domingo, 22 de maio de 2011

DIE WALKÜRE – Met Live em HD, Fundação Gulbenkian, Maio de 2011 e METropolitan Opera, Nova Iorque, Abril de 2011



Esta Valquíria foi já aqui minuciosamente comentada pelo wagner_fanatic (recomendo vivamente a leitura do texto) e eu próprio escrevi algo sobre uma parte dela aqui. Contudo, na sequência de ter assistido a duas récitas ao vivo e agora à transmissão em HD, gostaria de fazer mais algumas considerações.



Como já referi, sou um grande apreciador de Wagner e sou também daqueles que acha que a ópera é para ver e não apenas para ouvir. Vem isto a propósito da encenação de Robert Lepage que considero muito inovadora, proporcionando efeitos cénicos espectaculares, sobretudo quando vistos no teatro. A casa de Hunding, a floresta, o rochedo e o efeito de ave vista de cima que a plataforma assume ocasionalmente, o que talvez procure antecipar a ideia do final dos deuses, simbolizando os corvos do Crepúsculo, como o wagner_fanatic referiu, são notáveis. Tudo isto perde impacto ou nem se vê na transmissão em HD. Em contrapartida, o que a transmissão em HD permite é a apreciação em pormenor da interpretação gestual das personagens.

Não altero uma linha sobre o que escrevi do Siegmund de Jonas Kaufmann. Gosto muito da sua voz baritonal que consegue um lirismo espantoso no registo agudo. É um daqueles casos raros em que basta ouvir poucos segundos para se identificar imediatamente o cantor. Kaufmann é criticado por alguns por ser bonito ou por “escurecer” artificialmente a voz. Pessoalmente acho que qualquer das críticas é bizarra. Não vejo nenhum inconveniente em um cantor ter boa figura, desde que cante bem, como é o caso. Se escurece artificialmente a voz não sei dizer, penso que o não fará pois as consequências deverão ser nefastas mas, se é verdade, fá-lo tão bem que o resultado final é excelente. A transmissão em HD foi-lhe desfavorável porque mostrou aspectos gestuais interpretativos que não foram evidentes no teatro. Para mim, repito, é um dos melhores da actualidade.


Também não modifico a opinião em relação à Siegliende de Eva-Maria Westbroek. Foi fabulosa tanto ao vivo como em HD. A voz é de invulgar qualidade. Cenicamente foi sempre muito credível e, nas cenas com Kaufmann, transportaram-nos para outra dimensão.



O baixo alemão Hans-Peter König foi um Hunding sólido, de voz poderosíssima e de belo timbre. Melhor seria impossível. Fantástico.


Stephanie Blythe como Fricka foi, talvez, a melhor intérprete vocal da récita. A voz é colossal e de expressividade invulgar. Quase faz tremer o chão do Met. Apesar de o trono ter empanado numa das récitas, foi verdadeiramente sensacional a sua intervenção.




O Wotan de Bryn Terfel foi muito favorecido na transmissão em HD, ou o cantor interpretou-o melhor. A voz pareceu muito maior que no teatro onde, ocasionalmente, era “afogada” pela orquestra. Tem um belo timbre,adaptado ao papel mas, apesar de ser um Deus, faltou-lhe mais “humanidade” na relação com a filha predilecta. Cenicamente esteve inexcedível e foi em HD que o seu desempenho foi mais perceptível. No final do 3º acto, na interpretação de um dos mais belos trechos musicais escritos pela mão humana, foi excepcional.




Deborah Voigt como Brünnhilde foi o elo menos forte de entre os cantores, apesar de também ter sido beneficiada pela transmissão em HD. A voz é, por vezes, excessivamente nasalada, mas não é qualquer uma que canta este papel. Ao vivo, no registo agudo, denotou grande esforço na emissão vocal, mas em HD não foi tão marcante. De qualquer forma, uma interpretação muito esforçada, séria e de qualidade.


Uma última palavra para as outras Valquírias. Para além do acidente em que, numa das récitas, uma caíu do “cavalo”, a qualidade vocal foi elevada e superior ao que tenho ouvido ultimamente.







Um espectáculo fabuloso, que veria mais três vezes, se tivesse a oportunidade!

*****




DIE WALKÜRE - Met Live in HD, Gulbenkian Foundation in May 2011 and the Metropolitan Opera, New York, April 2011


Die Valküre has been thoroughly commented on by wagner_fanatic here (I recommend the reading of the text) and I already wrote something on a piece of it here. However, after having attended two live performances and now the HD broadcast, I have some more considerations.

As I mentioned, I am a great admirer of Wagner and I am also among those who think that opera is to see and not just to listen. I mention it because of the staging by Robert Lepage. I consider it very innovative, offering spectacular scenic effects, especially when viewed in the theater. The house of Hunding, the forest, the cliff and the effect of a bird viewed from above that the “machine” assumes occasionally, which may try to anticipate the idea of the end of the Gods, symbolizing the crows in Götterdämmerung, as wagner_fanatic mentioned, are remarkable. All of this loses impact on HD broadcast. In contrast, the broadcast in HD allows the detailed observation of the gestual interpretation of the singers.

I do not change a word I wrote about Jonas Kaufmann as Siegmund. I do appreciate his baritonal voice, with a surprising beautiful lyricism in the high register. He's one of those rare cases that just a few seconds after listening to the voice that we immediately identify the singer. Kaufmann is criticized by some for being handsome or for "darken" his voice artificially. Personally I think both criticisms are bizarre. I see no objection to a singer to have a good figure, since he sings well, as is the case. If he artificially darkens the voice I can not tell, but I do not believe that because the consequences will be catastrophic. But if true, he does it so well that the end result is excellent.The HD transmission was not favourable for him because it showed some tricky gestures that were not evident in the theatre. For me, I repeat, he is one of the best at present times.

Nor do I change my opinion in relation to Eva-Maria Westbroek’s Siegliende. She was fabulous both live and in HD. The voice is of an unusual quality. Artistically she has always been very reliable and, in the scenes with Kaufmann, they transported us to another dimension.

Hunding by the German bass Hans-Peter König was a sound, powerful voice with a beautiful tone. Better would be impossible. He was fantastic.

Stephanie Blythe as Fricka was perhaps the best singer of the performance. The voice is huge and with an unusual expressiveness. She almost makes the floor of the Met vibrate. Despite the throne had a mechanical problem in one of the performances, she was truly amazing.

The Wotan of Bryn Terfel was much favoured in the HD broadcast or the artist sang it much better this time. The voice seemed much stronger than in the opera house where, occasionally, it was "drowned" by the orchestra. He has a beautiful timbre, well adapted to the role but, despite being a God, he lacked more "humanity" in relation to her beloved daughter. Artistically he was excellent and it was in HD transmition that we could really see that.. At the end of the 3rd act, in interpreting one of the most beautiful pieces of music ever written by human hand, he was excellent.

Deborah Voigt as Brünnhilde was the less strong link among the singers, though she has also been favoured by the HD broadcast. The voice sounds, sometimes, too “nasal” but it is not just anyone who sings this role. Live, in the top register, she denoted great effort in vocal expression but in HD that was not so remarkable. Anyway, she had a very hardworking decent and high quality performance.

One last word about the other Valkyries. Apart from the accident in one of the performances where one has fallen from the "horse", the voices were of high quality, and superior to what I have heard lately.

A fabulous performance, which I would see three more times if I had the opportunity!

*****

9 comentários:

  1. Obrigado pela sua apreciação e precisa comparação com a perspectiva ao vivo , no Lincoln Center no mês de Abril. Concordo plenamente com os comentários. Um espectaculo memorável. As duas perspectivas : live e HD são bem diferentes. O excesso dos "close ups" permite seguir melhor a acção e favorece certos momentos , como o "anuncio da morte" e a "cavalgada das Walkirias" para citar dois. Desfavoreceu Kaufmmann e Westbroek nos momentos de maior exaltação ( saliva exagerada , boca aberta e distorcida ). São pormenores. A transmissão HD ao fazer perder a noção do todo teatral desfavorece Lepage em certas cenas , mas no meu dia em NY (25) a " Máquina " fez muito ruido no final do III Acto , agora disfarçado no filme. A questão que se levanta : a filmagem depende dos cameramen e não de Lepage, que não está presente ? Ao procurar os melhores angulos pode afectar a " visão " do canadiano , que tecnicamente é um grande inovador. (The Wagner Journal volume 3 nº 1 2011)

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  2. Estou totalmente de acordo com o que li! Foi deslumbrante, o par de gémeos esteve a 100%, há ali uma química qualquer que me lembrou a química de certos pares emblemáticos no grande ecrã. Musicalmente, foram arrasadores... aliás, o primeiro acto impressionou-me mesmo.
    Stephanie Blyte foi colossal, a máquina de Lepage é um brinquedo comparado com esta cantora!
    Terfel esteve excelente, e ainda acho que pode vir a melhorar, principalmente na parte dramática. A complexidade de Wotan ainda não transparece completamente...
    H. Peter Konig (Hunding) foi perfeito, não foi o estereótipo de maldade do costume, acho que inovou a caracterização da personagem...
    Voigt não convenceu, nem musicalmente nem do ponto de vista de criação da personagem de Brunhilde. Há uma humanidade qualquer em Brunhilde que lhe escapou...
    A encenação, desta vez convenceu-me, principalmente no final do 3.º Acto. Gostei mais deste guarda-roupa, no global, do que do de Rheingold. A direcção musical este nos píncaros do melhor que há.
    Foi um grande espectáculo, sem dúvida!!!

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  3. Amigos Fanáticos,

    Estou de volta de minha temporada na Europa onde, conforme estava planejado, assisti récitas de Tosca (na Bastille, Paris) e Don Giovanni (Vienna, Staatsoper).

    Alem disso, tive oportunidade de assistir um concerto da Filarmônica de Berlim na Philarmonie, (com regência do Abbado e paricipação sublime da Soprano Anna Prohaska) e de uma récita da Ópera Farnace, de Vivaldi (Landestheater, Salzburgo).

    Como havia conversado com vocês anteriormente, gostaria de escrever artigos sobre as récitas que assisti. Gostaria que vocês me informassem um email para que eu envie os artigos. Segue o meu: evieira@infolink.com.br

    Fico no aguardo de uma resposta de vocês.

    Sobre a Valquíria, infelizmente não tive condições de assistir, mas queria registrar que concordo em gênero, número e grau com o que você disse sobre o final do terceiro ato.

    Sds,

    Eduardo

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  4. Obrigado por mais esta opinião, caro FanaticoUm. Resigno-me à gravação do som dessa mesma récita, na esperança de que qualquer dia alguém resolva mostrá-la outra vez. Nem pude ir ver "O Chapéu de Palha".

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  5. @ Miguel Moura

    Muito obrigado pelo comentário. Estou de acordo com tudo o que refere. Nas duas récitas a que assiti ao vivo a "máquina" fez muito ruido em vários momentos, o que quebrava a concentração.
    A questão da filmagem que levanta é muito interessante. Pessoalmente acho que todos ganharíamos (incluindo os cantores) se os "close ups" não fossem tão explícitos. Chegam a ser impiedosos com os cantores porque mostram pormenores como os que referiu (saliva excessiva, olhares bizarros, bocas torcidas pelo canto, borbulhas) que em nada beneficiam o espectáculo.


    @ Elsa Mendes,

    Foi, de facto, um espectáculo deslumbrante. E fez muito bem em referir a direcção musical de excepção do Maestro Levine que, por omissão, não referi.


    @ Eduardo Vieira

    Brevemente surgirão notícias.

    @ Paulo,

    Foi uma pena não ter podido assistir. Mas poderá surgir uma nova oportunidade para a Valkiria, estou certo (e eu lá estarei novamente!).
    E o "Chapéu de Palha" foi uma agradável surpresa, salvaguardadas as devidas distâncias, claro.

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  6. Estou atrasado no meu comentário mas vamos então começar :)

    Na minha opinião, e após ter visto ao vivo esta produção como sabem, continuo a achar que Lepage fez um trabalho notável. Ao vivo, a encenação tem grande impacto, marcado apenas por algum ruído na movimentação das estruturas. Pelo MetLive ganha em alguns pormenores, pela possibilidade dos ângulos de câmara, mas perde ao se verem as rodinhas da plataforma e, por vezes, se terem visto também os técnicos da mesma. Acho que Lepage devia melhorar um pouco o revestimento do palco porque, pelo menos ao vivo, se notava algum desleixe, sendo visível alçapões, etc.

    Levine espectacular e o som do MetLive é inigualável. Nem ao vivo se consegue tanta potência wagneriana. Ao me dirigir para casa, a música ainda ecoava nos meus timpanos...

    A grande estrela, para mim, desta transmissão, e que me tinha deixado um pouco desiludido ao vivo, foi Bryn Terfel. Esteve muito melhor que nas duas récitas e, talvez pelos planos dados pelas câmaras, a referida dureza de sentimento em relação a Brunnhilde foi menor e o sentimento de luta interior pela necessidade de castigar a filha que mais ama esteve presente. Mas ele próprio o disse na entrevista: há noites em que pode sair no final e congratular-se mas há outras em que pensa que pode fazer melhor. Hoje esteve melhor que quando o vi ao vivo (o seu Nimm den Eid!" foi fantástico e o seu "Geh!" foi aterrador!). Mas ainda pode ser melhor.

    Eva-Maria Westbroek, Stephanie Blythe e Hans-Peter Konig estiveram fantásticos e insuperáveis. Ao mesmo nível das récitas ao vivo.

    Deborah Voigt pareceu-me melhor vocalmente. Agudos menos estridentes e feios mas há melhores no papel. Contudo, não foi desagradável a sua prestação e as suas expressões foram tudo menos artificiais.

    Agora Kaufmann... Regrediu em relação ao que fez a 28 de Abril. Tem momentos em que tudo se combina bem (voz, sentimento, postura) mas há outras onde parece declamar o que canta, desprovido de qualquer carácter, com movimentos e expressões faciais que são tão amorfas que não me transmitem qualquer emoção. Comparo muito vocalmente Kaufmann a James King mas este vibra na gravação de Bohm, talvez a melhor Die Walkure em disco. Ainda lhe falta muito para ser um Siegmund para a história. Eu não estou a dizer que Kaufmann canta mal (e reforço isto principalmente para o FanaticoUm...) mas um cantor tem de ser completo para ser excelente no papel que interpreta. E Kaufmann ainda não o é como Siegmund. Ele próprio diz que não se vê ou que quer ser visto como cantor wagneriano. E é isso, não o é! Trazer o calor da linha melódica da opera romântica italiana para Wagner, o legato sentimental, para o primeiro acto de Die Walkure é essencial e todos o procuram fazer mas Kaufmann ainda não é capaz de o fazer. Quando vi Domingo a entrevistá-lo... que vontade que trocassem papéis. Domingo entrevisou Eva-Maria e Kaufmann com mais emoção em cada palavra do que Kaufmann foi capaz de nos transmitir em palco. Esse sim foi um grande Siegmund e que prazer tive de o ouvir ao vivo, embora já em "final de carreira" no papel. Como é que Kaufmann consegue dizer a Sieglinde que vai esperar por Hunding de forma tão pouco firme, arrastando a linha melódica como se estivesse a desmaiar... como é que consegue agarrar Notung ainda espetada na árvore, e olhar para o infinito com tal indiferença. Falta-lhe movimento, expressividade...

    AAAAAAHHHHHH!!!!! Volta Domingo!!!!!

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  7. Continuo a achar piada vocês (digo no plural porque é comum a vários Blogues) compararem transmissões em HD AMPLIFICADAS! Com recitas ao vivo e a cores! Como se tivesse alguma coisa uma a ver com a outra. "Ah, os cantores nunca ficam abafados nas transmissões em directo" Também era melhor raios, com a fortuna que o MET gasta nestas transmissões!!!! A Esta altura do campeonato já deviam ter aprendido caramba!

    Que irritação comparar alhos com bugalhos!

    Anonimo4398503485038409583094589.34

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  8. Caro Anónimo,

    Como diz, "comparar alhos com bugalhos" não é tão disparatado como faz crer, até porque alguns cantores são beneficiados, outros prejudicados. Isso mesmo pode ler no texto e nos comentários a este "post".
    Devo dizer-lhe que o facto de termos tido o privilégio, pela primeira vez este ano, de assistir às transmissões do Met Live, foi um (mais um!) presente cultural enorme que a Fundação Gulbenkian nos ofereceu!
    Eu, que tive o privilégio de assistir a várias óperas ao vivo no Met e depois na transmissão em HD na Gulbenkian, devo dizer-lhe que nada se compara com a apreciação das récitas ao vivo no teatro, mas as transmissões em HD são de elevada qualidade e permitem-nos apreciar pormenores que, ao vivo, não são tão claramente perceptíveis.
    Se tiver oportunidade, continuarei a ver ambas!

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