terça-feira, 30 de julho de 2013

DER FLIEGENDE HOLLÄNDER, Teatro Schiller, Berlim, Abril de 2013 /Berlin, April 2013

(review in english below)

Der Fliegender Holländer é uma ópera de R. Wagner que já tive o privilégio de ver diversas produções.

O Teatro Schiller estará bem próximo do conceito de Wagner. A orquestra está num fosso muito fundo e não é visível de grande parte dos lugares.


 A cortina abre numa vasta biblioteca com um enorme quadro representando o mar que ocupa quase todo o fundo do palco. Há de lado um conjunto de sofás e no outro uma mesa comprida. Uma menina, vestida de branco, lê num grande livro a história do holandês e adormece no sofá.
A tela do quadro sobe e a acção passa-se por trás, extravasando para a sala. Chega o primeiro navio. Daland e os seus homens que invadem a biblioteca. Quando adormecem, espalhados pela sala, pelo cais e pelo navio, surge o imponente e assustador navio fantasma. O impacto visual é magnífico!


 A criança acorda e esconde-se debaixo da mesa. Daland, em troca da filha Senta (é a criança de branco) recebe do holandês um enorme baú cheio de ouro e pedras preciosas.
Ao longo da ópera há uma mistura entre o sonho de Senta, baseado no livro, e a realidade, com partes da acção passada na biblioteca e outras, em simultâneo, na zona posterior do palco, sempre que a tela do quadro se eleva.
A abordagem cénica é original, fantástica, muito eficaz e de belíssimo efeito. Há opções discutíveis, nomeadamente a festa final de casamento de Senta com o holandês em que todos se embriagam e que termina com o suicídio de Senta que corta o pescoço com uma taça de champanhe que parte previamente. Mas, no cômputo final, foi uma das melhores encenações que vi desta ópera.

O maestro Daniel Harding foi responsável por uma boa direcção da orquestra que, contudo, no início, teve algumas notas falhadas nos metais. O Coro esteve soberbo.

O barítono Michael Volle destacou-se dos outros solistas pela sua excepcional interpretação, cénica e vocal, do holandês. Tem uma voz ideal para o papel e foi imponente sempre que esteve em palco.


 A Mary de Simone Schröder foi também uma cantora de grande categoria. Voz penetrante, afinada, grave e sempre bem colocada sobre a orquestra.

Os restantes solistas estiveram bem mas não impressionaram:
 Daland foi interpretado pelo barítono Tobias Schabel. É um cantor com boa figura mas não teve uma presença marcante. A voz tem um timbre agradável. Por vezes, deixou-se afogar quando a orquestra soou mais forte.


 O soprano Emma Vetter interpretou a Senta. Foi sempre bem audível mas no registo mais agudo perdia qualidade e tornava-se um pouco agreste.


 Erik, interpretado pelo tenor Stephan Rügamer, foi outro cantor que, tendo cumprido, não realçou qualquer aspecto relevante.


 Mas foi um espectáculo de grande qualidade, com uma encenação deslumbrante.






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DER FLIEGENDE HOLLÄNDER, Schiller Theater, Berlin, April 2013

Der Fliegender Holländer is na opera by R. Wagner that I had the privilege to see several different productions.

The Schiller Theater will be very close to the concept of Wagner. The orchestra pit is very deep and is not visible to most of the seats.

The curtain opens up in a vast library with a large painting representing the sea which occupies nearly the entire back of the stage. At one side of the stage there are couches and at the other a long table. A girl, dressed in white, reads a big book about the story of the Dutchman and falls asleep on the couch.
The painting goes up and the action moves up behind the frame, invading the room.
The first ship arrives. Daland and his men invade the library. When they fall asleep, around the room, the pier and the ship, arrives the imposing and scary ship of the Dutchman. The visual impact is magnificent!
The child wakes up and hides under the table. Daland, in exchange for his daughter Senta (she is the child is white) receives from the Dutchman a huge amount full of gold and other values.
Throughout the opera there is a mixture between the dream of Senta, based on the book, and the reality, with parts of the action in the library and others, simultaneously, at the back of the stage, whenever the screen frame rises.
The staging approach is unique, fantastic, very effective and of beautiful effect. There are debatable topics, particularly the marriage party of Senta to the Dutchman where everybody gets drunk and finishing with the suicide of Senta cutting her neck with a glass of champagne. But, all together, it was one of the best productions of this opera I've seen.

Conductor Daniel Harding directed the orchestra with high quality. However, at start, a few notes had failed in metals. The choir was superb.

Baritone Michael Volle outranked the other soloists for his exceptional interpretation, artistic and vocal, of the Dutchman. He has an ideal voice for the role and was impressive whenever he was on stage.

Simone Schröder’s Mary was also a top singer. She has a penetrating voice, tuned, with a great low register, and always well heard over the orchestra.

The other soloists were ok but not impressive:

Daland was interpreted by baritone Tobias Schabel. He is a singer with a good figure but he did not have a strong stage presence. The voice has a pleasant timbre but sometimes was not heard when the orchestra sounded lauder.

Soprano Emma Vetter was the Senta. She was always very audible but in the top register she lost quality and became a bit harsh.

Erik, by tenor Stephan Rügamer, was another singer who has just singed well, without any excitement.

But it was a performance of great quality, with a stunning production.


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quarta-feira, 24 de julho de 2013

A VALQUÍRIA /Die Walküre, Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Julho 2013

Luis Fernando Neumann, de Niteroi, teve a gentileza de nos enviar há poucos dias uma apreciação da Valquíria do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Muito obrigado pelo texto que, agora, fica acessível a todos os leitores deste espaço. Aqui o publicamos na íntegra:


 Todas imagens obtidas na página do facebook do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Estive na Valquíria do Theatro Municipal do Rio de Janeiro no último 17 de julho. Casa cheia mas não lotada em contradição com a faixa “lotação esgotada” pregada no cartaz à frente do Municipal... Ao que parece, os cambistas também gostam de ópera!
Essa foi minha segunda Valquíria, mesma montagem mas músicos e orquestra diferentes da primeira, A Valquíria do Municipal de São Paulo, dois anos atrás.
As impressões de agora, são mais críticas e menos moldadas pela emoção do primeiro Wagner ao vivo.
De antemão, posso dizer que gosto dessa proposta desse “Anel Brasileiro” entretanto parece faltar um fio condutor que realmente una Valquíria e Crepúsculo dos Deuses. A conferir no próximo Ouro do Reno.

Assisti essa etapa do Anel no anel superior do Municipal com visão simultânea do palco e do fosso da orquestra. Entendi a razão de Wagner “esconder” a orquestra em Bayreuth. As luzes que iluminam os estandes das partituras dos músicos são como cantos de sereia e atraem o olhar e competem com o palco. Ponto ruim. Existe, claro, outro lado. É sempre gratificante acompanhar determinada passagem orquestral olhando para a orquestra, ver que o tema está nos cellos e contrabaixos...

A abertura da peça continua impactante. As oscilações dos cellos e baixos são acompanhadas por chamas oscilantes daqueles que caçam Siegmund.
Siegmund entra com a cara pintada como um palhaço de circo, uma sugestão,  demasiadamente direta talvez, dele ser um joguete dos deuses. Com a evolução do ato e o crescimento do seu personagem, a maquiagem é removida aos poucos. Entretanto, tal recurso cênico contaminou o cantante. Em momento algum, por expressão facial e/ou gestual corporal, Zvetan Michailov transformou-se no herói. Permaneceu um palhaço ou ainda um caixeiro viajante (roupa e barriguinha...) que bateu na casa errada nesse ato, foi escorraçado e quase mija nas calças no segundo ato. Um contraste imenso com a imensa presença cênica de Sávio Sperandio que vocal, gestual e facialmente foi um esplêndido Hunding. Eiko Senda proporcionou uma muito satisfatória Sieglinde. O gestual e voz transmitiram perfeitamente as oscilações de humor da personagem.

O primeiro ato é o menos brasileiro desse “Anel Brasileiro”. Digo isso por ignorância, desconhecimento de algum elemento cultural brasileiro que se compare com a simbologia nórdica que está no palco. No centro do palco está Yggdrasil (quase YggBrasil...) a árvore (ou o freixo ou ainda o teixo) do mundo. Aqui, parece ter havido uma correção em relação à encenação do Municipal de São Paulo, onde a ação do primeiro ato se passava em frente às raízes de Yggdrasil. Suas raízes (o reino dos Nibelungos) e topo (Asgard e/ou Valhall, reino dos deuses) não pouco visíveis, uma mera sugestão. Vê-se apenas o centro da árvore (Midgard, lugar dos homens, nosso lugar). Em algum lugar desse tronco central, está cravada uma espada, infelizmente pouco visível mesmo quando o drama exige que a espada passe a ser o ponto focal da ação. À esquerda, o elemento brasileiro, uma mesa com tampo de vidro, como a que tenho em minha casa...

Na imagem, Sávio Sperandio e Zvetan Michailov.


Na imagem, Eiko Senda e Zvetan Michailov.
 
 O segundo ato sim, é inspiradoramente brasileiro. Uma sala de ex-votos onde são depositados os pagamentos das promessas feitas a Nossa Senhora, ao menino Jesus ou a algum santo. Retratos, braço, pernas e rosto de plásticos espalhados. Começa com Wotan e 8 das suas filhas unidas por laços de fita. Entretanto, ao invés de enrolar as fitas no mastro (ou em Wotan) são as Valquírias que se enrolam nas fitas, em um agradável e muito funcional alegoria do comando que Wotan tem sobre suas filhas menos Brünnhilde, o que pode ser signo da sua relativa independência. Wotan aqui está caracterizado como o próprio Wagner, uma homenagem ou cópia do Wotan de Chéreau. Lício Bruno caracterizou muito bem Wotan. Aliás, é chover no molhado elogiar a presença cênica de Lício Bruno. Os dois momentos centrais da Tetralogia foram bem resolvidos. Quando Denise de Freitas entrou como Fricka, eu pensei: Lá vem Dona Hermínia (e isso é outra história, talvez o Anel de Niterói...). Ela entra armada para brigar e dobrar Wotan. O faz com galhardia. Wotan é desmascarado. Segue o seu grande monólogo e, para mim, razão que levou cenicamente à sala dos ex-votos.

Na imagem Eliane Coelho e Licio Bruno

 No seu lamento a Brünnhilde (Eliane Coelho), Wotan conta como tentou moldar seu herói e representação cênica deixa bem claro como falhou. Ele pega pernas e braços e uma cabeça pendurados e os coloca no chão. São disformes. O deus não tem o poder, e não pode moldar um herói que não fique contaminado pelo deus. Surge outro elemento cênico que pode ter sido inspirado pelo Anel de Chéreau. Lá a mortalha que envolve Siegmund, aqui um véu branco que passa de Sieglinde para Brünnhilde. O véu envolve (cega? protege?) Sieglinde no seu desesperado lamento antes da morte de Siegmund. O ato termina dramaticamente bem. Hunding morre enforcado pelo laço de Wotan, ou outro que foi enredado pelos planos dentro de planos do deus. O Geh’ hin, knecht – vai escravo funcionou muito bem.

O terceiro ato começa como uma cavalgada, uma folia de reis, ecos do nosso passado ibérico, mouros e cristãos. A mais brasileira da cavalgada das valquírias. Belas valquírias, belas vozes, talvez faltasse um pouco de força para a orquestra, metais principalmente. As valquírias sobraram. Verushka Mainhard, Daniela Carvalho, Magda Belotti, Carolina Faria, Maira Lautert, Flávia Fernandes, Marina Considera e Daniela Mesquita, belas vozes, bela presença de palco, bela presença feminina. Eu esperava mais do Leb wohl du kühnes herrliches Kind. A orquestra abafou Licio Bruno que já mostrava cansaço. E, certamente, excesso de expectativa, culpa das facilidades atuais de you tube (George London) e/ou DVD, Donald McIntyre... Entretanto, no anúncio do herói mais livre que o deus, o papel se inverteu. Licio Bruno soberbo na passagem e falta de pegada heroica da orquestra no tema de Siegfried.
Quanto à orquestra do municipal, conduzida por Luiz Fernando Malheiros foi bem. Eu não tenho ouvido e tampouco experiência para julgar criteriosamente mas até o final do segundo ato, eu julgava ter ouvido uma ou outra escorregada da orquestra. No intervalo, uma senhora ao meu lado que, de tempos em tempos, regia a orquestra em algumas passagens, falou-me, desalentada, dos metais: “falta ensaio, falta ensaio... Ah esses metais, desafinaram”. De minha parte, sem ter como criticar de ouvido, critico de sentimento. Faltou pegada heroica em alguns momentos.
Todas as vozes femininas surraram as vozes masculinas, impiedosamente. Suas vozes encheram o Municipal, não foram abafadas pela orquestra e transmitiram corretamente as indicações mentais dos personagens.

Das vozes masculinas, salvou-se Sávio Sperandio, soberbo como Hunding. Impostação, volume e adequação ao momento que o papel exigia. Corretíssimo.
Lício Bruno, mesmo baixinho para Wotan (com o perdão da linha do politicamente correto) compensou cenicamente a inadequação da sua voz (volume, timbre) para o papel de Wotan.
Já o tenor... Ah, o tenor Zvetan Michailov . Foi um pecado terem escalado um tenor ligeiro (minha descrição) para um papel que exige um heldentenor. Não posso falar de desafinação dele. Não tenho ouvido ou formação para tanto. Todavia, repito o que disse acima. Em momento algum se viu em cena um heroi. Viu-se um Verkäufertenor, um tenor caixeiro viajante. Faltou postura tanto facial como corporal para nos momentos onde Siegfried mostra-se o herói que fora e ainda poderia ser.

Tudo somado, continuo maravilhado com Wagner e com esse Anel Brasileiro.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

SIMON BOCCANEGRA, Wiener Staatsoper, Fevereiro de 2013 / February 2013

(review in english below)

Simon Boccanegra, ópera de G. Verdi com libretto de Francesco Maria Piave e Arrigo Boito, foi já anteriormente comentada neste blogue, por exemplo aquí, aquíaquí, aquí e aquí. Confesso que está longe de ser uma das que mais gosto.

Em Viena a encenação de Peter Stein foi muito sóbrea, com o palco quase sempre vazio, frequentemente desinteressante, mas procurou situar-se na época. O guarda-roupa foi a condizer.


 O maestro italiano Evelino Pidó dirigiu sem impressionar a Orquestra e o Coro da Ópera Estatal de Viena.


 Não havendo nada que ver, toda a atenção centrou-se nos cantores.


 Placido Domingo foi o melhor da noite. Interpretou o Simão Boccanegra, papel de barítono (aqui com laivos de tenor), com uma classe que só ele e poucos mais conseguem alcançar. Apesar da idade, a voz mantém uma qualidade de excepção, tanto na beleza tímbrica como na forma como é projectada. Domingo imprime um sentimento assaz invulgar à interpretação e é muito convincente no papel. É mais um actor que canta e, sobretudo, que cativa em cada intervenção. 




 A Amelia do soprano letónio Maija Kovalevska foi outra das grandes intérpretes da noite. É uma cantora com uma voz de invulgar beleza, redonda, sempre sobre a orquestra e com agudos brilhantes. É dotada de uma excelente figura que torna muito credível a sua acção cénica.


 O baixo italiano Michele Pertusi foi um Fiesco à altura dos restantes solistas, com boa presença em palco e uma interpretação vocal muito interessante, embora o registo mais grave não tenha a mesma qualidade do médio.


 O Gabriele Adorno do tenor italiano Roberto De Biasio foi bem interpretado e o cantor tem agudos aparentemente fáceis e bem audíveis. Contudo, faz-se aos aplausos quando termina as suas intervenções mais significativas, o que detesto e, felizmente, é cada vez menos frequente nos dias que correm.


 Também merecem referência Marco Carito e Dan Paul Dumitrescu que tiveram interpretações dignas como Paolo e Pietro respectivamente.

Mas a noite foi de Placido Domingo que no final, por mais de 15 minutos, foi chamado inúmeras vezes ao palco e inundado com flores, num reconhecimento muito merecido pelo público de Viena.







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SIMON BOCCANGRA, Wiener Staatsoper, February 2013

Simon Boccanegra, opera G. Verdi with libretto by Francesco Maria Piave and Arrigo Boito, was previously commented in this blog, for example here, herehere, here and here. I confess that it is far from being one of my favorites.

In Vienna, the staging of Peter Stein was very sober, with the stage almost always empty, often uninteresting.

Italian maestro Evelino Pidó directed fairly the Orchestra and the Chorus of the Vienna State Opera.

As there was almost nothing to see, all the attention was focused on the singers.

Placido Domingo was the best of the night. He interpreted Simon Boccanegra, a baritone role (here with a tenor flavour), with a class that only he and a few more reach. Despite his age, the vocal quality remains exceptional, both in the beauty of timbre as the way it is delivered. Domingo prints a rather unusual feeling to his interpretation and he is very convincing in the role. He is an actor who sings and, especially, that is captivating in all interventions.

Latvian soprano Maija Kovalevska was Amelia, another of the great performers of the night. She is a singer with a round voice of unusual beauty, always heard above the orchestra. Her top notes are bright. She has an excellent figure that makes her scenic presence very credible.

Italian bass Michele Pertusi was a Fiesco with identical quality as the other soloists, with good stage presence and very interesting vocal interpretation, although the lower register was not as impressive as the medium.

Gabriele Adorno's Italian tenor Roberto De Biasio was well played and the singer has apparently easy and well audible top notes. However, he adopts a posture “appealing” to applause when he finishes singing his most significant parts, which I hate. This practice  is (fortunately) becoming less common these days.

Also worth mentioning are Marco Carito and Dan Paul Dumitrescu that had decent performances as Paolo and Pietro respectively.

But the night belonged to Placido Domingo that, in the end, for more than 15 minutes, was called to the stage numerous times and was flooded with flowers, a much deserved  acknowledgment by the public of Vienna.

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quinta-feira, 11 de julho de 2013

LUCREZIA BORGIA, Deutsche Oper, Berlim, Abril 2013

(review in english below)

Lucrezia Borgia, ópera de G. Donizetti, foi-nos oferecida pela Deutsche Oper em versão concerto. Juntaram quatro solistas excepcionais e, por isso, assistimos a um espectáculo inesquecível.

A Orquestra e o Coro da Deutsche Oper foram dirigidos pelo maestro Andriy Yurkevych.


A grande atracção do espectáculo foi Edita Gruberova que interpretou a Lucrezia Borgia. Só ela teria valido o espectáculo, mas houve muito mais. Gruberova mantém uma capacidade interpretativa, vocal e cénica, absolutamente invulgares. A cantora está a caminho dos 70 anos mas continua a ser uma das melhores intérpretes de belcanto da actualidade. Foi extraordinária e acho que ninguém conseguiria fazer melhor o papel. Os pianissimi são fabulosos, as notas mais agudas continuam estratosféricas, poderosas e perfeitamente afinadas. O público assim o reconheceu e, no final, foi chamada ao palco várias vezes, sempre sob uma intensidade de aplausos invulgar nos dias de hoje.
Edita Gruberova é um raro exemplo de longevidade canora na plenitude das suas qualidades, só igualada por Plácido Domingo nos dias que correm.


 Mas os restantes solistas foram também excelentes:

O tenor eslovaco Pavel Breslik foi um Gennaro irrepreensível e, pela primeira vez, fiquei totalmente convencido das suas capacidades vocais. É um papel que interpreta há vários anos mas fá-lo ao mais alto nível.


Verdadeiramente excepcional foi o baixo barítono italiano Alex Esposito como Don Alfonso. O cantor foi arrasador. Tem uma voz enorme, belíssima e sempre afinada. A figura é também óptima, o que deixa adivinhar uma interpretação cénica marcante. Uma total revelação para mim e um cantor que tentarei acompanhar.


Maffio Orsini foi interpretado, de forma superior, pelo mezzo eslovaco Jana Kurucová. Outra grande interpretação, a ajudar ao sucesso da récita.


Os papeis secundários estiveram a cargo de Andrew Williams, Seth Carico, Jörg Schörner, Simon Pauly, Álvaro Zambrano, Tobias Keher e Paul Kaufmann e, não destuaram.




Uma Lucrezia Borgia excepcional, que foi pena não ter sido em versão encenada.

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Lucrezia Borgia, Deutsche Oper, Berlin, April 2013

Lucrezia Borgia,opera by G. Donizetti was offered to us by the Deutsche Oper in concert version. It joined four exceptional soloists and therefore we witnessed an unforgettable concert.

The Orchestra and Chorus of the Deutsche Oper were directed by conductor Andriy Yurkevych.

The major attraction of the concert was Edita Gruberova who played Lucrezia Borgia. Only she would have justified the performance, but there was more. Gruberova maintains an absolutely unusual interpretive capacity, vocal and artistic. The singer is on the way to 70 years but she is still one of the best interpreters of belcanto of our times. She was extraordinary and I think nobody could do a better job. The pianissimi are fabulous, the high notes are still stratospheric, powerful and perfectly tuned. The public well recognized it and, in the end, she was called to the stage several times, always under an intensity of applause, unusual these days.
Edita Gruberova is a rare example of longevity in all of her qualities, matched only by Placido Domingo these days.

 But the remaining soloists were also excellent:

Tenor Pavel Breslik was a blameless Gennaro. For the first time I was totally convinced of his vocal abilities. It's a role he plays for several years but he does so at the highest level.

Truly exceptional was bass baritone Alex Esposito as Don Alfonso. The singer was astonishing. He has a huge voice, beautiful and always in tune. His figure is also excellent, which helps him in a striking artistic interpretation. A complete revelation to me and I will try to follow this singer.

Maffio Orsini was fantastically interpreted by mezzo Jana Kurucová. Another great interpretation to help the success of the concert.

The secondary roles were given to Andrew Williams, Seth Carico, Jörg Schörner, Simon Pauly, Álvaro Zambrano, Tobias Keher and Paul Kaufmann and all them were good.

An exceptional Lucrezia Borgia, which was a pity to be in concert version, not staged version.

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quinta-feira, 4 de julho de 2013

REQUIEM de Giuseppe Verdi — Teatro Real de Madrid, 01.07.2013


(Review in English below)


Giuseppe Verdi compôs em 1874 uma das mais espectaculares obras sacras. É daquelas que pela sua força terrena em busca do descanso eterno nos consegue transportar para o mundo do sublime. Professe-se ou não um credo, o facto é que este Requiem é um tremendo grito de procura, de exploração da fé e expiação do pecado. Exige, pois, para que se exiba em todo o seu esplendor, uma orquestra, coro e 4 solistas de muito elevado nível.


O Teatro Real de Madrid apresentou uma versão com um elenco muito interessante no programa Las noches del Real, pelo que a deslocação a Madrid estava envolta de enormes expectativas. Não saíram goradas.


A Orquestra do Teatro Real foi dirigida pela seu maestro titular Teodor Currentzis. Esteve em óptimo plano, com uma interpretação enérgica, com um tempo óptimo e muito expressiva. Foi muito bem dirigida pelo jovem e vibrante maestro grego, a quem se pode apontar apenas algum excesso de entusiasmo pessoal: chegou, por exemplo, a ouvir-se nitidamente um Cum Santics antes do tenor entrar no Lux aeterna. Mas isso não diminuiu a sua excelente interpretação.
Também o Coro Titular do Teatro Real e o Coro de la Comunidad de Madrid se exibiram num nível óptimo, do qual se destaca a secção dos baixos: perfeitos.

Os solistas acompanharam o nível óptimo da Orquestra e do Coro.


O soprano arménio Lianna Haroutounian era o elemento menos famoso do elenco. Mas e que voz! Tem um agudo vivo e expansivo, uma enorme potência vocal com uma voz projectada sempre por cima da orquestra e coro e muito melódica. Foi extremamente expressiva e viveu a experiência apaixonadamente. O seu Libera me foi perfeito e da sua actuação, a realçar algo negativo, ficam apenas dois ataques menos perfeitos a agudos, mas que passaram à margem. Excelente.


O meio-soprano lituânio Violeta Urmana dispensa apresentações. A sua voz é escura, cheia e bem projectada e é utilizada com uma excelente técnica e com a tranquilidade que a sua muita experiência permite. Esteve muito bem em toda a Sequentia, bem como no Agnus dei ou Lux aeterna.


O tenor espanhol Jorge de Léon foi uma confirmação. Apesar de não ter sido perfeito no Kyrie, a sua voz tem um timbre muito bonito, uma óptima projecção e uma potência mais do que assinalável. O seu Ingemisco foi a todos os títulos perfeito e só por ele já valia o bilhete.


O baixo italiano Ildebrando D’Arcangelo esteve ao nível óptimo que se esperava de um intérprete de nível mundial e com experiência na interpretação desta obra. A sua voz quente, com um fraseio melódico e com dicção perfeita é excelente para o papel. Destacou-se em todas as secções.


Assistiu-se, por isso, a um espectáculo a todos os títulos recomendável e memorável e que mereceu 5 entuasiásticas chamadas ao palco.



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(Review in English)

Giuseppe Verdi composed in 1874 one of the most spectacular sacred works. It is those who by their earthly force in search of eternal rest can carry us into the world of the sublime. Whether or not you profess a creed, the fact is that this Requiem is a tremendous God searching cry, exploration of faith and sin atonement. Therefore to show it in its entire splendor, a top-level orchestra, choir and soloists are needed.

The Teatro Real de Madrid presented a version with a very interesting cast in its Las noches del Real, so the trip to Madrid was wrapped in enormous expectations that have not been disappointed.

Teatro Real Orchestra chief conductor Teodor Currentzis directed the Requiem. The Orchestra was in excellent plan, with a robust interpretation, with a great tempo and very expressive. It was very well conducted by young and vibrant Greek conductor, who can point out just some over-enthusiastic staff: for example, to hear a clear Cum Santics before tenor entering in Lux aeterna. But that has not diminished his excellent interpretation.
Teatro Real Choir and Coro de la Comunidad de Madrid were at an optimal level, of which get out special mention the perfect bass section.

The soloists accompanied the optimal level of the Orchestra and Choir.

The Armenian soprano Lianna Haroutounian was the least famous member of the cast. But what a voice! She has an expansive and vivid sharp, huge vocal power with a voice always projected above the orchestra and choir and very melodic. She was extremely expressive and passionately lived the experience. Her Libera me was perfect and her performance, highlighting something negative, only have two less perfect attacks to high notes that passed on the sidelines. Excellent.

The Lithuanian mezzo-soprano Violeta Urmana needs no introduction. Her voice is dark, full and well designed and she used her great technique extensive experience to show us all her capacities. She was very well throughout Sequentia and the Agnus dei or Lux aeterna.

Spanish tenor Jorge de Leon was a confirmation. Despite not having been perfect in Kyrie, his voice has a very beautiful timbre, a great projection and a more than remarkable vocal power. His Ingemisco was perfect in all respects and by itself worth the ticket.

The Italian bass Ildebrando D'Arcangelo was at optimal level as expected of a world-class performer, with experience in the interpretation of this work. His warm voice, with a melodic wording and perfect diction is excellent for the role. He excelled in all sections.

There was, therefore, a show all the titles recommended and memorable and deserved 5 enthusiastic curtain calls.