sábado, 28 de fevereiro de 2015

DER FLIEGENDE HOLLÄNDER – Royal Opera House, Fevereiro de 2014 – Transmissão em directo no cinema / Live in cinema


(text in english below)


Assisti à transmissão em directo da opera O Navio Fantasma / Der Fliegende Holländer de R Wagner, a partir da Royal Opera House de Londres no Cinema das Amoreiras, Lisboa.

A encenação de Tim Albert coloca a acção em meados do século passado, num local indefinido. A atmosfera é sempre escura e hostil ao longo de toda a opera. As mulheres trabalham em máquinas de costura numa fábrica de têxteis. O navio do holandês só aparece em sobra mas uma miniatura é colocada no palco por Senta logo no início e estará sempre presente. Admito que, ao vivo, seja uma encenação interessante.


(Fotografias de Clive Brada, Royal Opera House / Photos by Clive Brada, Royal Opera House)




O maestro foi Andris Nelsons e nos solistas estiveram Bryn Terfel como Holandês, Adrianne Pieczonka como Senta, Michael König como Erik, Peter Rose como Daland, Ed Lyon como timoneiro e Catherine Wyn-Rogers como Mary.

Há neste blogue diversos textos pormenorizados sobre esta ópera de Wagner. Este não será mais um porque foi uma experiência para esquecer!!

A sala do cinema Amoreiras não tem condições para este tipo de transmissões. O som foi uma catástrofe! No início mal se ouvia, depois de um dos poucos espectadores presentes se ter queixado, melhorou ligeiramente, mas o volume e qualidade foram sempre muito maus. Não se criou a mínima atmosfera para desfrutar convenientemente desta obra magnífica de Wagner. As interpretações de Terfel e Pieczonka pareceram ter sido muito boas, pelo menos cenicamente foram-no, mas nada mais posso dizer.


É uma experiência a não repetir e deixo o aviso. Ao contrário das transmissões do MetLive na Gulbenkian aqui, nos cinemas das Amoreiras, tudo é mau, nomeadamente a qualidade da imagem e, sobretudo, do som. Por isto, também o preço (12 €) é excessivo!

Mais vale ver em casa na televisão...



Der Fliegende Holländer - Royal Opera House, February 2014 - Live Stream in cinema

I watch the live broadcast of the opera Der Fliegende Holländer by R Wagner, from the Royal Opera House, London at Cinema Amoreiras, Lisbon.

Tim Albert staging places the action in the last century, in an undefined location. The atmosphere is always dark and hostile throughout the performance. The women work in sewing machines in a textile factory. The Dutchman’s ship only appears as a shadow but a thumbnail is placed on stage by Senta early on and will always be present. I admit, that live it may be an interesting staging.

The conductor was Andris Nelsons and soloists were Bryn Terfel as Dutchman, Adrianne Pieczonka as Senta, Michael König as Erik, Peter Rose as Daland, Ed Lyon as Steuermann and Catherine Wyn-Rogers as Mary.

In this blog there are several detailed texts on this Wagner’s opera. That is not the case here because it was an experience to forget !!

The room of the Amoreiras cinema has no conditions for this type of broadcast. The sound was a disaster! Earlier barely audible, after one of the few spectators has complained, it improved slightly, but the volume and the quality have always been very bad. It was never created a minimal atmosphere to conveniently enjoy this magnificent work of Wagner.

The performances of Terfel and Pieczonka seemed to have been very good, at least scenically they were, but nothing more I can say.

It is an experience not to repeat and I leave here the warning. Unlike MetLive broadcasts in Gulbenkian foundation, in Cinema Amoreiras, everything is bad, namely the quality of the image and especially the sound. Therefore, also the price (12 €) is excessive!


It is better to watch at home on television ...

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

CORTINAS LÍRICAS INOVA EM ESTREIA COM LA CLEMENZA DI TITO NO THEATRO SÃO PEDRO. Crítica de Ali Hassan Ayache no blog de Ópera e Ballet


O mais dinâmico e inovador Teatro de São Paulo, assim se define o Theatro São Pedro. Com um orçamento magrinho sua direção consegue fazer pequenos milagres em um temporada repleta de boas surpresas. A última novidade foi a séria Cortinas Líricas, que apresenta "trechos de grandes óperas, interpretadas por solistas e orquestra sem a participação de coros ou qualquer tipo de movimentação cênica". A definição foi alterada, ao invés do chato senta e levanta dos solistas existe sim uma movimentação cênica, dirigidos por Malú Rangel os solistas se movimentam e expressam sentimentos dos personagens.

O título escolhido para a estreia foi La Clemeza di Tito, composta por Mozart em seu último ano de vida simultaneamente com a ópera A Flauta Mágica e o Réquiem, período pra lá de conturbado na vida do compositor com dívidas e credores batendo na porta e a saúde frágil. Encomendada para a coroação do rei Leopoldo II é um dos últimos resquícios da opera seria. Suas árias ainda expressam um único sentimento do personagem e sua música oscila entre a grande inspiração e a monotonia.

A Orquestra do Theatro São Pedro regida por Marcelo de Jesus conseguiu sonoridade em volume ideal para a sala e andamentos compatíveis com com as árias. O mezzo soprano Andreia Souza cantou Vitellia, sua voz esbanjou potência e volume em um agradável timbre. Pecou em distorcer e forçar os agudos que saem gritados diversas vezes.

Bruno de Sá se intitula sopranista, o papel de Sesto é reservado a um contralto ou mezzo soprano e mais recentemente a um contratenor. Não importa a nomenclatura, o que posso afirmar é que o rapaz canta com técnica elevada em um timbre que consegue coloridos especiais. Sua atuação vocal peca no exagero dos floreios e das coloraturas, quer cantar para arrancar aplausos e mostrar virtuose excessiva. Corre riscos e comete falhas tornando o personagem exagerado vocalmente. Só faltou torcida uniformizada para aplaudi-lo.

Camila Titinger mostra evolução a cada apresentação, aluna da Acadêmia de Ópera do Theatro São Pedro, a jovem e bela moça interpretou Servilia e fez bonito. Voz de soprano lírico com agudos sedutores e consistência em toda a extensão. Gilberto Chaves não se entendeu com o personagem Tito Vespasiano, sua voz esteve em um timbre que não lhe pertence, forçou na cor buscando um timbre escuro e não conseguiu com o material que possuí.

O ano está só começando e o Theatro São Pedro está a pleno vapor, além da temporada de óperas, concertos e a Série Grandes Vozes teremos mais dois títulos da série Cortinas Líricas: a rara Gillaume Tell de Rossini e a exuberante Os Contos de Hoffmann de Offenbach. Cantores brasileiros, alunos da academia e a orquestra em atividade são sinais que todos estão ganhando experiência. Infelizmente na Praça Ramos a legião estrangeira tomou conta e nossos cantores são marginalizados. Ainda bem que temos o Theatro São Pedro. 


Ali Hassan Ayache

sábado, 21 de fevereiro de 2015

TANNHÄUSER, Wiener Staatsoper, Novembro de 2014 / November 2014

(review in English below)

Tannhäuser de R Wagner, esteve em cena na Ópera de Viena, na versão de Dresden (sem corpo de baile / bacanal no 1º acto).

A encenação de Claus Guth é marcante. A acção é trazida para os finais do século XIX, em Viena, período freudiano por excelência, em que as doenças psiquiátricas são alvo de grande interesse. E é esta a abordagem central de toda a encenação.
No primeiro acto, há uma cortina igual à do teatro da ópera de Viena (mais uma vez, a ópera dentro da ópera, Guth também não o evita) e enquanto o verdadeiro Tannhäuser canta na parte da frente do palco, um duplo está na parte de trás, interagindo com a Venus. Toda a viagem ao Venusberg é imaginação de Tannhäuser.
O Halle do 2º acto é um dos salões da Ópera de Viena, onde ocorre o concurso poético sobre a essência do amor. O conflito entre o amor carnal e o espitirual leva Tannhäuser à loucura.
No 3º acto aparece numa cama, internado num asilo psiquiátrico, onde é cuidado por Elisabeth. A viagem a Roma para expiar os pecados foi também imaginária e os peregrinos, que se autoflagelavam, são doentes no asilo. Elisabeth mata-se tomando uma dose excessiva dos comprimidos de Tannhäuser.
Claus Guth é fantástico a encenar Wagner e esta é mais uma obra reveladora do seu talento.



A Orquestra da Ópera de Viena foi dirigida pelo maestro Peter Schneider que impôs um tempo lento no início, mas depois foi excelente. 




O Coro da Ópera de Viena foi superlativo, tanto quando esteve em cena como quando cantou fora do palco.


O tenor americano Robert Dean Smith esteve aquém do desejável na interpretação do Tannhäuser. A voz foi frequentemente abafada pela orquestra sempre que tocava mais forte e revelou manifesta dificuldade no registo agudo, ao longo de toda a récita. A perda de qualidade vocal foi em crescendo e, frequentemente, cantou desafinado. Só no último acto melhorou um pouco. Foi pena, num espectáculo desta qualidade, destoou de todos os outros cantores.


Iréne Theorin, soprano sueca, cantou a Venus com segurança e correcção. Nesta encenação a personagem é muito estática e nada sensual nem carnal.


A Elisabeth da soprano finlandesa Camilla Nylund foi óptima. A cantora foi muito expressiva em toda a sua actuação vocal e cénica e a voz foi sempre bem projectada, redonda e afinada. Curiosamente, o timbre faz lembrar a sua conterrânea Karita Mattila.


O melhor cantor da noite foi, de longe, o barítono alemão Christian Gerhaher. Fez um Wolfram de ir às lágrimas, com uma voz maravilhosa em expressão e intensidade dramática, insuperável. Usa a meia voz na perfeição e, cantando baixo, deve ouvir-se no local mais longínquo do teatro. Contudo, quando necessário, a potencia é extraordinária. Foi uma daquelas interpretações a que se assiste uma ou duas vezes numa temporada. Absolutamente fabuloso!



Os baixos também foram excelentes. O sul coreano Kwangchul Youn foi um Hermann irrepreensível e o romeno Sorin Coliban um Biterolf sensacional!



O Walter de Norbert Ernst, o Heinrich de James Kryshak e o Reinmar de Dan Paul Dumitrescu cumpriram bem, mas os seus papéis são pequenos.








Um Tannäuser inesquecível na Ópera de Viena!

*****


Tannhäuser, Wiener Staatsoper, November 2014

Tannhäuser by R. Wagner, was on stage at the Vienna State Opera (the Dresden version - no ballet / bacchanal in the 1st act).

Claus Guth's staging is striking. The action is brought to the end of the nineteenth century in Vienna, Freud's times in which psychiatric disorders are the subject of considerable interest. And this is the central approach to the whole production.
In the first act, there is a curtain identical to that of the Vienna Opera House (again, opera within the opera, Guth also uses this common approach) and Tannhäuser sings on the front part of the stage, while on the back there is his double, interacting with Venus. The entire trip to the Venusberg is Tannhäuser’s imagination.
The 2nd act Halle is one of the halls of the Vienna State Opera, where the poetic contest on the essence of love occurs. The conflict between carnal and spiritual love leads Tannhäuser to madness.
In 3rd act Tannhäuser is lying on a bed in a mental asylum, where he is cared for by Elisabeth. The trip to Rome to be forgiven for the sins was also imaginary and the returning pilgrims are mental patients in the asylum. Elisabeth kills herself by taking an overdose of Tannhäuser’s tablets.
Claus Guth is fantastic staging Wagner, and this is one more revealing work of his talent.

Vienna State Opera Orchestra was conducted by Maestro Peter Schneider who imposed a slow tempo at first, but then was excellent. The Choir of the Vienna State Opera was superlative, both on and off offstage.

American tenor Robert Dean Smith was not imposing in the interpretation of Tannhäuser. His voice was often drowned out by the orchestra and he showed difficulties in the high register throughout the performance. Frequently he sang out of tune. Only in the last act he recovered. It was a pity. In a performance of this quality, he was inferior to all other singers.

Iréne Theorin, Swedish soprano, sang Venus safely and correctly. In this scenario the character is very static and without any sexual attraction.

Finnish soprano Camilla Nylund was an excellent Elisabeth. The singer was very expressive, both in the vocal and scenic components. Her voice was always well heard, smooth and tuned. Interestingly, the timbre is reminiscent of her compatriot Karita Mattila.

The best singer of the night was, by far, the German baritone Christian Gerhaher. His Wolfram was astonishing, with a wonderful voice and dramatic expression, and unsurpassed intensity. He used the mezza voce perfectly, and though singing quiet, he should be heard in the farthest spot of the theater. However, when necessary, the vocal power was extraordinary. It was one of those performances that you watch once or twice in a season. Absolutely fabulous!

The basses were also excellent. South Korean Kwangchul Youn was a blameless Hermann, and Romanian Sorin Coliban a sensational Biterolf!

Norbert Ernst’s Walter, James Kryshak’s Heinrich, and Dan Paul Dumitrescu’s Reinmar were also very well, but their roles are small.

An unforgettable Tannäuser in Vienna!


*****

domingo, 15 de fevereiro de 2015

IOLANTA de P. I. Tchaikovsky e O CASTELO DO BARBA AZUL de B. Bartók


Assiste-se actualmente à estreia (!) da última ópera de Tchaikovsky no Metropolitan Opera de Nova Iorque. Trata-se da ópera Iolanta, op. 69, que foi composta e estreada em São Petersburgo em 1892 no Teatro Mariinsky. O libreto é do irmão mais novo do compositor — Modest Tchaikovsky — e baseia-se na peça dinamarquesa Kong Rénes Datter (A Filha do Rei René) de Henrik Hertz.


A ópera desenrola-se em 4 cenas de um único acto e trata de uma princesa que nasceu cega e que se vê privada não só desse sentido, mas de todo o conhecimento do que é a visão, uma vez que o seu pai deliberadamente lho esconde. Iolanta desconhece o que é ver, o que é a luz, as cores, ou tudo o que a visão pode representar. Para ela, os olhos servem para chorar e isso dá-lhe alívio às suas amarguras. Poderão ler uma sinopse aqui.

Trata-se de uma ópera sobre a descoberta dos sentidos e sobre o poder do amor de transformar e curar. E a música de Tchaikovsky é esplendorosa!


O elenco escolhido foi de altíssimo nível. Para começar, a orquestra foi dirigida pelo grande maestro russo Valéry Gergiev, um especialista neste reportório e que, em 2009, já tinha dirigido muitos destes cantores no Teatro Mariinsky nesta mesma ópera e com a mesma encenação. A orquestra esteve fabulosa, a explorar todas as sonoridades tchaikovskianas.


A estrela maior era, naturalmente, a soprano russa Ana Netrebko. Iolanta é uma personagem ambivalentemente frágil. Se, por um lado, é cega e dependente de terceiros, vivendo ignorantemente com isso e maravilhada pelo mundo das pessoas e da simplicidade das coisas (a ajuda que os outros lhe dão, o som de um riacho, etc.), por outro tem um forte desejo de superação, de procura e de justiça. Netrebko esteve, como habitualmente, a um nível estrelar, com uma voz límpida, cheia, plena de vida. E cenicamente representou ao mais alto nível a fragilidade de alguém que se vê privado de um dos órgãos dos sentidos que mais liberdade nos dá. Esteve magnífica no arioso Atchevo eta prezhde ne znala (Porque não soube disto antes?), bem como no dueto com Vaudémont Tvajo malchan’je nepan atna (Não compreendo o teu silêncio) onde revelou uma excelente ligação a Beczala. Está nas suas sete quintas neste reportório russo e o prazer que tem a cantá-lo é evidente.


Vaudémont foi o tenor polaco Piotr Beczala. A personagem representa um homem que se apaixona à primeira vista pela frágil Iolanta e que, nesse instante, percebe que dará a sua vida por ela, aceitando-a tal como é. Beczala é um dos melhores tenores da actualidade (senão mesmo o melhor!) e demonstrou-o uma vez mais. A sua interpretação foi de grande nível.



Aleksei Markov foi o Duque Robert. É uma personagem que estava prometida em casamento a Iolanta, mas que, não por conhecer o seu estado, está apaixonado por outra nobre e que, por isso, pretende romper o contrato. Markov apresentou-se a um nível elevadíssimo, apresentando uma voz de barítono cheia, com uma capacidade de projecção digna de nota e enorme expressividade. A sua ária Kto mozhet sravnit’sja s Matil’doj moej (Quem se pode comparar à minha Matilda?) foi fantástica.

O baixo ucraniano Ilya Bannik foi o Rei René. Tem um grave profundo, uma excelente projecção e expressividade vocal e cénica, transmitindo com intensidade as angústias e dúvidas da personagem. O barítono Elchin Azizov do Azerbaijão foi o médico mouro Ibn-Hakia. Exibiu-se em bom nível, embora não me tenha encantado. As restantes personagens foram interpretadas por um elenco equilibrado e sem falhas.


Deixei a encenação propositadamente para o final. A produção de Mariusz Trelinski é a que este já apresentara no Mariinsky. É interessante a forma como usa elementos de vídeo que se projectam em torno de uma caixa – pequeno ponto central da acção e do palco, envolto por um estranho mundo sombrio – que funciona como o quarto de Iolanta e que, com movimentos circulares, permite descobrir outras partes do palco de modo a representar as restantes cenas desta ópera de acto único. Acho que é uma encenação eficaz e que tem como elemento mais arrepiante a escuridão com que inunda a sala quando Vaudémont faz Iolanta descobrir que é cega. Não gostei apenas do facto de, na primeira cena, as cuidadoras de Iolanta adoptarem uma postura trocista. Mas, encenação por encenação, gostei mais daquela a que assisti no Teatro Real com Peter Sellars: mais simples, mais introspectiva, a trazer-nos a luz de outra forma.


Mariusz Trelinski foi quem sugeriu a Peter Gelb a realização de uma jornada dupla, juntando a Iolanta a ópera em um acto O Castelo do Barba Azul do húngaro Béla Bartók. A razão é a forma como se tocam de alguma forma, não apenas por serem ambas histórias do imaginário fantástico. Judith está cega pelo amor que nutre por Barba Azul e obstinadamente procura que Barba Azul lhe revele os seus segredos e o seu verdadeiro eu, sabendo dos rumores que correm de que todas as suas anteriores esposas haviam sido mortas. Fá-lo, de alguma forma, de um modo masoquista, explorando e confrontando Barba Azul com as suas fragilidades de homem fúnebre, reservado e atormentado pelo passado. Mas Barba Azul, tal como René, esconde a Judith a verdade da situação em que vive e que a espera. Este é o paralelo. Mas a ópera de Bartók é um imenso drama psicológico ao nível dos melhores e mais elaborados thrillers. Poderão ler uma sinopse aqui.


O libreto baseia-se na peça La Barbe bleue de Charles Perrault e foi escrito entre 1908-10 pela mão de Béla Balázs que o dedicou em conjunto aos seus amigos Bartók e Kodály. Foi a Béla Bartók quem coube, para apresentação num concurso em 1911, escrever a música. Assim, nasceu esta ópera interessantíssima pela enorme densidade psicológica e dramática que encerra, acompanhada por uma música inspiradíssima e moderna.

A encenação é fabulosa e penso que se poderá considerar um exemplo do que é a utilização das novas tecnologias na ópera actual. Começa com o prólogo em que Bardo convoca a audiência a observar a cena que se vai desenrolar e nos questiona se fazemos parte ou não do que vamos ver. Fá-lo com vídeo em que se vêm imensos troncos de árvores numa floresta sombria e escura acompanhados pelo som horripilante do ranger dos troncos. Entretanto Bardo fala-nos com voz pesada através do sistema de amplificação do teatro. Está criado o cenário tenso e escuro que nos transporta para o sombrio castelo de Barba Azul e as suas 7 misteriosas portas. Surge Judith de vestido verde com Barba Azul de fraque. Chega num carro onde é entregue ao esposo no meio da floresta. Entram numa espécie de garagem e, rapidamente, se desenrola a acção.



As duas personagens entram depois num elevador panorâmico em que, de lado, surge uma projecção de vídeo de um corredor com várias portas. Depois é o desfilar de cenários: a câmara de tortura com a parede manchada de sangue, uma banheira onde Judith surge despida e descobre as jóias manchadas de sangue, etc.  




Tudo isto até à cena final em que há um corpo semienterrado que é o de Judith. Judith está horripilada com a sua própria imagem morta. As outras mulheres de Barba Azul dançam ao fundo e Judith antevê o seu fim. Barba Azul canta as virtudes das suas três mulheres (o amanhecer, o fulgor do sol do meio-dia, o entardecer, e a Judith o esplendor da luz da lua da meia-noite). Judith torna-se mais uma das mulheres eternas de Barba Azul. Fecha-se a sétima porta e cai o pano. Resultou tudo muito bem, num estilo muito cinematográfico e que nos conseguiu transmitir toda a tensão desta peça de uma forma que nos colou à cadeira e ao ecrã.


Para tal sensação não foi de menor relevo a interpretação excepcional de Valéry Gergiev aos comandos da competentíssima orquestra da Metropolitan Opera. Há uma mudança de paradigma musical clara entre a delicadeza exuberante de Tchaikovsky e a dureza da música escura da primeira metade do século XX de Bartók.


Além de Gergiev, a dupla de cantores esteve em destaque. A soprano alemã Nadja Michael (muito conhecida pelo seu papel de Salomé) foi uma Judith perfeita: voz completa, potente, expressiva e sofrida aliada a uma intensidade dramática e postura que conseguiu tornar a sua personagem muito credível. Aumentou a intensidade dramática ao longo de uma hora de uma forma angustiante à medida que percebia que o seu fim estava próximo, expondo a fragilidade dúbia da personagem. Formidável!


Também o baixo russo Mikhail Petrenko foi um Barba Azul  de excelência: voz escura e poderosa aliada a uma postura cénica contida, negra e misteriosa, condimentando bem a personagem.



Foi um Castelo do Barba Azul absolutamente genial e a que tiro o chapéu a Mariusz Trelinski e a Nadja Michael!