que ele não iria cantar.


Como Mimi tivemos Tamar Iveri, um soprano convencional, que fez a personagem mas não lhe imprimiu aquela emoção e qualidade interpretativa desejadas, sobretudo após ter visto há poucas semanas a Anna Netrebko neste papel (e ela é quem está a alternar com Iveri as récitas aqui em Viena mas, infelizmente, tocou-me esta). Cantou regularmente, mostrou um vibrato já considerável, foi pouco convincente no primeiro acto, um pouco melhor no terceiro e bem no último. Cenicamente regular.
No papel de Rodolfo esteve Piotr Beczala. Foi, de longe, o melhor em palco. Como referi quando o ouvi no mesmo papel há poucas semanas, é um tenor seguro, de invulgar beleza tímbrica, voz grande e consistente em todos os registos, particularmente notável nos agudos. E, em palco, está muito bem. Foi muito convincente e proporcionou momentos de grande intensidade lírica.
Anita Hartig encarnou uma Musetta notável, ao nível das boas cantoras deste papel. Os restantes estiveram bem, mas sem deslumbrarem. No compto final, um espectáculo muito bom.

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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Domingo de Páscoa em Viena (4 de Abril de 2010) - Parsifal de Richard Wagner



Pela primeira vez em Viena, e não tendo conseguido bilhetes para La Bohème com Anna Netrebko e Piotr Beczala (pelo menos a preços realistas...) acabei por me manter fiel ao meu compositor idolatrado e passar mais uma Páscoa a ver um Parsifal.

A Ópera Estatal de Viena é uma das mais antigas (se não a mais antiga) da Europa e é um prazer ouvir uma ópera no seu interior. Acolhedora em todos os sentidos, cadeiras confortáveis (pelo menos para quem tem de passar 4 ou 5 horas de uma ópera wagneriana) e a grande inovação e brilhantismo é cada cadeira com pequeno monitor com legendas em inglês (!). Não sei porque a Deutsche Oper ou a Staatsoper Berlim não adoptaram ainda este esquema... Não sei muito de alemão e é sempre agradável, mesmo conhecendo a ópera com a sua história, poder acompanhar claramente o discurso cantado.

Passando à análise sempre modesta e humilde deste Parsifal:

Começo por enaltecer o grande senhor (aliás é já Sir) John Tomlinson. Já nos seus 60s ainda me consegue entusiasmar. Tive a oportunidade de ver o seu Hagen em 2006 e o seu Wotan em 2007 (substituíndo Terfel no célebre Anel da Royal Opera House). Sempre foi dotado de um timbre especial e característico, que o tempo se encarregou de acentuar, dificultando os agudos. As suas tentativas de o som não se perder neste timbre e nos agudos leva-o a fazer posturas e caretas profundamente hilariantes para mim mas que me fazem adorar ouvi-lo em qualquer momento. Esteve muito bem como Gurnemanz. A encenação contudo não previligiou a evolução da personagem em termos cénicos. No fundo passam-se vários anos entre o 1º e 2º acto e Gurnemanz permaneceu igual: aspecto idoso dos 60s de Tomlinson... Quando ele acordou a Kundry no 3º acto e ela grita olhando-o na face ficou como que em transe, em período de ausência epiléptica ao qual não pude deixar, tal como quase todos, de rir. Vá lá Petra Lang, o Tomlinson está velho mas não tem mau aspecto :)

E por falar em Kundry e Petra Lang, esta é uma das melhores mezzos para Wagner na actualidade. Uma Brangane soberba em Novembro 2009 em Berlim, voltou a surpreender neste Parsifal. De voz firme e quente, sem gritar (ao contrário de Waltraud Meier hoje em dia neste papel...), é talvez a melhor Kundry que podemos ouvir hoje me dia. Não é particularmente bonita (aí prefiro Meier) mas não se pode ter tudo...

Christopher Ventris foi Parsifal. Tendo-o visto em Paris em 2008, bem como o DVD com a produção de Zurich (soberba) acho-o mais entrosado com o papel. Não pareceu irritavelmente inocente no primeiro acto e foi capaz de ir sentindo profundamente o que cantava. Tem ainda períodos em que a voz não supera a orquestra e em que parece que se defende embora também aqui ache que está melhor - arriscou mais e não perdeu.

Falk Struckmann também, em linha da Petra Lang, deve ser um dos melhores Amfortas que se pode desejar ouvir. No meu ponto de vista tem o timbre perfeito para o papel. Não exagerou na imagem de sofrimento e cenicamente um grande actor. Vocalmente perfeito.

Ainda estive para falar com os responsáveis da Ópera de Viena, e também com o encenador (estou a brincar claro...) porque deviam ter dado algum retorno do valor do bilhete por me obrigarem a ver Wolfgang Bankl nú da cintura para cima. Celulite em tudo quanto é sítio e um perímetro abdominal adivinhando uma insulinorresistência marcada estragaram visualmente um início do 2º acto, numa encenação que só melhorou quando ficou mais minimalista, por incrível que pareça. Vocalmente o senhor até cumpriu.

A encenação foi minimalista a partir do dueto Parsifal-Kundry no 2º acto e até ao fim. Foi a melhor parte. No início da ópera, umas paredes com lavatórios, uma música da transformação com alusões incomprensíveis (pelo menos para mim), e um início do 2º acto com um "camera man" a filmar em cima de Klingsor e Kundry, sendo a imagem projectada no fundo do cenário, com algumas alusões hitlerianas. Profundamente horrível. Ainda não vi um Parsifal ao vivo em que achasse a encenação aceitável. A cena com as mulher-flor até foi aceitável; vestidas de vermelho, com uma daquelas bolas espelhadas "muito disco"... um autêntico bordel, pelo que dizem.

Peter Schneider dirigiu a orquestra muito bem, embora com umas 5 ou 6 "gafes" minor. Andamento racional e ao meu gosto.

Este Parsifal pode ser revisto na próxima temporada e na mesma altura (Páscoa) com Waltraud Meier como Kundry, Franz-Josef Selig como Gurnemanz, mantendo-se Christopher Ventris como Parsifal e Falk Struckman como Amfortas.






domingo, 4 de abril de 2010

HAMLET – Met Opera, Nova Iorque, Março de 2010

A minha opção há vários meses por esta nova produção, levada à cena pela última vez no Met há 113 anos, Hamlet de Ambroise Thomas, da qual só ouvira a cena da loucura de Ofélia, deveu-se, principalmente, ao elenco anunciado, Simon Keenlyside e, sobretudo, Natalie Dessay, para além da curiosidade em ver uma ópera que não conhecia. Foi com alguma frustração que soube, posteriormente, que Dessay, por doença, tinha sido substituída.
A encenação, de Patrice Caurier e Moshe Leiser (originária do Grand Théâtre de Genève) é pobre, minimalista (apenas duas paredes rodam ao longo de toda a récita) e confusa, pois não se percebe claramente a época retratada nem o guarda roupa é consistente. É habitual ter-se muito mais e melhor no Met! Também a música não é muito excitante pois, para além da cena da loucura de Ofélia (o 4º acto por inteiro) que exige um sopano lírico de coloratura capaz, o dueto de amor entre Hamlet e Ofélia (Doute de la lumière no 1º acto) e o confronto entre Hamlet e a mãe, Gertrude (Pardonne, hélas! ta voix m’accable no 3º acto), são os momentos mais relevantes da ópera.

A cuidada direcção musical foi de Louis Langrée, a orquestra esteve ao seu bom nível habitual e o coro esteve também em grande.
Simon Keenlyside no papel do perturbado príncipe Hamlet não deixou os seus créditos por mãos alheias e, por si só, teria valido a récita. Possuidor de uma belíssima voz de barítono esteve quase sempre em palco, manteve uma superior qualidade vocal do início ao fim e foi capaz de transmitir os diferentes estados de alma ao longo da récita. O timbre é belíssimo, mantém a afinação perfeita em todo os registos, a dicção é excelente e quando a música soa mais forte é sempre audível sobre a orquestra. Em cena, para além de ter uma boa figura, perfeita para o papel, movimenta-se com invulgar agilidade e revela óptima capacidade de representação. Em suma, é mais um actor que canta de forma soberba! Se no dueto de amor com Ofélia no 1º acto foi emotivamente doce e meigo, ao confrontar a mãe, Gertrude, com o seu crime (a morte do pai), no 3º acto, mostrou-se emocionalmente perturbado e de uma frieza de arrepiar. Pelo meio teve a cena do banquete, no 2º acto em que, num aparente acto de loucura, se rega com o vinho e se enrola na toalha da mesa, horrorizando todos os presentes, numa possível metáfora ao sangue derramado pelo seu pai assassinado. Mais uma vez esteve excelente, apesar do mau gosto da cena.

Marlis Petersen, soprano alemã, foi Ofélia, em substituição de Natalie Dessay. Como referi, fora esta cantora uma das grandes razões para a minha escolha por esta récita, pelo que estava, à partida, triste e apreensivo com a substituição. Mas cedo verifiquei que iria assistir a outra interpretação superior. Logo no 1º acto, no dueto de amor com Keenlyside, Petersen ofereceu-nos um soprano agil, de grande qualidade e timbre claro, alcançando as notas mais agudas com aparente facilidade e sem quebra de potência. Transmitiu inocência e fragilidade, os sentimentos dominantes da personagem. A cena da loucura (4º acto), o momento da verdade da personagem, foi notável. Apareceu vestida de noiva, foi muito credível em palco, transbordando vulnerabilidade. Vocalmente esteve em grande, revelando uma coloratura de elevada qualidade e presenteando-nos com diversas notas altas, perfeitamente afinadas.



Jennifer Larmore, mezzo americana, interpretou a rainha Gertrude, mãe de Hamlet e consorte de Claudio. Outra grande interpretação da noite. Vocalmente muito segura mostrou ter uma potência imponente associada a grande agilidade. Esteve sempre bem e a dicção foi perfeita ao longo de toda a récita. Também cenicamente foi irrepreensível, revelando com notável credibilidade as diferentes emoções por que passa a personagem, tendo sido o dueto com o filho no 3º acto o ponto mais alto, onde transbordou culpa e remorço.
James Morris, baixo americano, foi Claudio, o rei assassino do irmão, pai do príncipe Hamlet. Penso que este artista está já na fase de declínio. Embora ainda cante com potência respeitável, tem vibrato excessivo e demonstra alguma dificuldade nas notas mais graves. Em palco, também não esteve ao nível das restantes personagens.

(Algumas das fotografias são de Marty Sohl e de Brent Ness / Metropolitan Opera)
Toby Spence, jovem tenor inglês, foi Laërte, irmão de Ofélia. Tem um timbre algo aspro de que não gosto e a extensão vocal não é grande, apesar de bem audível. Contudo, cumpriu com qualidade o papel (pequeno) que lhe coube, mas penso que ainda irá melhorar as suas apresentações, tanto do ponto de vista cénico como vocal.
Merece ainda uma palavra de apreço o baixo - barítono David Pittsinger que encarnou o fantasma do rei assassinado. O papel é pequeno mas foi desempenhado com grande qualidade vocal e cénica.


Enfim, mais um excelente espectáculo do Met que, desta vez, se deveu “apenas” aos intérpretes.

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sábado, 3 de abril de 2010

LA TRAVIATA – Met Opera, Nova Iorque, Março de 2010

Foi com grande satisfação que tive oportunidade de assistir a esta produção de La traviata, de Giuseppe Verdi, pois no próximo ano uma nova será levada à cena no Met. De Franco Zeffirelli seria de esperar, como se confirmou, uma encenação rica, de bom gosto, clássica e sumptuosa, onde o segundo quadro do segundo acto foi absolutamente memorável.

Na direcção musical esteve Leonard Slatkin que foi a grande surpresa da noite. Os desencontros entre os cantores e a orquestra foram frequentes durante toda a récita e imprimiu quase sempre um rítmo acelerado que não se coaduna com o dramatismo da obra, fatal na belíssima abertura do 3º acto. Deplorável! Apesar do maestro, a orquestra conseguiu dar-nos mais uma interpretação superior e o coro esteve também ao mais alto nível.

No papel de Violetta esteve Angela Gheorghiu. Confesso-me um grande admirador desta cantora e não fiquei minimamente desiludido com o que vi e, sobretudo, com o que ouvi. Voz potente e invulgarmente melodiosa, com um belíssimo timbre, esteve insuperável na interpretação da personagem. Mantém uma excelente figura e foi uma verdadeira actriz em palco. Nos cartazes publicitários do Met consta sobre Gheorghiu “born to sing Violetta”. Artisticamente, é verdade.

Alfredo foi interpretado pelo jovem tenor americano James Valenti. Possuidor de uma voz sólida mas com um timbre invulgar e não muito agradável à primeira audição, defendeu-se nos agudos mas esteve globalmente bem. Contudo, nos duetos com Gheorghiu, foi notória a diferença qualitativa. A figura é excelente para a personagem – alto, magro e novo. Foi o mais aplaudido em palco (talvez por jogar em casa e ser debutante no Met) mas não foi, de todo, o melhor.


Thomas Hampson foi um Giorgio Germont em grande forma, revelando um barítono potente e de grande beleza, que encheu a sala. Cenicamente muito bem, sobretudo no diálogo com Violeta no 2º acto. Foi talvez a melhor interpretação que vi deste artista.
 

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ATTILA – Met Opera, Nova Iorque, Março de 2010

Attila, de Giuseppe Verdi, uma das óperas do seu “primeiro” período, numa nova produção do Met, tinha vários ingredientes atractivos – o facto de ser uma nova produção de Pierre Audi com Jaques Herzog e Pierre de Meuron (duo responsável pelo belíssimo estádio olímpico de Pequim), um conjunto de intérpretes de grande qualidade e, guarda roupa da responsabilidade da italiana Miuccia Prada, o que não deixou de suscitar alguma curiosidade.

Apesar de todos os atractivos referidos, a encenação não resultou e ficou aquém do esperado. No início, a acção decorreu num monte de escombros, onde os cantores mal se podiam mover, não resultando em nada cenicamente excitante.

Após este primeiro quadro, apareceu uma espécie de jardim verde vertical, no qual iam surgindo buracos redondos, onde os cantores apareciam. O “jardim” vertical subia e, na base do palco, apareciam ou o coro ou os protagonistas. Tudo muito estranho, pouco eficaz e mau cenicamente. O guarda roupa da Prada tambem esteve longe de ser uma mais valia. Attila, o principal Huno, tinha um capacete com luzes que fazia lembrar um extra-terrestre e a maioria das restantes personagens principais não fugiam a esta regra. Merece ainda particular relevo, pela negativa, Odabella (Violeta Urmana) que, para além do vestido, com o penteado que lhe foi atribuído, parecia uma figura dos Simpson’s.


O maestro da récita que assisti foi Marco Armiliato que fez brilhar a excelente orquestra do Met. Attila foi interpretado pelo baixo russo Ildar Abdrazakov. Esteve bem, mas a voz não é muito grande e foi ocasionalmente ofuscada pela orquestra. Estava à espera de melhor. Violeta Urmana, soprano, foi a Odabella que, apesar de constipada (como nos foi comunicado imediatamente antes do espectáculo), cumpriu o papel, sobretudo revelando uma coloratura decente, apesar da pouca flexibilidade e uma ligeira tendência para girtar nas notas mais agudas. Ramón Vargas, tenor, foi Foresto, um cavaleiro de Aquileia que ama Odabella e lidera a conspiração contra Attila. Como já referi em apreciações anteriores, não é um artista que aprecio. Cenicamente é muito fraco e, vocalmente, está longe de ser um tenor de primeira água, dos que frequentemente se ouvem por estas paragens. Foi um mono e a sua figura também não ajuda. No papel de Ezio, um general Romano, pudemos apreciar Franco Vassalo (em substituição de Carlos Alvarez) que foi o intérprete da noite. Apesar de o papel não ser extenso, revelou-se posuidor de um barítono sólido, de belo timbre, consistente ao longo de toda a récita, para além de também ter sido o melhor em cena. Os restantes intérpretes, nomeadamente Russel Thomas como Uldino e Samuel Ramey como Leone não trouxeram qualquer mais valia à récita.



(Algumas das fotografias apresentadas são de Ken Howard / Metropolitan Opera e de Sara Krulwich / The New York Times)

 
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