domingo, 25 de março de 2012

La Traviata, Theatro Municipal de São Paulo, Março de 2012 (Parte 1)

Publicamos na íntegra mais um texto de Ali Hassan Ayache do blogue Música, Ópera e Ballet, um colaborador brasileiro habitual deste espaço. Agradeço o texto ao Ali, em nome do blogue “Fanáticos da Ópera/Opera Fanatics”


(Dubrovskaya e Roberto di Biasio em cena de La Traviata.)


DÁ ATÉ PRA SE SENTIR EM LONDRES, LA TRAVIATA NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 22/03/2012.

A obra, A Dama das Camélias de Alexandre Dumas, originou uma grande ópera, La Traviata , composta por Giuseppe Verdi no século XIX. Passam os séculos e a música dessa ópera continua e continuará emocionando. La Traviata é sinônimo de teatro lotado, de lágrimas nos olhos e de emoções que afloram a todo instante.

O Theatro Municipal de São Paulo acerta em montar esse título e marca um gol de placa ao fazer onze récitas. Isso dá maiores possibilidades para um maior número de pessoas assistirem. Nessa semana, o maior teatro paulistano, anunciou sua interessante temporada. Tem muita coisa boa para esse ano, para os amantes da ópera títulos exóticos e raramente apresentados, para os menos entendidos o mais conhecido é a La Traviata mesmo.

O minimalismo está na moda, não sei se é por economia de recursos ou os diretores acham o máximo. Cenários andam escassos , toda ação gira em torno do psicológico dos personagens. Foi essa a concepção de Daniele Abbado, minimalista e com soluções já manjadas de outras apresentações realizadas pelo mundo afora.

O minimalismo extremo chega a confundir o público. Violetta, a heroína da ópera (amo essa mulher, pena que ela sempre morre no final) lê a carta no terceiro ato, na concepção da direção não existe a carta, a personagem a recita sem nada nas mãos. Quem conhece profundamente a ópera sabe que é uma carta, quem não conhece se confunde. Colocar minha amada Violetta no início do segundo ato junto com seu querido gera mais confusão, esse recurso ja foi utilizado na La Traviata de Viena com Netrebko e Villazon.

Algumas derrapadas não tiram o mérito do diretor, concebeu uma versão moderna da obra, antenada com o que acontece em outros teatros líricos. Idéias inspiradas em produções de diferentes títulos, uma colcha de retalhos operística, nada de novo ou inspirador.

O cenário de Angelo Linzalata é um vazio em todos os atos, inclinado ( ja vi uma Cavalleria Rusticana com cenário inclinado, Teatro Alfa, 2000) onde predomina o negro. As movimentações dos solistas e do coro são deveras interessantes. Os figurinos são modernos e seguem a idéia central de uma La Traviata atual.

Irina Dubrovskaya é um jovem soprano de grande beleza, todo marmanjo, casado ou não, fica babando com a boniteza da moça. Quem não quer convidar essa gata para uma noitada, eu quero, só falta ela aceitar. Toda a beleza da moça não foi suficiente para uma grande Violetta, sua voz é lírica, que seduz como um belo por do sol, um tom que beira ao angelical. Seu timbre é luminoso e penetrante. Sua voz carece de volume e de peso para uma grande Violetta. Irina tem técnica segura, foge das coloraturas mais complexas, não tem os agudos potentes e sua voz é pequena demais para a personagem. Interpretação cênica louvável, canta corretamente, falta uma pegada italiana para ela ser uma grande Violetta.

Roberto di Biasio faz um interessante Alfredo, o amante da Violetta tem agudos limpos, muitas vezes potentes. Projeta a voz com força e segurança, errou feio na sua primeira intervenção do segundo ato, isso pode acontecer com qualquer um. Cenicamente acompanha as firulas e as rápidas movimentações exigidas pela direção.

Paolo Coni faz um Giorgio Germont correto, de técnica apurada que expressa todas as nuances do pai que quer proteger a família. Sua voz não tem a grandeza necessária de um grande barítono, a compensação vem da impostação a moda italiana.

A Orquestra Sinfônica Municipal nas mãos de Abel Rocha esteve em excelente noite. Andamentos geralmente corretos e precisos e uma sonoridade ímpar, com volume na medida certa. Em algumas passagens o caro maestro ajudou o soprano, foi um verdadeiro paizão da gata russa. Deixou os andamentos mais lentos para que o soprano cantasse com mais desenvoltura e facilidade. O Coral Lírico se apresentou como sempre, vozes uniformes, harmoniosas e sempre consistentes. Um grande coro, recheado de vozes com nível de solista, só faltam as oportunidades.

La Traviata, uma montagem interessante que entre mortos e feridos agrada ao grande público. Juntamente com a ópera Magdalena de Villa-Lobos apresentada em fevereiro nos faz sentir que o Theatro Municipal de São Paulo esta chegando ao nível dos grandes teatros europeus com suas produções. Dessa vez, eu me senti em Londres. Não percam as cenas dos próximos capítulos, comentários dos dois elencos que se apresentarão, em breve no blog de Ópera e Ballet

Ali Hassan Ayache

3 comentários:

  1. Gostei de ler esta crítica. Esse plano inclinado fatal já o vimos no Teatro de S. Carlos. Cada vez mais me parece que se os teatros de ópera têm problemas de orçamento, mais vale que poupem nos cenários e apostem nos elencos. Aliás estou convencida que se podem fazer excelentes encenações com cenários muito simples, cuidando a direcção de actores e fazendo bom uso das luzes e de meia dúzia de props.

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  2. Também estou em total concordância consigo, Gi. Mas é preciso que os encenadores tenham um mínimo de inspiração e competência, o que nem sempre tem acontecido entre nós.

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