Quando o chapéu não é, de todo, um barrete!
Il Cappello di Paglia di Firenze é uma ópera de Nino Rota, com libretto de Nino e Ernesto Rota, baseado na peça Le chapeau de paille d'Italie de Eugène Labiche e Marc Michel.
Como introdução à obra, transcrevo o texto de Pedro Russo Moreira que se encontra no “site” do Teatro Nacional de São Carlos:
O nome de Nino Rota está associado à composição musical para cinema na Itália do pós-guerra, sobretudo com as parcerias efectuadas com Federico Fellini.
A sua produção musical abarcou, no entanto, vários géneros musicais apresentados desde a sala de concertos ao teatro de ópera, marcados por uma estética e processos de composição ecléticos.
Nino Rota iniciou a composição da farsa em quatro actos, Il cappello di paglia di Firenze, em 1945, terminando apenas em 1955 devido à pressão exercida por Simone Cuccia, director do Teatro Massimo em Palermo. A estreia da ópera foi um sucesso estrondoso e imediato, tendo circulado por toda a Itália e estrangeiro, recebendo sempre boas críticas.
O enredo assenta num episódio cómico, centrado na personagem Fadinard, um jovem nubente que, no dia da sua boda com a amada Elena, se vê aflito porque o seu cavalo comeu o chapéu de palha de Anaide enquanto esta se encontrava com o amante Emilio. Receosa de que seu marido, Sr. Beaupertuis desconfiasse, exigiu um chapéu igual. Fadinard inicia a busca, que o leva à casa da baronesa de Champigny, onde vários mal entendidos o conduzem à residência da Sra. Beaupertuis, que descobre ser Anaide, colocando em risco a sua boda. Tudo termina bem quando o tio surdo do protagonista lhe oferece como prenda de casamento um chapéu de palha, salvando a boda.
Destaca-se desta farsa a habilidade no tratamento da instrumentação e o sentido dramatúrgico do compositor e co-autor do libreto, conseguindo um equilíbrio entre o dinamismo e unidade que se apoia numa estrutura que evoca o vaudeville, a ópera buffa e a opereta.
(fotografias do Facebook e do programa do Teatro de São Carlos)
Com direcção musical João Paulo Santos, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, encenação de Fernando Gomes, cenografia de João Mendes Ribeiro, figurinos de Rafaela Mapril e desenho de luz de Paulo Sabino, assistimos a uma nova produção do Teatro Nacional de São Carlos de qualidade muito acima da mediania.
Não estamos perante um grande vulto da composição operática mas o espectáculo que nos foi apresentado é despretensioso mas de inegável qualidade, onde tudo funcionou bem. A música é de audição agradável, a encenação é simples mas eficaz, o jogo de luzes estupendo, o guarda roupa fantástico e as interpretações muito boas.
Estamos perante um caso de uma ópera que é para ouvir mas também para ver. Penso que será transmitida na Antena 2 na próxima quarta-feira, mas quem ouvir vai perder muito porque as múltiplas cenas cómicas, bem interpretadas, eficazes e de bom gosto, vão passar completamente ao lado. A troca de sapatos e os percalços finais com o chapéu de palha foram verdadeiramente hilariantes.
Os intérpretes principais foram o tenor Mário João Alves como Fadinard , o soprano Dora Rodrigues como Anaide, o barítono José Fardilha como Nonacourt , o barítono Luís Rodrigues como Beaupertuis , o mezzo Maria Luísa de Freitas como Baronesa de Champigny, o tenor Carlos Guilherme como Vezinet e o soprano Lara Martins como Elena.
Qualitativamente houve interpretações vocais diversas mas, ao contrário do que é hábito, não vou fazer um pequeno comentário sobre cada um deles porque o espectáculo valeu como um todo e como tudo se articulou bem.
Mas não posso deixar de salientar a interpretação superior de José Fardilha, claramente o melhor cantor em palco, que nos ofereceu um barítono cheio e de beleza tímbrica assinalável.
A sala estava com muitos lugares vazios (talvez pouco menos de metade).
É uma pena mas mostra que o público ainda não se reconciliou com o São Carlos, fruto dos muitos espectáculos deploráveis da ruinosa direcção artística de Dammann, alguns dos quais restaram ainda para a presente temporada.
Martin André tem a obrigação de recuperar o público, imprimindo à programação um rumo diferente e, na minha opinião, incluindo um número interessante de óperas “populares”, a par de outras que compete ao único teatro nacional de ópera divulgar.
A presente produção é a prova de que, com restrições orçamentais, se consegue fazer um espectáculo de inegável qualidade (já o mesmo tinha acontecido com o “Banksters”), assim haja engenho e arte.
Se quiser passar uma tarde ou noite divertida e assistir a um espectáculo muito engraçado, não deixe de ir ao São Carlos ver o Chapéu de Palha de Itália..
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Teatro de São Carlos olha óptimo.
ResponderEliminarUma ópera com elenco totalmente português, um maestro português, um encenador português, uma figurinista portuguesa...enfim, tudo "tuga", e ainda por cima revelar-se uma produção interessante e de "inegável qualidade"!? Bom, das duas uma, ou os "tugas" realmente conseguem fazer melhor do que qualquer "estranja" de nome exótico (...que porventura alguém conheceu algures na Grécia!) ou então o halo solar de Fátima poisou no TNSC e nesse caso estamos perante mais um milagre! Eu como não acredito em milagres...
ResponderEliminarCaro Anónimo,
ResponderEliminarNão sei se já teve oportunidade de ver o espectáculo e se partilha a minha opinião. Nós, portugueses, somos capazes do pior, mas também do melhor, ao nível do que de melhor se faz por esse mundo fora (o que nos falta é a qualidade de topo nos intérpretes, mas isso é expectável na situação actual até porque, no estrangeiro, também se ouvem com frequência intérpretes muito maus).
Como escrevi, sendo uma ópera sem grandes ambições, achei o espectáculo muito agradável e divertido. Recomendo-o. E, como poderá ver pelo blogue, já assisti a um bom par de espectáculos de ópera por aí, sendo-me mais fácil a comparação.
Se porventura aos bons cantores portugueses fossem dadas as oportunidades que já foram dadas a medíocres cantores estrangeiros no TNSC, talvez o nível qualitativo dos cantores portugueses fosse sendo cada vez melhor. Já assisti a este espectáculo e coloco-o num dos melhores das últimas temporadas, e fiquei particularmente satisfeito pelo facto de ser absolutamente uma produção nacional, e tal como nas bolachas, o que é nacional provou, neste caso, ser bom!
ResponderEliminarCaro Anónimo,
ResponderEliminarNão posso estar mais de acordo com o que afirma em relação a muitos cantores estrangeiros (de qualidade mais que duvidosa) no TNSC! Já o escrevi anteriormente neste blogue (por exemplo no "post" em que comentei a presente temporada do TNSC.
What a surprise! An opera by Nino Rota! I don't remember when this opera has been staged in Germany. The story seems to be interesting and I hope to see this opera someday.
ResponderEliminarCaro Fanático, fiquei com vontade de ver " O Chapéu ". A sua descrição me transportou para o teatro, e apesar das ressalvas, nota-se que vale a pena ir para se distrair, curtir como entretenimento...
ResponderEliminarExcelente!
Um abraço do Brasil
Bem Fanatico,
ResponderEliminareu desde que a temporada saiu, que queria muito ver esta ópera, uma vez que gosto muito da obra do Nino e estava curioso para ver o seu trabalho em ópera. Infelizmente para mim, nao estou em Portugal. Fico contente por ter sido positivo. Felizmente, encontrei uma versao na integra no youtube hehe pena é nao estar legendado. Tenho de Arranjar um libretto!
@ lotus-eater,
ResponderEliminarIt is a funny opera and the portuguese production was quite successfull. If you hanve the chance to see this opera, see it.
@ António Machado
Caro Mestre,
É outra forma de arte que vale a pena ver, se tiver essa oportunidade.
@ blogger,
Ora seja bem vindo a este blogue! Uma possibilidade de obter o libretto é pedir a alguém que compre um programa no São Carlos e lho envie para Angola. Só não me ofereço para o fazer porque já estou fora de Lisboa, mas se conhecer alguém que se disponha a isso, seria uma hipótese. Outra é procurar na internet, algo no qual não sou muito habilidoso!
Cumprimentos para esse país fantástico onde vivi na minha infância e adolescência.
Estamos de acordo!
ResponderEliminarJá partilhei a vossa crítica no Face, há por lá uns melómanos dispersos, mas interessados. Tenho pena de não poder ir ver a ópera de Nino Rita, tinha bilhete e interessava-me imenso, mas coincidia com a «récita» da Gulbenkian e não não vou perder Wagner em diferido por nada deste mundo, portanto...
ResponderEliminarObrigada pelo artigo, é sempre muito bom ler as vossas impressões!!!
@ Elsa
ResponderEliminarTambém eu tinha bilhete coincidente com a Gulbenkian (penso que ambos temos a assinatura da 1ª tarde, por vezes única, no São Carlos). Quando percebi que era coincidente com a Valquíria do Met Live na Gulbenkian que, de todo, não quero perder, fui ao São Carlos trocar os bilhetes por outra récita (calhou ser mais cedo) e não houve nenhum problema. De futuro (dado que agora já é tarde), considere esta possibilidade.
Garanto-lhe que, na Gulbenkian, vai ter (ou melhor, vamos ter) um espectáculo soberbo!
Caro FanaticoUm,
ResponderEliminarFiquei com curiosidade na obra e na produção. Às vezes, de onde menos esperamos, recebemos um espectáculo que nos agrada e faz valer o tempo e dinheiro investidos.
Neste momento, aguardo com alguma curiosidade o que a nova temporada do São Carlos nos vai trazer. Se se aproveitassem os talentos nacionais mas se se levasse ao palco produções de óperas conhecidas já não era nada mau. É assim que funcionam muitos dos teatros "menores" da Europa...
Caro wagner_fanatic,
ResponderEliminarÉ bem verdade o que diz. Apesar de só termos um teatro nacional de ópera, para recuperar o público e voltarmos a ter espectáculos de qualidade, como este, nos tempos difíceis que vivemos, há três ou quatro premissas que considero essenciais:
- convidar as pessoas certas e portuguesas para as produções (como neste ""Chapéu de Palha" e no "Banksters") e não estrangeiros de qualidade muito duvidosa, como infelizmente aconteceu nos últimos anos com os resultados que conhecemos.
- investir em óperas "populares", do agrado do grande público, introduzindo, por temporada, uma ou duas das desconhecidas para a grande maioria dos espectadores que pagam os bilhetes.
- dar condições aos músicos (instrumentistas e cantores) nacionais, pelo menos idênticas às que são dadas aos estrangeiros (de qualidade muito duvidosa ultimamente) que cantam no TNSC.
- ocasionalmente (de acordo com o orçamento disponível) trazer um elenco internacional de qualidade (e não as desgraças que nos têm sido impostas nos últimos tempos).
Foi vê-la ontem. Que tarde bem passada! E uma produção 100% portuguesa! Sonho com um teatro só para artistas portugueses. No São Carlos nem todos podem ser vistos.
ResponderEliminar@ Daniel
ResponderEliminarÉ verdade, uma produção 100% portuguesa que nos mostra que, escolhidas as pessoas certas, podemos ter espectáculos de qualidade, mesmo em período de restirções.
Se a política mudar, no São Carlos poderão ser vistos muitos dos portugueses de qualidade e há que dar oportunidades aos mais novos. Também acho que, ocasionalmente, um elenco internacional de qualidade não fará mal a ninguém.
O que é lamentável é o investimento em cantores estrangeiros mediocres ou maus (em detrimento dos portugueses), uma pecha que vem da gestão Dammann e, infelizmente, parece não ter sido ultrapassada.