quinta-feira, 28 de junho de 2018

LOHENGRIN, Wiener Staatsoper / Ópera de Viena, Junho / June 2018



(review in English below)

O Lohengrin de hoje foi absoluta e perfeitamente brutal!  Um 2º acto de morrer pela intensidade dramática e potência musical! É inevitável a comparação com o de Londres de há 2 dias e posso dizer o seguinte: ambos tem encenações completamente diferentes mas excelentes - a de Londres linear, apenas transposta no tempo original da ação, a de Viena original mas no mesmo estilo de não adicionar nada de novo e igualmente transportada no tempo original da ação; a direção de Nelsons pode dizer-se em algumas passagens dramaticamente inovadora mas a de Weigle, mais by the book foi poderosa, intensa e lírica; em ambos os cenários as orquestras estiveram do outro mundo, produzindo um som wagneriano brutal e, para variar, sem uma única falha nos metais!!!



Ambas as encenações com um link interpretativo de venerar: Londres com o Rei de Zeppenfeld e Viena com o Rei de Groissbock - ambos fazem um papelão vocal e interpretativo numa personagem que para mim a vi sempre como secundária na ópera. Estes são, sem qualquer dúvida, os 2 melhores baixos wagnerianos da actualidade e eu sinto uma honra enorme ter tido a oportunidade imensa de os ouvir e ver (em Bayreuth volto à carga com ambos - Zeppenfeld como Marke e Groissbock como Gurnemanz). Que grande Wotan vai ser Groissbock a partir de 2020...





Em relação aos restantes, tendo todos estado a um nível estrelar, o par londrino (com diferença de idades menos exuberante ou menos perceptível) não deixa de estar um ligeiro patamar acima... Robert Dean Smith mantém a voz como lha conheço de há vários anos e interpreta o Lohengrin com veracidade e transparência de sentimento, embora esteja um pote e, aparecendo no 1º acto só com uma túnica, dificulta o acreditar estético do papel... contudo mais vestido no 2º e 3º actos continua a ser um Wagneriano de elite (escola do passado mas de elite).




A Annett Dasch é muito boa e esteve impecável mas a miúda de Londres transmite uma Elsa mais inocente, voz mais cristalina e pura, no mais esperado perfil da personagem!






O Telramund em Viena foi Jukka Rasilainen que vocalmente é muito, muito bom, foi um dos grandes de Bayreuth no passado, e o aspecto físico joga muito bem com o tipo de encenação de Viena. Embora em estilo e timbre vocal diferente de Thomas J. Mayer, foi estratosférico!



Em relação à Ortrud, Elena Zhidkova, em Viena, traz o estilo de Ortrud que eu mais gosto e como acho que a personagem deve ser: uma Ortrud que transparece, quer vocal quer fisicamente, mais a maldade do que a astúcia, ao estilo da preferida de Karajan, Dunja Vejzovic, de Evelyn Herlitzius ou de Petra Lang; Goerke é o contrário: transmite mais o cinismo e a manha. Talvez por isto eu tenha que dizer que o dueto Ortrud-Telramund no início do 2º acto em Viena foi melhor que o de Londres...



Nunca me senti tão feliz e preenchido numa produção Wagneriana como nestes dois Lohengrin. Aproximando-se disto só mesmo o Parsifal de Madrid em 2016 mas mesmo aí houve aspectos negativos ligeiros que nestas 2 récitas não houve. Mais perfeito que isto vai ser difícil nos próximos tempos.






Não sou tão radical como Christa Ludwig que, do alto dos seus 90 anos, afirmou que a ópera italiana não vale nada e que a alemã é que é boa, mas estas récitas reforçaram a minha paixão pela ópera alemã e neste génio que foi Wagner (inspirado por Weber ;).

Texto de wagner_fanatic


LOHENGRIN, Wiener Staatsoper, June 2018

Today's Lohengrin was absolute and perfectly brutal! A 2nd act of dying for dramatic intensity and musical power! It is inevitable to compare with the Lohengrin in London from 2 days ago and I can say this: both have completely different but excellent stagings - that of linear London, only transposed in the original time of the action, that of original Vienna but in the same style of not adding nothing new and also transported in the original time of the action; the direction of Nelsons can be said in some dramatically innovative passages but the one of Weigle, more by the book, was powerful, intense and lyrical; in both scenarios the orchestras were out of this world, producing a brutal Wagnerian sound and, for a change, without a single fault in the metals !!!

Both stagings with an interpretive link of reverence: London with the King of Zeppenfeld and Vienna with the King of Groissbock - both play a vocal and interpretive role in a character that I have always seen as secondary in opera. These are undoubtedly the top 2 Wagnerian basses of today and I feel a huge honor of having the opportunity to hear and see them (in Bayreuth I will come back to both - Zeppenfeld as Marke and Groissbock as Gurnemanz). What a great Wotan will be Groissbock in 2020 ...

Concerning the other singers, having all been to a star level, the London couple (with less age difference or less noticeable) was a small step above ... Robert Dean Smith keeps his voice as I have known it for several years and interprets Lohengrin with truthfulness and transparency of feeling, although it is a pot and, appearing in the 1st act with only a tunic, makes it difficult to believe the aesthetic of the role ... yet more dressed in the 2nd and 3rd acts remains a Wagnerian of elite (school of the past but elite).

Annett Dasch is very good singer and has been impeccable but the girl from London conveys a more innocent Elsa, a more crystalline and pure voice, in the most awaited profile of the character!

Telramund in Vienna was Jukka Rasilainen who vocally is very, very good. He was one of the greats of Bayreuth in the past, and the physical aspect plays very well with the type of staging of Vienna. Although in style and vocal tone different from Thomas J. Mayer, he was stratospheric!

Regarding Ortrud, Elena Zhidkova, in Vienna, brings the Ortrud style that I like the most and as I think the character should be: an Ortrud that transpires, both vocal and physically, more evil than cunning, in the favorite style of Karajan, Dunja Vejzovic, Evelyn Herlitzius or Petra Lang; Goerke is the opposite: she conveys more cynicism and mornings. Perhaps for this I have to say that the duet Ortrud-Telramund at the beginning of the 2nd act in Vienna was better than the one in London ...

I have never felt so happy and fulfilled in a Wagnerian production as in these two Lohengrin. Approaching this, only the Parsifal of Madrid in 2016 but even there there were slight negative aspects that in these 2 performances did not exist. More perfect than this will be difficult in the coming times.

I am not as radical as Christa Ludwig, who from the age of 90 said that Italian opera is not worth anything and that German is the good one, but these performances reinforced my passion for German opera and for this genius that was Wagner (inspired by Weber:-).

Text by wagner_fanatic

quarta-feira, 27 de junho de 2018

ALCINA, Theatro São Pedro / SP, Junho 2018



"ALCINA" E O BRANCO TOTAL RADIANTE NO THEATRO SÃO PEDRO. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.

Posso afirmar que o ser humano mudou drasticamente nos últimos vinte anos, o que dizer então de 283 anos quando estreou a ópera "Alcina" de Händel. O desafio de montar uma ópera concebida há tanto tempo é hercúleo. Ópera barroca tem tudo para desagradar ao público: a ação é lenta, as árias são longas, a duração é enorme para os tempos de celulares conectados 24 horas, as orquestras não tem experiência nesse estilo e é um desafio no Brasil conseguir solistas capacitados. 

Não é por acaso que o título ficou no arquivo morto por mais de duzentos anos. Foi relembrado por algum maluco no início do século XX. Devido ao grande soprano Joan Sutherland conseguiu voltar ao repertório de alguns teatros na segunda metade do século XX. "Alcina" está para Sutherland como "Medea" está para Maria Callas. Ambas desenterraram óperas esquecidas.

Händel era chegado a destacar os solistas em detrimento da ação. Queria impressionar o público da época com árias estonteantes para chamar a atenção. Devido a isso imperam os curtos recitativos e árias longas, uma atrás de outra, do começo ao fim. A mulherada gostava de uma fofoca e era permitido conversar à vontade. Quando digo público me refiro à aristocracia, que nos salões dos ricaços consumia esse tipo de arte. A plebe nem imaginava e mesmo que quisesse não teria acesso.

Claro que fiquei surpreso quando vi "Alcina" na temporada desse ano do Theatro São Pedro/SP. Ópera barroca é uma raridade por essas terras. A chance de acontecer uma lambança monumental era enorme, fazendo esse título a direção da casa sai da zona de conforto ao partir para empreitadas que rumam ao desconhecido.

Os acertos da produção do aconchegante teatro paulistano começam na escalação do elenco. Vozes de excelente nível. Marília Vargas esteve soberba, soprano com voz potente que enche a sala com volume encorpado e técnica de excelente nível. Uma Alcina inesquecível. Thayana Roverso já foi eleita por esse Blog revelação lírica do ano de 2012, os anos passaram e a voz amadureceu. Estonteante, agudos brilhantes unidos a um timbre de rara beleza como Morgana. Inebriante, o soprano mostrou beleza vocal unida a excelência cênica. Espero que os diretores que escalam elencos a chamem para outros papéis.


Marília Vargas como Alcina, foto Internet.

O contratenor David Feldman fez um Riggiero modesto, sua voz destoou dos colegas, agudos fracos em uma voz pequena. Carolina Faria foi uma surpresa, mostrou uma voz que exala um calor denso, quente e escura. Mezzo-soprano especializada em música brasileira colonial acertou em cheio como Bradamante.

A concepção é um soco no estômago: moderna, inovadora e antenada com o melhor do teatro mundial. William Pereira transporta a ação para um futuro distante sem tirar a essência da obra. Torna-os personagens frios, secos e sem vivacidade. Tenta dar dinâmica a um libreto lento, faz movimentações e explora todo o palco. Difere seres humanos pelo figurino: habitantes da ilha brancos e os forasteiros de escuro. O próprio diretor assina os cenários onde predomina o branco total radiante, a intensidade da luz faz o futuro aparecer na mente. O mundo futurista de William Pereira é a pureza do branco onde os habitantes são assépticos e desprovidos de males e doenças. Os forasteiros chegam para contaminar a imaculada ilha de Alcina e a ação começa. 

Algumas passagens lembram o filme "Guerra nas Estrelas", guerreiros com armas de luzes nas mão me fizeram imaginar que o Darth Vader apareceria para tirar satisfações com Luke Skywalker. William Pereira consegue modernizar um título composto há mais de duzentos anos dando uma dinâmica possível as cenas. O cenário sempre branco vai cansando no decorrer dos três atos, embora saibamos que os recursos financeiros escassos o obriguem a isso. 

Os figurinos de Fabio Namatame seguem a linha futurista dos habitantes da ilha e destoam dos forasteiros. Parecem ser de épocas diferentes com enorme discrepância entre ambos. A luz de Mirella Brande transporta a tempos futuros, acompanha a narrativa e mantém a unidade do início ao fim da apresentação. Utiliza cores em alguns pequenos trechos e espaços quebrando a sequencia branca.

A Orquestra do Theatro São Pedro regida por Luis Otavio Santos encarou com vigor a partitura, conseguiu bons acompanhamentos dos solistas. Em diversas passagens tocou sem a pegada barroca, parecia uma orquestra moderna tocando música antiga.

Ali Hassan Ayache

sexta-feira, 22 de junho de 2018

LOHENGRIN, Royal Opera House, Londres / London, Junho /June 2018


(review in English below)


O que se passou hoje aqui na Royal Opera House, Covent Garden, é indescritível (!!!) mas eu vou tentar: esta foi decididamente a MAIOR noite wagneriana da minha vida em Covent Garden e em qualquer outro lugar até ao momento! E acho que não peco se a considerar a melhor noite de Ópera da minha vida! A perfeição operática é rara mas existe e aflora-se em grande plano na nossa casa mãe, a ROH!



Tenho de realçar fortissimamente a jovem que substituiu a Opolais - Jennifer Davis - porque é a que de todos ainda não tem estatuto - é “um anjo na terra”, é a Elsa perfeita! Todos os outros estiveram acima do estatuto wagneriano que já tem!



A direção de Andris Nelsons é absolutamente genial - tudo o que saiu deste fosso foi estratosfericamente brutal -  o prelúdio: celestial, a alteração de pace que faz nas áreas de maior importância dramática e para realçar a beleza da linha melódica, por exemplo, no 2º acto, no final do dueto da Elsa e Ortrud! Mas não só... o final do 2º acto foi avassalador. E quando a orquestra se cala em “unisilêncio” e se houve só o órgão, sem um único pio do público, foi de arrepiar!!! É incomparável o sentido dramático que este homem tem! Surreal! E de pensar que deixou a produção do Parsifal em Bayreuth porque o Thielemann não o deixava fazer as coisas como ele queria... 

Na encenação está lá tudo, embora deslocada temporalmente. Na sua fidelidade ao texto e concepção, cor e dinâmica, reside a sua perfeição!

O Klaus Florian Vogt, o melhor papel que faz e que se adapta à sua maneira de cantar “menino de coro” é o Lohengrin. Gostei muito dele. Já o tinha ouvido no papel mas hoje, neste conjunto global perfeito, foi ainda mais fantástico.




O Thomas J. Mayer teve um ataque de tosse alérgica durante um dos períodos que estava em palco mas sempre que cantou esteve genial. Antes do 2º acto veio um da ROH pedir desculpas em nome dele mas que ia continuar em palco. E esteve perfeito! “Desculpas” só por ter cantado e interpretado tão bem que quase me dava um enfarte :)




A Christine Goerke foi uma Ortrud cínica e também com excelente desempenho vocal.



Isto é um Lohengrin que vai ficar na História da Royal Opera House e na História da Ópera para sempre! E cravado nas minhas memórias e no meu coração além da vida!




Texto de wagner_fanatic


LOHENGRIN, Royal Opera House, London, June 2018

What happened today at the Royal Opera House, Covent Garden, is indescribable (!!!) but I'll try to describe: this was decidedly the GREATEST Wagnerian night of my life in Covent Garden and anywhere else so far! And I think I do not fail if I consider it the best opera night of my life! The operatic perfection is rare but it exists and comes out in great detail in our mother house, the ROH!

I must emphasize very strongly the young lady who replaced Opolais - Jennifer Davis - because she is the one that does not yet have status – she is "an angel on earth", the perfect Elsa! All others were above the Wagnerian status they already have!

The musical direction of Andris Nelsons is absolutely brilliant - everything that came out of this pit was brutal - the celestial prelude, the alteration of pace that makes in the areas of greater dramatic importance and to enhance the beauty of the melodic line, for example, in the 2nd act, at the end of the duet of Elsa and Ortrud! But not only ... the end of the 2nd act was overwhelming. And when the orchestra is silent and if there was only the organ, without a single sound from the audience, it was a shiver!!! It is incomparable the dramatic sense that this man has! Surreal! And to think that he left the production of Parsifal in Bayreuth because Thielemann would not let him do things as he wanted...

In the staging is everything there, although temporarily displaced. In its fidelity to the text and conception, color and dynamics, lies its perfection!

Klaus Florian Vogt, the best role he plays is Lohengrin that adapts to his way of singing as a "chorus boy". I really liked him. I had heard him on the role but today, in this perfect global set, he was even more fantastic.

Thomas J. Mayer had an attack of allergic cough during one of the periods he was on stage but every time he sang he was great. Before the 2nd act came someone from ROH to apologize in his name but he was going to continue on stage. And he was perfect! "Excuses" just for having sung and interpreted so well that I almost had a heart attack :)

Christine Goerke was a cynical Ortrud and also with excellent vocal performance.

This is a Lohengrin that will stay in the History of the Royal Opera House and in the History of the Opera forever! And stuck in my memories and in my heart beyond life!

Text by wagner_fanatic