(review in English
below)
A música é uma arte que nos pode suscitar o
mais alargado espectro de sentimentos e que nos envolve numa espécie de amplexo
físico poderoso e petrificante. É, no fundo, a arte sublime do assombro!
E o espectáculo — aliás, os espectáculos — que David
Afkham e a Orquestra Juvenil Gustav Mahler nos proporcionou foi, sem
sombra para dúvidas, um estrondo assombroso. Magnífico!
O Crepúsculo dos Deuses é mais uma obra do
compositor alemão Richard Wagner que nos transporta para momentos de
exaltação. A qualidade da composição é divina. E a sala da Gulbenkian com vista
para o jardim no crepúsculo foi o ambiente ideal para ouvir mais uma interpretação
wagneriana de qualidade irreprimível.
Realmente, o único elemento menos bem foi o
soprano Iréne Theorin: uma vez mais, teve enormes dificuldades em
projectar a voz de modo audível nos tons mais graves e, quando se lhe pediam
agudos, chegou a dá-los gritados… Uma pena!
A Sinfonia n.º 7, em Dó maior, op. 60
"Leningrado" é uma obra sinfónica de Dmitri Shostakovitch,
provavelmente o último grande sinfonista da história da música. Não conhecer a
sua obra, ou desprezá-la pela sua contemporaneidade, significa não só um erro,
como, o que é pior!, uma irreparável perda.
A interpretação que ouvimos foi brilhante! O
primeiro andamento — Andante — revela-nos o "tema da invasão"
que tem um ostinato que se inicia com um pizzicato muito suave
nas cordas e que é um crescendo marcial impressionantemente poderoso que
termina num clímax apoteótico e destruidor: podemos dizer que o estrondo sonoro
é tal que não cremos ser possível que alguém se consiga levantar da cadeira, de
tal modo forte é a mão que Shostakovich impõe sobre a nossa cabeça e nos
subjuga ao lugar de espectador incrédulo! E toda a composição é de uma beleza e
poderio extraordinários. Para ouvir e reouvir.
Uma palavra muito especial a David Afkham: este maestro alemão
é soberbo. Está já num nível estratosférico: nunca sentimos a presença de um
maestro tão vibrante e sedutoramente transmissor de música. Funde-se totalmente
com a orquestra e, mesmo nos momentos mais poderosamente caóticos, o som nunca
entra numa espiral de distorção e vem sempre carregado de um brilho e precisão
quase impensáveis. Qualquer descrição diminui a sua qualidade: David Afkham
apresenta-se e dá-se a conhecer ouvindo-o. Arrasador! BRAVO!
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(review in English)
Music is an art that can raise a
broader spectrum of feelings and takes us to a kind of embrace powerful and
petrifying. It is, in the end, the sublime art of wonder!
And the concert - in fact, the concerts
- David Afkham and the Gustav Mahler Youth Orchestra gave us was,
without a shade of doubt, incredibly amazing. Magnificent!
The Gotterdammrung is another Richard
Wagner’s work that transports us to moments of exaltation. The quality of
the composition is divine. And the Gulbenkian room overlooking the garden at
dusk was the perfect environment to listen to an Wagnerian interpretation of an
irrepressible quality.
Really, the only element less
well was the soprano Irene Theorin:
once again, she had great difficulty in projecting the voice audibly in low tones
and sharp when she was told, came to give them screaming ... What a pity!
Symphony no. No. 7 in C major, op. 60 "Leningrad" is a symphonic work of Dmitri
Shostakovich, probably the last great symphonist of music history. Not
knowing his work or despise it for its contemporary, means not only a mistake,
but, what is worse!, an irreparable loss.
The interpretation we heard was
brilliant! The first movement - Andante - reveals the "invasion
theme" which has an ostinato that begins with a very soft pizzicato in the
strings and it is a martial crescendo impressively powerful that ends in a apotheotic
climax. We can say that the amount of sound is such that we do not believe it
possible that someone can raise the chair, so strong is the hand that Shostakovich
imposes on our head and overwhelms us to the our spectator’s seat! And the
whole composition is of extraordinary beauty and power. It is to hear and hear
again.
A very special word to David Afkham: This German conductor is
superb. He has a stratospheric level yet. We never felt the presence of a
conductor as vibrant and seductively transmitter of music. He merges seamlessly
with the orchestra, and even in the most powerfully chaotic moments, the sound
never goes into a spiral of distortion and it is always full of a brightness
and precision almost unthinkable. Any description diminishes his quality: David
Afkham shows up and gives himself to be known by listening him conducting. Astonishing!
Bravo!
Obrigado por este excelente texto!
ResponderEliminarTambém assisti, sentado ao centro mesmo à frente. Naquele lugar ouvi quase sempre o soprano, mas foi fácil perceber que não deveria ser audível por toda a sala. Também aquela orquestra, em cima do palco, não lhe facilitou a tarefa. Uma pena não ter estado ao nível da orquestra e do maestro.
Estava presente na assistência o soprano Elisabete Matos. Tivesse sido ela a cantar (a Isolde e a Brünnhilde) e a qualidade das obras de Wagner teria sido outra!
Estou totalmente de acordo consigo em relação à 7ª Sinfonia de Shostakovich, ao desempenho da orquestra e à qualidade superlativa de Afkham. Estive sentado a poucos metros do maestro e foi um prazer apreciar a elegância com que dirigiu a orquestra. Fabuloso!
Caro camo_opera,
ResponderEliminarNão tive a oportunidade de assistir a estes dois concertos da Gulbenkian, apesar de terem, no programa, passagens de obra do meu compositor favorito. Tinha alguma curiosidade em ouvir Iréne Theorin mas parece-me que não esteve como esperado, não foi? Resta saber se foi por fraqueza de projecção ou se por potência orquestral.
Depois de o ouvir dizer que a 7ª de Shostakovich era fantástica, decidi desembrulhar, numa postura já menos defensiva, uma interpretação que guardava na minha estante (adquirida numa das promoções da amazon há mais de um ano) com a direcção de Leonard Bernstein. É realmente uma obra de excelente qualidade. Obrigado por me dar a conhecer tal obra e parabéns pelas fantásticas críticas. Espero que os excertos wagnerianos tenham aberto ainda mais a sua curiosidade para Wagner :)
Wow! Thank you for the review. As I continue to learn more, this opens new doors.
ResponderEliminarIréne Theorin é, para mim, um mistério. A primeira vez que a ouvi foi na Brünnhilde, em Die Walküre, na Sächsische Staatsoper Dresden (Semperoper), em Janeiro de 2008. Sendo a Ópera de Dresden uma das mais conceituadas e prestigiadas da Alemanha (e todos sabemos o que isso significa!), e com uma especial tradição de excelência em Strauss e Wagner, perguntei-me o que estaria semelhante cantora a fazer naquela casa e logo no papel título de tal obra. Foi muito, muito fraca, para não dizer péssima. Tal como a maioria dos “posters” deste blog, também gosto de me sentar o mais próximo e o mais ao centro possível do palco ou do fosso da orquestra. Pois bem, sentado que estava na segunda fila ao centro, praticamente não a ouvi. Durante os primeiro e segundo actos, pensei que se estivesse a guardar para a sua central intervenção no terceiro. Chegado a este, logo percebi no começo da longa cena com Wotan que a qualidade e a potência não iriam mudar. Como o timbre não é especialmente bonito, não se aproveitou nada. Uma desgraça.
ResponderEliminarVolvido mais de um ano, em Agosto de 2009, ouvi-a em Bayreuth, na Isolde. Foi a Isolde mais fraca que ouvi até hoje. Fiquei pasmado quando verifiquei que iria repetir o papel em Bayreuth – e assim aconteceu – dois anos depois, no verão de 2011.
Para finalizar, ouvi-a na Kundry, na ENO, em Março de 2011 e apenas tenho a dizer que quanto menos adjectivar esta produção e o canto de Iréne Theorin, melhor. Assim, logo que vi o nome dela nestes dois concertos, decidi não ir. Um verdadeiro caso de “can't wait to miss it”.
O que mais me espanta é, porém, o que se segue. Como todos nós por aqui sabemos, os repertórios 2012/2013 estão praticamente todos cá fora, com algumas excepções pouco significativas. Pois bem, esta rapariga vai passar a temporada a cantar em todo o lado. Só para se ter uma ideia, e a título meramente exemplificativo, não só vai cantar o papel titular na Turandot (!) no Met e na Opera da Baviera, como é a escolhida de Barenboim para cantar TODA a Brunhilde - na Valquíria, no Siegfried e no Crepúsculo (!) - no ciclo da Staatsoper Berlin! Estarão doidos?? Eu, que já ando afanosamente a comparar e a escolher ( e logo que seja possível, a comprar) os ciclos do Anel para a próxima grande temporada Wagneriana, posso garantir-vos uma coisa: não me apanham neste!
Abraço a todos.
Fanático anónimo
@ Fanático anónimo,
ResponderEliminarEstou de acordo com os seus comentários. Ouvi Iréne Theorin no Anel de Copenhaga há já alguns anos (penso que 2006) e, aí, não esteva mal. Mas, como escrevi, achei as suas interpretações na Gulbenkian fracas. E já tinha uma reserva para o Anel da Staatsoper de Berlim do Barenboim (sim, na primeira fila) mas acabei por cancelar a reserva depois de a ouvir na Gulbenkian. O investimento é muito grande e com uma Brünnhilde assim não se justifica.
Continuamos a aguardar os seus comentários prometidos, para que todos nós, leitores deste blogue, possamos saber algo mais do que se vai vendo e ouvindo por aí.
Cumprimentos musicais.
Caros:
ResponderEliminarFanático_Um: Que bom que teria sido uma subtituição de última hora para Elisabete Matos. Mas, infelizmente, isso não foi possível. Quanto ao ciclo do Anel com Theorin em Berlim: depois da amostra (suficientemente grande e... desagradável) que tivemos na FCG, ir gastar uma fortuna para sair de lá não só decepcionado, como irritado, não vale a pena.
Wagner_fanatic: Ainda bem que ficou a conhecer a Leningrado. A gravação de Bernstein é magnífica, pelo que é óptima para uma primeira audição. Quanto ao soprano: a falha é, sem dúvida, dele e não da orquestra. Essa esteve magnífica e, garanto-lhe!, foi uma perda enorme não ter visto e ouvido Afkham na direcção. Continuo a pensar na música magnífica que ele nos deu. Temos maestro!
JJ: You must open the door to Shostakovich symphonies. Try to listen 5th, 7th, 10th and 11th. They are all fantastic. I like Shostakovich music very much and, for me, his was one of the best composers of 20th century. And David Afkham is a name to remember: I think we will hear a lot about him in the near future!
Anónimo: O seu comentário é mais do que ilustrativo do que se passou entre nós na FCG. No primeiro dia já a achei péssima, mas ainda fui para o segundo com a esperança (muito ténue, é verdade!) de que melhorasse um pouco e tivesse tido um (vá lá) dia mau. E realmente, há, por vezes, escolhas incompreensíveis de determinadas casas de ópera: Theorin não será um bom soprano para nenhum Anel de qualidade. E como Turandot deve ser, igualmente, um horror: será o equivalente ao segundo verso da ária "In questa reggia"...
Cumprimentos
@ Fanático_UM:
ResponderEliminarObrigado por relembrar e impulsionar a minha prometida participação. A razão pela qual não enviei fosse o que fosse é simples. Gostaria de divulgar récitas e momentos de grande qualidade, momentos que nos fizessem vibrar enquanto melómanos. E não tem sido esse o caso. A Poppea de Lille foi bastante decepcionante. Na minha opinião, Emmanuelle Haïm, embora goze hoje em dia quer de excelente reputação como especialista de música “antiga” e de barroco, quer de grande sucesso comercial, está ainda muito longe da excelência e da mestria de nomes como Harnoncourt, Jacobs, Gardiner, W. Christie, A. Curtis, M Minkowski, etc. A direcção musical foi caracterizada por um irritantíssimo “pára-arranca” na tentativa de criar expressividade e de sublinhar a resolução melódica e o drama. O resultado final foi a perda quase total da inacreditável beleza sufocante da partitura de Monteverdi. A técnica poderá resultar em Händel ou Vivaldi mas em Monteverdi é um pavor. Por outro lado, no que toca aos intérpretes, apenas gostei – e medianamente – de Sonya Yoncheva (Poppea) e de Ann Hallenberg (Ottavia). Sendo esta uma das minhas 5 obras musicais favoritas, saí desiludido. Duas estrelas e meia em cinco.
Pior ainda foi o Parsifal de Lyon. A produção de François Girard, que transitará na próxima temporada para o Met e que será transmitida em HD a 2 de Março de 2013, tem a única vantagem de não ser ofensiva, o que nos tempos que correm já é alguma coisa. O Parsifal de Nikolai Schukoff foi bom, sem ser espectacular. O mesmo digo do Gurnemanz de Georg Zeppenfeld. Infelizmente, o recomendável fica-se por aqui. Os restantes cantores foram meramente sofríveis. E a direcção musical de Kazushi Ono foi deficientíssima. O som da orquestra foi abafado, confuso, pouco límpido, os motivos mal enunciados, as várias linhas melódicas frequentemente indiferenciadas. A cidade de Lyon não ouvia um Parsifal há 35 anos (!) e não ficou certamente satisfeita com este. Uma estrela e meia em cinco.
Ouvi outro Parsifal, no Barbican, a 3 de Abril. Um Parsifal “russo”, servido em versão concerto por Valery Gergiev e as suas habituais forças do teatro Mariinsky. Depois das críticas demolidoras com que foi presenteado em Londres por ocasião da apresentação do respectivo Ciclo do Anel, Gergiev deve ter passado 3 anos a limar o seu Wagner. O resultado orquestral foi incomparavelmente melhor. Mas os críticos londrinos ficaram mais convencidos do que eu. A nível vocal, todos os intérpretes foram bons e nenhum exceptional. Larisa Gogolevskaya, uma celebridade na Rússia, cantou a Kundry como se estivesse a cantar a Tosca, um exercício louco de volume e dramatismo, com ausência total de souplesse, agilidade ou sensualidade. Três estrelas em cinco.
Próximas récitas: Die Tote Stadt, em Bilbao, com Robert Dean Smith e Emily Magee ( mesmo que a direcção musical destrua a récita, espero um excelente nível de canto). Depois disso, em Maio: Semele, Gianni Schicchi e Eine florentinische Tragödie, na Canadian Opera Company, em Toronto. Se assistir a coisas boas, não deixarem de lhe mandar a minha “crítica” desenvolvida. Se assistir a coisas fracas, voltarei a fazer estes mini-comentários.
Saudações musicais.
@ Fanático Anónimo,
ResponderEliminarObrigado pela resposta.
Faço-lhe uma sugestão, mesmo textos curtos como os três parágrafos que escreveu acima marecem, em minha opinião, a divulgação no blogue. Se cada um deles viesse acompanhado de uma fotografia do cartaz a anunciar o respectivo espectáculo, uma opção que fazemos sempre que possível (por vezes não existem, eu sei, é o caso da ROH em Londres) seriam perfeitos para entradas no blogue.
Suspeito que aqui nos comentários terão muito poucas pessoas a lê-los, ao contrário do que aconteceria se fossem colocados autonomamente (e, como combinámos, apenas num só idioma e de forma anónima).
Pense nisso e diga de sua justiça. Não quero cometer a incorrecção de retirar dos comentários e colocar autonomamente os textos que, para mim, são informativos, bem escritos e perfeitamente dentro do espírito do blogue, dar a conhecer, na primeira pessoa, o que se vai vendo e ouvindo "por aí".
Também nós temos assistido a espectáculos pouco interessantes. Eu tenho um bom par deles para colocar no blogue, mas vou dando prioridade aos melhores.
E votos de bons espectáculos no futuro próximo, que espero nos dê o prazer de partilhar com todos os leitores deste espaço.
Cumprimentos musicais