sábado, 29 de junho de 2019

MADAMA BUTTERFLY – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Junho 2019




(text in English below)

Todas as óperas ficam amputadas quando são apresentadas em versão concerto mas, em alguns casos, a falta de encenação é dramática, como o é na Madama Butterfly. A Fundação Gulbenkian ofereceu-nos a oportunidade de desfrutarmos da magnífica música de G. Puccini. Apesar de em versão concerto, foi um espectáculo de grande qualidade, embora nem tudo tenha sido excelente.



A direcção de Lawrence Foster (antigo maestro titular da Orquestra Gulbenkian) foi irregular, com períodos de monotonia e sem a vivacidade emotiva de que a ópera está imbuída. O primeiro acto foi desinteressante, melhorou nos restantes. A Orquestra esteve muito bem e o Coro ao mais alto nível, como habitualmente. A opção de colocar os cantores solistas ao fundo do palco, encostados ao coro, foi fatal para a sua boa audição, sendo frequentemente abafados pela orquestra, sobretudo os com vozes mais discretas.

O papel principal (Cio Cio San) foi cantado por uma norte-americana que nunca tinha ouvido, soprano Melody Moore. Ofereceu-nos uma interpretação fabulosa! Voz bonita, potente, agudos fáceis e, sobretudo, grande emotividade interpretativa. Sempre sobre a orquestra transbordou qualidade e segurança. Fantástica!



Outros solistas, num segundo patamar, foram também muito bons: O tenor Stefano Secco (B.F. Pinkerton) teve uma interpretação muito digna, o barítono Lester Lynch (Sharpless) esteve sempre seguro, projectando bem a sua voz quente e com timbre algo metálico mas não desagradável, a mezzo Elisabeth Kulman foi uma óptima Suzuki de voz grave, poderosa e afinada e, num papel muito pequeno, o baixo-barítono Kevin Short (Bonzo) deixou uma excelente impressão. O tenor Alexander Kaimbacher (Goro) e a soprano Liesbeth Devos (Kate Pinkelton) cumpriram sem deslumbrar. Apenas um cantor esteve num nível inferior ao desejável – o tenor Amitai Pati que cantou o Príncipe Yamadori mas mal se ouviu.

Apesar de ter sido em versão concerto e de Lawrence Foster não ter colocado a orquestra no nível interpretativo que a ópera exige, foi um espectáculo muito bom.




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MADAMA BUTTERFLY - Calouste Gulbenkian Foundation, Lisbon, June 2019

All operas become amputated when they are presented in concert version, but in some cases, the lack of staging is dramatic, as is the case of Madama Butterfly. Gulbenkian Foundation offered us the opportunity to enjoy this magnificent music by G. Puccini. Although in concert version, it was a performance of great quality, although not everything was excellent.
The direction of Lawrence Foster (former conductor of the Gulbenkian Orchestra) was irregular, with periods of monotony and without the emotional vivacity that the opera is imbued. The first act was uninteresting, improved afterwords. The Orchestra was very good and the Choir was at the highest level, as usual. The choice of putting soloist singers to the back of the stage, leaning against the choir, was fatal to their good hearing, often being muffled by the orchestra, especially those with more subdued voices.
The lead role (Cio Cio San) was sung by American soprano Melody Moore who I had never heard. She offered us a fabulous interpretation! Beautiful voice, powerful, easy top notes and, above all, great interpretive emotion. Always over the orchestra has overflowed quality and safety. Fantastic!
Other soloists, on a second level, were also very good: Tenor Stefano Secco (BF Pinkerton) had a very dignified interpretation, baritone Lester Lynch (Sharpless) was always solid, projecting his warm voice and with some metallic but not unpleasant timbre, mezzo Elisabeth Kulman was a great Suzuki with a deep, powerful mezzo voice and, in a very small role, bass-baritone Kevin Short (Bonzo) made an excellent impression. Tenor Alexander Kaimbacher (Goro) and soprano Liesbeth Devos (Kate Pinkelton) fulfilled without dazzle. Only one singer was on a lower level than the desirable - tenor Amitai Pati who sang Prince Yamadori but barely heard.
Although it was in concert version and Lawrence Foster did not put the orchestra at the interpretive level that the opera requires, it was a very good performance.

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quarta-feira, 26 de junho de 2019

FAUST, Royal Opera House, Londres / London, Maio / May 2019


(review in English below)

A Royal Opera House voltou a apresentar a encenação de David McVicar da opera Faust de C-F Gounod (libretto de Jules Barbier e Michel Carré). 


Esta produção já foi comentada no blogue aqui. Como referido então, a encenação é muito vistosa mas tem algumas bizarrias e uma cena orgiática de gosto muito duvidoso perto do final.




O maestro Dan Ettinger foi banal na direcção da orquestra que não esteve perfeita. Os cantores, com uma excepção, foram banais. E foram uma sombra em relação aos que vi e ouvi em 2011, num elenco de luxo: Vittorio Grigolo, René Pape, Angela Gheorghou e o saudoso Dmitri Hvorostovsky.


Michael Fabiano (Faust) tem uma má dicção do francês e canta com uma emissão algo irregular e teve manifestas dificuldades no registo mais agudo, quase cantou em falsete. Erwin Schrott (Méphistophélès), mais à vontade em palco, também não foi regular na linha de canto. Irina Lungu (Marguerite) que substituiu Diana Damrau, foi dura e nada expressiva. Carole Wilson (Marthe) e Germán Alcántara (Wagner) cumpriam sem impressionar. Contudo houve duas grandes interpretações, ao nível da qualidade habitual deste teatro, mas que não salvaram a récita, a jovem  Hongni Wu (Siébel), fantástica e Stéphane Degout (Valentin), excelente em cena, na interpretação vocal muito emotiva e sempre bem audível e, na verdade, o único que cantou em francês perceptível.






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FAUST, Royal Opera House, London, May 2019

The Royal Opera House presented again David McVicar's staging of C-F Gounod's opera Faust (libretto by Jules Barbier and Michel Carré). This production has already been commented in the blog here. As stated then, the staging is very showy but has some bizarre and an orgiastic scene of very dubious interest near the end.

Conductor Dan Ettinger was banal in the direction of the orchestra that was not perfect. The singers, with one exception, performed without impressing. And they were a shadow over what I saw and heard in 2011, with a luxury cast: Vittorio Grigolo, René Pape, Angela Gheorghou and Dmitri Hvorostovsky.

Michael Fabiano (Faust) has a bad diction of French and sings with a somewhat irregular emission and had manifest difficulties in the top register, almost sang in falsetto. Erwin Schrott (Méphistophélès), more at ease on stage, was also not regular on the singing. Irina Lungu (Marguerite) who replaced Diana Damrau, was harsh and not expressive. Carole Wilson (Marthe) and Germán Alcántara (Wagner) performed without impressing. However, there were two top quality interpretations in the usual quality of this theater, but they did not save the performance: Hongni Wu (Siébel) was fantastic, and Stéphane Degout (Valentin), excellent on stage, in a very emotional and always well audible vocal performance and, in fact, the only one who sung in understandable French.

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sábado, 22 de junho de 2019

A FLAUTA MÁGICA / THE MAGIC FLUTE, English National Opera, Março / March, 2019


(review in English below)

Na English National Opera vi uma das produções mais imaginativas da ópera A Flauta Mágica de Mozart. A encenação de Simon McBurnay é muito simples, multimédia, eficaz, cheia de momentos inovadores e de bom gosto e, sobretudo, original. É um excelente exemplo que atirar dinheiro para as produções operáticas não é condição obrigatória para fazer bons espectáculos.



A acção passa-se na actualidade. Do lado esquerdo do palco vemos serem desenhadas as figuras que são projectadas, muitas delas muito engraçadas, e do lado direito vemos produzir os efeitos musicais.
Há no centro do palco uma grande plataforma móvel, presa nos cantos por cabos, movimentada por elementos vestidos de negro, que a elevam, baixam ou inclinam, e tudo se passa sobre ou debaixo dela.



Os pássaros são simples folhas de papel movimentadas na mão dos membros de negro, formando um efeito muito simples e eficaz. 



O Papageno é um pintor sempre com um escadote, a Rainha da Noite uma velha de cadeira de rodas, o Sarastro um executivo de fato impecável e os três rapazes são velhos estranhos. O Tamino e a Pamina estão vestidos de branco e descalços na maioria da ópera, sobretudo quando decorrem as provas de submissão.
A orquestra está quase ao nível do palco e participa directamente na acção, com a flautista a subir ao palco e os cantores a atravessarem-na frequentemente.



Dirigiu a orquestra o maestro Ben Gernon. Houve ligeiros desencontros entre os cantores e a música. Nos papéis solistas houve alguma heterogeneidade. Contudo, na sua maioria, foram muito bons.



O jovem tenor Rupert Charlesworth fez um Tamino excelente. Com óptima presença em palco (a encenação assim o exige) cantou de forma segura, sempre afinado e sobre a orquestra. Tem um timbre muito agradável.



A soprano Lucy Crowe foi uma Pamina fabulosa, a melhor cantora da noite. Tem uma voz muito bonita, bem colocada, com agudos fantásticos, e um poderio vocal assinalável.



Outro grande cantor foi o baixo Brindley Sherratt que se impôs como Sarastro, numa interpretação vocal superior.



O Papageno do barítono Thomas Oliemans esteve bem, sem deslumbrar. O papel é um dos mais relevantes na ópera, incluindo a componente cómica, que cumpriu. O canto foi interessante mas sem grandes rasgos de invulgaridade qualitativa.



A soprano Rowan Pierce foi uma Papagena também correcta. O papel é relativamente curto, apesar do belíssimo dueto final com o Papageno.


Nas três damas, Susanna Hurrell, Samantha Price, Katie Stevenson, imperou a qualidade mas merece uma referencia muito elogiosa a mezzo Katie Stevenson que vocalmente foi excelente.



Também os três rapazes, vestidos de forma muito bizarra, cumpriram bem as suas intervenções, Alex McSweeney, Zeb Jenkins e Sasha Rose.



O Monostatos de Daniel Norman foi desinteressante e cantou sem grande vigor. Também a voz não ajudou, não é bonita nem extensa.


A grande decepção foi a soprano Julia Bauer como Rainha da Noite, uma das personagens vocalmente mais marcantes da ópera. Apesar de ter estado bem na coloratura da ária principal, cantou baixo, de forma irregular (parecia que ia quebrar a qualquer instante) e a voz não é nada cativante. Uma pena.


Mas foi um espectáculo muito bom, tanto pela originalidade como pela elevada categoria da grande maioria dos cantores.









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THE MAGIC FLUTE, English National Opera, March, 2019

At the English National Opera I saw one of the most imaginative productions of Mozart's opera The Magic Flute. The production of Simon McBurnay is very simple, multimedia, effective, full of innovative moments and, above all, original. It's a great example that throwing money on opera productions is not a prerequisite for good performances.
The action is set in the present. On the left side of the stage we see the drawings that are projected, many of them very funny, and on the right side we see the musical effects produced.
There is in the center of the stage a large movable platform, fastened in the corners by cables, moved by elements dressed in black, which raise, lower or incline, and everything happens on or under it.
Birds are simple sheets of paper moved in the hands of supernumeraries in black, forming a very simple and effective effect. Papageno is a painter always with a ladder, the Queen of the Night a wheelchair-bound old woman, Sarastro a flawless executive and the three boys are old strangers. Tamino and Pamina are dressed in white and barefoot in most of the opera, especially when the submission takes place.
The orchestra is almost at the stage level and participates directly in the action, with the flautist taking the stage and the singers crossing it frequently.

Maestro Ben Gernon directed the orchestra. There were slight mismatches between the singers and the music. In the soloist roles there was some heterogeneity. Most, however, were very good.

Young tenor Rupert Charlesworth was an excellent Tamino. With great presence on stage (the staging so requires) he sang firmly, always tuned and over the orchestra. he has a very nice tone.

Soprano Lucy Crowe was a fabulous Pamina, the best singer of the night. She has a very beautiful voice, well tuned, with fantastic top register, and a remarkable vocal power.

Another great singer was bass Brindley Sherratt who sang Sarastro, in a superior vocal interpretation.

The Papageno of baritone Thomas Oliemans was well, without dazzle. The role is one of the most relevant in the opera, including the comic component, in which he was well. The singing was interesting but without great bursts of qualitative surprises.

Soprano Rowan Pierce was also a correct Papagena. The role is relatively short, but includes the beautiful final duet with Papageno.

In the three ladies, Susanna Hurrell, Samantha Price, Katie Stevenson, prevailed the quality but mezzo Katie Stevenson deserves a very complimentary reference due to her vocal excellency.

Also the three boys, dressed in a very bizarre manner, sung well their parts, Alex McSweeney, Zeb Jenkins and Sasha Rose.

Daniel Norman's Monostatos was uninteresting and sang without impressing. Also the voice did not help, it is neither beautiful nor extensive.

The great disappointment was soprano Julia Bauer as Queen of the Night, one of the most vocal impressive characters of the opera. Although she was well in the main aria's coloratura, she sang low, irregularly (it seemed like she was going to break at any moment) and the voice is not very catchy. A disappointment.

But it was a very good performance, both for the originality and for the high category of the great majority of the singers.

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