quinta-feira, 31 de outubro de 2019

MANON, METropolitan Opera, Outubro / October 2019


(review in English below)


A Metropolitan Opera de Nova Iorque voltou a levar à cena a Manon de Jules Massenet, uma ópera baseada no romance de Antoine-François Prévost L´Histoire du Chevalier Des Grieux et de Manon Lescaut, novela que também serviu de base à ópera Manon Lescaut de Puccini. Esta produção já foi comentada no blogue anteriormente.

A encenação de Laurent Pelly, simples e vazia, mas eficaz, traz a acção para o período da Belle Époque, cerca de século e meio após o romance ter sido escrito. No primeiro acto o cenário está encimado de casas em miniatura e uma escadaria que dá acesso à zona central do placo, sem adereços, onde grande parte da acção decorre. Na cena seguinte o quarto simples de Manon e Des Grieux está também colocado ao cimo de vários troços de escadas. Na primeira parte, Manon é uma jovem vestida de forma muito humilde e inocente. No 3º acto, nas margens do Sena, a encenação lembra um quadro de um pintor impressionista. Manon aparece na máxima exuberância (vestido, jóias e postura). Na cena seguinte, em Saint Sulpice, talvez a mais notável de toda a produção, dá-se o reencontro com Des Grieux, agora padre. Depois de uma rejeição inicial, Des Grieux não resiste e  Manon deita-se na cama austera do amante e despindo-lhe o hábito. Segue-se a cena do jogo, onde apenas há as mesas como objectos no palco, com as interpretações vocais a superarem as cénicas, mas o glamour mantém-se. Finalmente, o último quadro, é um contraste total com os anteriores. Manon, desfigurada, é arrastada pelo chão, pontapeada e ultrajada pelos guardas. Apenas uns candeeiros sóbrios de rua estão no palco. Morre nos braços de Des Grieux.



A direcção musical, desinteressante, foi do maestro Maurizio Benini.

A Manon foi interpretada pela soprano americana Lisette Oropesa, já vencedora este ano de dois prémios musicais. Teve uma interpretação de qualidade mas pouco emotiva. A voz é ágil, agradável, sobre a orquestra e com uma amplitude apreciável. Em cena esteve bem.


Des Grieux foi interpretado pelo tenor americano Michael Fabiano. Foi a melhor interpretação vocal em que o ouvi, porque foi constante na emissão e sempre audível. O problema é que a voz não tem cor, é “a preto e branco” e, por isso, não transmite emoção. É sempre entoada da mesma forma, quer nos momentos de alegria, quer nos de tristeza, quer nos de angustia. Nos duetos com a Oropesa não houve transmissão de qualquer sentimento de atracção ou paixão pela Manon, o que “matou” o espectáculo, que teve o momento mais confrangedor na cena em Saint Sulpice, (N'est-ce plus ma main).



Nos papéis secundários Guillot de Morfontaine foi interpretado de forma agradável pelo tenor italiano Carlo Bosi


o barítono canadiano Brett Polegato foi um De Brétigni de forma regular, 


mas o Lescaut foi interpretado ao mais alto nível  pelo barítono polaco Artur Rucinski, o melhor da noite,


e o Conde Des Grieux, também óptimo, pelo baixo sul coreano Kwangchul Youn.


As três”meninas”,  Jacqueline Echols (Poussette),  Laura Krumm (Javotte) e Maya Lahyani (Rosette) cumpriram também sem destoar.







***


MANON, METropolitan Opera, October 2019

The Metropolitan Opera of New York has once again presented Manon by Jules Massenet, an opera based on the novel by Antoine-François Prévost L'Histoire du Chevalier Des Grieux and Manon Lescaut, a novel that also served as the basis for the opera Manon Lescaut by Puccini. This production has been commented on the blog before.

Laurent Pelly's production, simple but effective, brings action to the Belle Époque period, about a century and a half after the novel was written. In the first act the scenery is topped with miniature houses and a staircase that gives access to the central area, without props, where much of the action takes place. In the next scene the simple bedroom of Manon and Des Grieux is also placed at the top of several sections of stairs. In the first part, Manon is a young girl dressed in a very humble and innocent way. In the third act, on the banks of the Seine, the performance resembles a painting by an impressionist painter. Manon appears in the most exuberance (dress, jewelry and posture). In the next scene in Saint Sulpice, perhaps the most remarkable of all the production, is the reunion with Des Grieux, now priest. After an initial rejection, Des Grieux does not resist and reconciliation takes place, laying Manon on his lover's austere bed and undressing his habit. This is followed by the game scene, where there are only tables as objects on stage, with vocal interpretations surpassing the scenic ones, but the glamor remains. Finally, the last scene is a total contrast to the previous ones. Manon, disfigured, is dragged across the floor, kicked and outraged by the guards. Only a few sober street lamps are on stage. She dies in Des Grieux's arms.

The musical direction, without interest, was by conductor Maurizio Benini.
Manon was performed by American soprano Lisette Oropesa, already this year's winner of two music awards. She had a quality interpretation but with few emotion. The voice is agile, pleasant, over the orchestra and of appreciable amplitude. On stage she was always fine.
Des Grieux was interpreted by American tenor Michael Fabiano. It was the best vocal interpretation in which I heard him, because he was constant in vocal emission and always audible. The problem is that the voice has no color, it is "in black and white" and therefore does not convey emotion. He always sings in the same way, whether in moments of joy or in sadness or in anguish. In the duets with Oropesa there was no transmission of any feeling of attraction or passion for Manon, which "killed" the show, which had the worst moment on the scene in Saint Sulpice, (N'est-ce plus ma main).

In supportiny roles Guillot de Morfontaine was played pleasantly by Italian tenor Carlo Bosi, Canadian baritone Brett Polegato played De Brétigni on a regular basis, but Lescaut was interpreted at the highest level by Polish baritone Artur Rucinski, the best of the night, and Count Des Grieux was also great by South Korean bass Kwangchul Youn.
The three 'girls', Jacqueline Echols (Poussette), Laura Krumm (Javotte) and Maya Lahyani (Rosette) were correct in their roles.

***

domingo, 27 de outubro de 2019

LUISA MILLER, Chiesa di San Francisco del Prato, Parma, Outubro 2019




(review in English below)

Texto de Wagner_fanatic

Ainda estou em estado de choque e não estou a exagerar. Em nada se prende com o facto da ópera ter sido numa igreja. Não ia com grandes expectativas porque o bilhete que me conseguiram era na 8a fila, não tinha a noção como aquilo estava em termos de filas e disposição, era numa igreja e provavelmente ia haver eco ou reverberação do som (embora eu de acústica não perceba nada) e esperava o pior... Sentei-me e à frente um grisalho de meia idade - pensei: “Pronto, já foste” e depois olhando para todos os lados era só andaimes e pensei: “Vou estar a rezar a ópera toda para que não me caia um na cabeça”. Mas dos andaimes esqueci-me e da cabeça o homem ia-se afundando na cadeira, negando o apoio lombar da mesma, retomando a posição normal apenas para aplaudir. Antes da ópera começar ainda disse para a mulher ao lado dele: “Isto fazia-se bem aqui era uma Tosca”, e até tinha razão (pelo menos o 1º acto).






Sabem que eu adoro, corrijo, amo a Luisa Miller mas em nada os meus comentários de hoje são hiperbolizados por este sentimento. Roberto Abbado tirou um som e um dramatismo impressionantes da orquestra e o som foi ao nível do que se consegue obter nas melhores salas de ópera, sem eco ou reverberação, fruto talvez da igreja estar completamente revestida dos andaimes.



Os cantores estratosféricos!!! Francesca Dotto uma Luisa bonita, voz idem, emoção idem idem, um estrondo!




Amadi Lagha um Rodolfo exuberante, com um timbre bonito, emotividade à flor da pele fazendo lembrar o Grigolo; tendo sido espectacular durante toda a récita, o final, com a transição emocional a que obriga, tal como no Otello (como Domingo disse ao Beczala), foi de arrasar!!!




Martina Belli esteve doente e quem fez o papel de Federica foi Veta Pilipenko, pelo que anunciaram - uma mezzo de enorme qualidade e um prazer ouvi-la,




O Wurm de Gabriele Sagona é o que se espera, também com uma voz tocante;



Riccardo Zanellato, o conde, é um bom baixo, com excelente presença, mas foi o único que menos me entusiasmou devido ao timbre... com o desenrolar habituamo-nos mas não é brilhante, parecendo o som vir garganta e não das “profundezas da alma de baixo”.




Agora, para o fim, provavelmente o homem que me vai ajudar a continuar a procurar mais Verdi - Franco Vassallo! Que grandioso Miller!!! Tem tudo!!! Voz encorpada mas vai aos agudos em aparente facilidade, legato fabuloso, sentido dramático em todas as frases... Que grande cantor! Tenho de analisar bem com videos do youtube para o conhecer ainda melhor.




A encenação é interessante, parece um semicénico em que eles se mexem pouco, embora caracterizados, e tudo roda à volta de uma mesa. Um pormenor final - Rodolfo coloca veneno em todas as garrafas da mesa posta para talvez o suposto casamento de Rodolfo com Federica e em vez de matar Wurm, o Conde e Wurm acabam por beber do vinho a “celebrar” a morte de Luisa, o Conde indiferente à morte do filho, e acabam todos mortos pelo veneno.









LUISA MILLER, Church of San Francisco del Prato, Parma, October 2019

(review in English below)

Text by Wagner_fanatic

I am still in shock and not exaggerating. It has nothing to do with the fact that the opera was in a church. I didn't go with high expectations because the ticket they got me was in the 8th row, I had no idea how it was in terms of lines and arrangement, it was in a church and there was probably going to be echo or reverberation of sound (although I don't know anything about acoustics) and hoped for the worst ... I sat down in front of a gray-haired man - I thought, "Okay, you're gone" and then looking around all was scaffolding and I thought: "I'll be praying the whole opera for that one does not fall on my head ”. But I forgot about the scaffolding and the head was sinking into the chair, denying its lumbar support, resuming its normal position just to applaud. Before the opera began he still said to the woman next to him: "This was a good setting for a Tosca", and he was right (at least the 1st act).

You know that I like, correction, love Luisa Miller, but my comments today are not hyperbolized by this feeling. Roberto Abbado produced an impressive sound and drama from the orchestra, and the sound was at the level of what can be achieved in the best opera houses, without echo or reverberation, perhaps due to the church being completely covered with scaffolding.

The singers were stratospheric!!! Francesca Dotto a beautiful Luisa, same voice, same emotion, a bang!

Amadi Lagha an exuberant Rodolfo, with a beautiful tone, emotionality resembling Grigolo. Having been spectacular throughout the performance, the ending, with the emotional transition it requires, as at Otello (as Domingo told Beczala), was overwhelming !!!

Martina Belli was ill and the person who played the role of Federica was Veta Pilipenko, for what they announced - a mezzo of great quality and a pleasure to hear her,

Gabriele Sagona's Wurm is to be expected, also with a touching voice;

Riccardo Zanellato, the count, is a good bass with an excellent presence, but he was the one who least excited me about the timbre... as it unfolds we get used to it but it is not brilliant, sounding like it comes from the throat and not from the “depths of the soul below”.

Now, to the end, probably the man who will help me keep looking for more Verdi - Franco Vassallo! What a great Miller!!! He has everything! Full-bodied but high-pitched voice in apparent ease, fabulous legato, dramatic meaning in every sentence... What a great singer! I have to look well  youtube videos to get to know him even better.

The staging is interesting, it looks like a semicenic in which they move little, though characterized, and everything revolves around a table. A final detail - Rodolfo puts poison in every bottle on the table set for perhaps Rodolfo's supposed marriage to Federica and instead of killing Wurm, the Count and Wurm end up drinking from the wine to “celebrate” the death of Luisa, the Count indifferent to the death of the son, and all end up killed by the poison.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

WERTHER, Royal Opera House, Setembro / September 2019




(review in English below)


A opera Werther de Jules Massenet foi novamente levada à cena na Royal Opera House de Londres. No início apareceu o director actual para dar más notícias. Mas desta vez não era a substituição de nenhum cantor, mas sim a informação de que o sistema de legendagem não funcionaria devido à chuva torrencial que havia caído em Londres poucas horas antes.

A encenação de Benoit Jacquot já comentada neste blogue mais que uma vez é de uma beleza ímpar, perfeitamente adequada aos vários ambientes criados na opera. O exterior da casa familiar no primeiro acto, o espaço aberto do 2º, o interior da casa de Charlotte e Albert no 3º e o quarto onde o Werther se suicida e morre no ultimo com a neve sempre a cair, são magníficos.



A música é muito bonita e a orquestra fez-lhe justiça, embora o maestro Edward Gardner não se tenha coibido de abafar frequentemente os cantores.

O tenor Juan Diego Flórez interpretou o protagonista. Os leitores deste blogue sabem que é um dos meus cantores favoritos e não lhe tenho poupado elogios nas várias actuações em que o vi. Mas neste registo mais dramático que anda a tentar, as coisas são diferentes. Cenicamente foi exímio na interpretação do Werther, nenhum reparo a fazer, mas no canto não esteve bem, excepto no registo mais agudo, onde se sentirá mais confortável. Cantou baixo, parecia que estava num ensaio, deixou-se afogar frequentemente pela orquestra e não conseguiu transmitir emoção na voz em várias partes, ao contrário do que fez na representação. Foi pena.



A mezzo Isabel Leonard esteve bem como Charlotte. Voz afinada e bem colocada, interpretação algo contida por vezes, correcta mas pouco emotiva.



O barítono Jacques Imbrailo fez um Albert seguro e convincente, talvez a melhor interpretação da noite.



Merece uma palavra de muito apreço a jovem soprano Heather Engebretson, de figura franzina e grande agilidade cénica, perfeitamente adaptadas à Sophie, irmã mais nova da Charlotte. Cantou bem, voz fresca e bem audível, sobretudo nos registos médio e agudo.


Os restantes cantores cumpriram sem deslumbrar. Um espectáculo que valeu sobretudo pela música e pela encenação.





***


WERTHER, Royal Opera House, September 2019

Jules Massenet's opera Werther was once again performed at London's Royal Opera House. At first the current director appeared to give bad news. But this time it was not the replacement of any singer, but the information that the subtitling system would not work due to the torrential rain that had fallen in London a few hours earlier.

The production of Benoit Jacquot already commented on this blog more than once is of an unparalleled beauty, perfectly suited to the various environments created in the opera. The exterior of the family home in the first act, the open space in the 2nd, the interior of Charlotte and Albert's house in the 3rd, and the room where Werther commits suicide and dies in the last with snow always falling, are magnificent.

The music is beautiful and the orchestra has done it justice, although conductor Edward Gardner frequently drowned out the singers.

Tenor Juan Diego Flórez played the protagonist. Readers of this blog know that he is one of my favorite singers and I have not spared him praise in the various performances where I saw him. But in this most dramatic register he is trying, things are different. On stage Werther was a great performer, no repair to make, but in the singing was not well, except in the top register, where he will feel more comfortable. He sang underpowered, sounded like he was in a rehearsal, was often drowned by the orchestra and could not convey emotion in the voice in various parts, contrary to what he did in the acting. It was a pity.

Mezzo Isabel Leonard was well as Charlotte. Fine-tuned, well-placed voice, somewhat restrained  correct interpretation but without emotion.

Baritone Jacques Imbrailo made a solid and convincing Albert, perhaps the best interpretation of the night.

The young soprano Heather Engebretson deserves a word of great appreciation. With a slight figure and great scenic agility, she was perfectly suited to Charlotte's younger sister Sophie. She sang well, her voice was fresh and well audible, especially in the mid and high register.

The other singers performed without dazzling. A performance that was worth especially for the music and the staging.

***