terça-feira, 27 de outubro de 2015

MADAMA BUTTERFLY, Teatro de São Carlos, Lisboa, Outubro de 2015


(review in English below)

Numa produção da Opera North, a Madama Butterfly de G. Puccini abriu a temporada de ópera do Teatro Nacional de São Carlos.

A encenação de Maxine Braham é minimalista, feia, escura, mas fiel, acabando por cumprir. A pouca cor que tem é, sobretudo, à custa do guarda-roupa e, mesmo este, não é deslumbrante.


Dirigiu o maestro italiano Domenico Longo. Não esteve à altura da rica partitura musical que a obra encerra. Algum descontrolo orquestral mas, sobretudo, não conseguiu fazer sobressair os cantores. Os solistas ouviam-se sobre a orquestra porque tinham vozes potentes, mas o maestro nada fez para as valorizar. Foi pena.

Cio-Cio-San foi interpretada pela soprano sul coreana Hye-Youn Lee. Fez uma Butterfly credível, embora um pouco estática, com a grande mais valia de ser uma cantora oriental, perfeitamente adaptada à personagem. Tem uma voz bem audível, sobretudo no registo agudo, por vezes até resvalando para a estridência, mas cantou bem. No registo mais grave ocasionalmente não se ouvia, mas o maestro também não ajudou. Teve uma interpretação em crescendo, com um primeiro acto aceitável, melhorando depois e terminando muito bem.


O tenor espanhol Antonio Gandia foi um Pinkerton com boa presença cénica mas, vocalmente, irregular. No registo agudo esteve muito bem, mas ouviu-se mal nos registos médio e grave. No belíssimo dueto de amor que encerra o primeiro acto foi frouxo e sem qualquer chama amorosa. Infelizmente não foi o único, porque a cantora também não ajudou, sem conseguir transmitir uma réstia de doçura. A orquestra esteve sempre empastelada, muito por culpa do maestro. Tudo conjugado, um dos momentos mais belos da ópera conseguiu ser transformado no que, para mim, foi o pior momento do espectáculo.


Excelente foi, mais uma vez, o barítono Luís Rodrigues como Sharpless. Tem uma voz muito bonita, impecavelmente afinada e claramente audível. Esteve sempre ao mais alto nível e em cena também foi irrepreensível. Indiscutivelmente, o melhor cantor da noite.

Cátia Moreso também nos ofereceu uma interpretação de enorme qualidade. A voz foi poderosa, bem colocada e com um registo grave marcante. Em cena foi a melhor, transbordando as diferentes emoções, sempre adequadas aos momentos interpretados (e que tanta falta fizeram aos dois solistas principais).


 Nos papéis secundários Marco Alves dos Santos foi um príncipe Yamadori muito correcto e Carolina Figueiredo uma elegante Kate Pinkerton. Contudo, acho que a má direcção da orquestra e o pouco empenho do maestro em fazer sobressair os cantores fizeram com que mal se tenham ouvido Mário João Alves como Goro, Mário Redondo como Bonzo e João Oliveira como comissário imperial. Também foi infeliz a escolha da criança para filho da Butterfly que, com um comportamento impecável em palco, não era loira, como a situação exigia.



No cômputo geral, um bom espectáculo.

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Madama Butterfly, Teatro de São Carlos, Lisbon, October 2015

In a production of Opera North, G. Puccini's opera Madama Butterfly opened the season of the São Carlos National Theatre in Lisbon.

The staging of Maxine Braham is minimalist, ugly, dark, but according to what is expected and it works. The little color available is, above all, at the expense of the dresses and even these are not dazzling.

Italian maestro Domenico Longo directed. He failed to match the rich musical score of the opera. The orchestra was uncontrolled frequently but, above all, fhe ailed to bring out the singers. The soloists were heard over the orchestra because they had powerful voices, but the maestro did nothing to value the voices. It was a pity.

Cio-Cio-San was interpreted by the South Korean soprano Hye-Youn Lee. She was a credible Butterfly, although somewhat static, with the great added value of being an oriental singer, perfectly adapted to the character. She has a very audible voice, particularly in the high register, sometimes even slipping into the stridency, but she sang well. In the low register occasionally she was not heard, but the maestro did not help. She had an interpretation on the rise, with a first acceptable act but improving after and finishing very well.

Spanish tenor Antonio Gandia was a Pinkerton with good scenic presence but vocally inconstant. In the upper register he was very good, but he was badly heard in medium and low registers. In the beautiful love duet that closes the first act he was loose and without transmitting any flame of love. Unfortunately he was not the only one, because the female singer did not help, unable to transmit a glimmer of sweetness. The orchestra has always been floopy, largely conductor's fault. All combined, one of the most beautiful moments of the opera was transformed into what, for me, was the worst moment of the performance.

Baritone Luis Rodrigues was, once again, excellent as Sharpless. He has a beautiful, always in tune and clearly audible voice. On stage he was also faultless and was undoubtedly the best singer of the night.

Cátia Moreso also offered us an interpretation of great quality. The voice was powerful, always well tuned and with a striking low register. On stage she was the best performer, overflowing the different emotions always appropriate to the scenes (and that did lack the two main soloists).

 In supporting roles Marco Alves dos Santos was a very correct and Prince Yamadori and Carolina Figueiredo an elegant Kate Pinkerton. However, I think the bad direction of the orchestra and the absence of maestro's commitment to bring out the singers have made barely heard Mário João Alves as Goro, Mário Redondo as Bonzo and João Oliveira as imperial commissioner. It was also innapropriate the child's choice for the son of Butterfly, that had an impeccable behavior on stage, but was not blonde, as the situation demanded.

Overall, a good performance.


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domingo, 25 de outubro de 2015

Otello de Giuseppe Verdi — Met Live in HD, FCG, 24.10.2015

Assisti ontem à transmissão diferida de Otello do Metropolitan. O Fanático Um teve a oportunidade de assistir ao vivo e deixar o seu comentário neste blogue, pelo que me limitarei a fazer breves comentários.


Encenação. A nova produção de Otello de Bartlet Sher é dolorosamente pobre. Pobre em imaginação, em eficácia dramática, em beleza estética e destituída de sentido cénico. Nada de melodramático. Zero de romantismo. Teve uma direcção de actores que embotou os cantores de tão estática que é. E fez de Otello um histérico, sempre arrastado no chão, desesperado. É claro que está possuído pelo ciúme, mas o peso dos ditos que imagina ter não é tal que se tenha de arrojar pelo chão... O único elemento — mas a que também não atribuiu sentido — foi ter optado por um Otello ocidental, não lhe pintando a cara. Discutível, mas aproveitável. Todavia, desperdiçado. Espero que o MET não resolva apostar nesta produção inferior. A anterior de Elijah Moshinsky é muito melhor.


A direcção musical de Yannick Nézet-Séguin foi de muito elevada qualidade, muito embora tenha, em minha opinião, apostado num tempo mais lento do que estou habituado. Mas tem uma musicalidade infinita, uma frescura contagiante e um cuidado com os cantores difícil de igualar. O Coro do MET também esteve bem, embora não deslumbrante.


O tenor Aleksandrs Antonenko foi um Otello que não deslumbrou. A voz atinge as notas todas, é certo. Mas sem brilho, sem um timbre cativante, com um registo médio aplanado, uns agudos pontudos e ásperos, sem musicalidade no fraseado. O facto de ser um cantor muito estático também não o ajuda a compor uma personagem muito convincente do ponto de vista dramático. Mas conseguiu ir crescendo até ao final. Tem muito para ser um bom Otello, mas não o é. Está a anos-luz de Plácido Domingo, mas esse nasceu para o papel. Botha, em 2012, sendo igualmente estático, foi muito mais credível, vocalmente assombroso e cenicamente doentio.


O barítono Zeljko Lucic foi Iago. É verdade que é um dos melhores barítonos verdianos da actualidade, mas as suas interpretações deixam-me sempre ambivalente. Se vocalmente é muito bom, enquanto actor não é brilhante e creio que isso se transmite muito à intensidade da interpretação. Não foi um Iago maléfico, daqueles em que as chamas do seu inferno nos aquecem. Tal ficou bem evidente na sua principal ária Credo en un dio cruel que nem um aplauso mereceu. 


Por fim, Sonya Yoncheva foi uma Desdemona arrasadora. Tem um timbre muito bonito,   potência de sobra e uma excelente musicalidade que lhe permite dar textura à interpretação. A isso juntou uma capacidade cénica elevada e uma grande presença. A sua expressão facial — a única vantagem da transmissão televisiva — dizia-nos quase tudo. Interpretou bem a personagem, sendo uma Desdemona segura da sua inocência e que aceitou com grandeza o seu destino. E teve um último acto extraordinário desde o Salce ao Ave Maria. Fantástica!

Os restantes elementos cumpriram bem nos seus papéis.


Foi, assim, uma récita agradável, com uma encenação para arrumar a um canto, com um elenco masculino apagado e duas estrelas cintilantes: Nézet-Séguin e Yoncheva.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

OTELLO – METropolitan OPERA, Nova Iorque, Outubro 2015 / October 2015

(review in English below)

A ópera Otello de G. Verdi abriu a temporada de 2015-2016 da Metropolitan Opera.


Numa encenação de Bartlett Sher, assistimos a um espectáculo que praticamente só valeu pelas vozes, dado que no palco, sempre escuro, pouco de interessante se passou. Com 6 estruturas translúcidas e móveis, os cenários mudavam com frequência mas o efeito era pouco eficaz. Os cantores vagueavam entre eles, com eficácia duvidosa e, por vezes, até pareciam confusos em relação à direcção que deviam tomar, como foi manifestamente o caso do dueto de Otello com Iago no 2º acto. Num palco desta dimensão, foi uma abordagem cénica ineficaz.


Esta produção gerou grande debate porque, pela primeira vez, o mouro Otelo não apareceu de cara pintada de escuro. Não me pareceu nada de relevante, apesar das referencias no libreto. E esse facto, levado à letra, seria um debate delicado e perigoso, que extravasa a encenação da ópera.

A direcção do maestro canadiano Yannic Nézet-Séguin foi segura e de qualidade, permitindo à excelente Orquestra da Metropolitan Opera mais uma óptima interpretação. O Coro esteve também em bom nível.



O tenor letão Aleksandrs Antonenko foi um Otello de qualidade. Não é um cantor que eu admire e confesso que logo à partida ia predisposto a não gostar. Mas ultrapassei o preconceito. O grito inicial Esultate! fez prometer muito, mas a voz é relativamente pequena e não tem um timbre cativante, embora o cantor tenha conseguido projectá-la com eficácia. Em cena esteve muito estático e foi pouco emotivo, tanto nos momentos de glória como quando corroído pelo ciúme.


Já o Iago do barítono sérvio Zeljko Lucic foi muito melhor na voz e na prestação cénica. É um dos melhores barítonos verdianos da actualidade e, mais uma vez, aqui o demonstrou. Conseguiu transbordar maldade e cinismo ao longo de toda a récita, como a personagem exige. A voz foi sempre imponente (embora com ligeira quebra no registo mais grave), bem colocada e de assinalável beleza tímbrica.


A grande revelação da récita foi a Desdemona da soprano búlgara Sonya Yoncheva. Foi a melhor interpretação da noite. A cantora tem uma voz belíssima, sempre afinada e com uma potência invulgar. Conseguiu transmitir o que se espera da Desdemona inocente e vítima do ciúme doentio do marido. Se esteve muito bem em toda a récita, no último acto foi insuperável, com uma Ave Maria preciosa. Fantástica!



O Cassio do tenor americano Dimitri Pittas foi decente tanto na prestação vocal como cénica. Nos papéis secundários Jenifer Johnson Cano fez uma Emilia muito expressiva,  Jeff Mattsey foi um Montano competente e Chad Shelton um Roderigo eficaz.



No cômputo final, um bom espectáculo, numa encenação desinteressante.




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OTELLO - Metropolitan Opera, October 2015


The opera Otello by G. Verdi opened the 2015-2016 season of the Metropolitan Opera.

The staging by Bartlett Sher, was always dark and not interesting. Six translucent and mobile structures made scenarios changed often, but the effect was less than impressive. The singers wandered among and around them, with doubtful efficacy and sometimes even seemed confused about the direction they should take, as was clearly the case of the duet of Otello and Iago in the 2nd act.

This production generated great debate because, for the first time, the Moor Otello did not appear painted dark face. It did not seem relevant, despite the references in the libretto. And that fact, taken literally, would be a delicate and dangerous debate that goes beyond the staging of this opera.

Canadian conductor Yannic Nézet-Séguin was of high quality, enabling the excellent Orchestra of the Metropolitan Opera to deliver another excellent interpretation. The Choir was also at the highest level.

Latvian tenor Aleksandrs Antonenko was a good Otello. He is not a singer I admire and I confess that at the outset I was predisposed to dislike him. But I overtook the prejudice. His initial cry Esultate! promised a lot, but his voice is relatively small, has not a captivating tone, but he was able to project it effectively. On stage he was very static and unemotional, both in times of glory as when corroded by jealousy.

Iago by Serbian baritone Zeljko Lucic was excellent in voice and on stage. He is one of the best Verdian baritones of our time and, once again, he demonstrated it. He could spill over evil and cynicism throughout the performance, as the character requires. The voice was always impressive (although not so exciting in the lower register) and with a very beautiful timbre.

The great revelation was the Bulgarian soprano Sonya Yoncheva as Desdemona. She was the best performer of the night. The singer has a gorgeous voice, always in tune and with an unusual power. She managed to convey what is expected of an innocent Desdemona and the victim of her husband's insanely jealous. If she has been very well throughout the performance, in the last act she was unsurpassed, with a precious Ave Maria. Fantastic!

American tenor Dimitri Pittas was a very decent Cassio both in vocal performance as on stage. In supporting roles Jenifer Johnson Cano was an efficient Emilia, Jeff Mattsey a competent Montano, and Chad Shelton an effective Roderigo.

Overall, a good performance in an unattractive staging.

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