segunda-feira, 19 de julho de 2010

Lucrezia Borgia com Edita Gruberova - Kölner Philarmonie - 7 de Junho de 2010









































No passado dia 7 de Junho, a cidade de Colónia recebeu, na imponente sala da Kölner Philarmonie, a Primadonna Assoluta do Belcanto - Edita Gruberova - que interpretou um dos seus mais recentes papéis: Lucrezia Borgia.

A já legendária cantora eslovaca, há dois anos atrás (então, com a idade de 61 anos) acrescentou ao seu impressionante repertório mais um dificílimo papel belcantista - Lucrezia Borgia - que estreou em 2008 em versão de concerto, tendo no ano passado estreado esse papel em palco, numa nova produção operática do aclamado encenador Christof Loy.

Aqui, a Gruberova apresenta-se para uma versão de concerto de Lucrezia Borgia, sendo acompanhada por um elenco do qual fazem parte nomes como José Bros (Gennaro), Franco Vassallo (Don Alfonso) e Silvia Tro Santafé (Maffio Orsini). O concerto contou ainda com a presença do Coro da Ópera de Colónia e da WDR Rundfunkorchester, que foi dirigida pelo maestro ucraniano Andriy Yurkevych.

A expectativa é grande e, entre o público, é frequentemente pronunciado o nome de Edita Gruberova.

Todo o palco estava repleto de microfones. O nome da rádio alemã Westdeutschen Rundfunks 3 constava no programa, fazendo crer que o concerto iria ser transmitido por essa estação. Sabe-se, entretanto, que brevemente será lançado um CD de Lucrezia Borgia, com Edita Gruberova, gravado ao vivo, presumivelmente deste mesmo concerto, apesar de Edita Gruberova, a seguir ao concerto de Colónia, ter partido para uma série de récitas de Lucrezia Borgia em Dresden.

O concerto principia. Andriy Yurkevych dirige os primeiros acordes da orquestra, visivelmente satisfeito, pois tudo leva a crer que começava uma grande noite musical. E assim foi.

Tem início o prólogo. O Coro, José Bros e Silvia Tro Santafé, fazem as suas primeiras intervenções e recebem os seus primeiros e merecidos aplausos.

Surge então um momento de silêncio. Do lado esquerdo do palco, ouve-se o som surdo de passos que marcam o estrado de madeira, e eis que surge Edita Gruberova. A sua entrada em cena, com um vestido branco, adornado pelos seus cabelos loiros e os seus olhos intensamente azuis, dá a sensação de termos recebido a aparição luminosa dum ser celestial que subitamente nos visita. De imediato, o público irrompe numa estrondosa ovação e repetem-se as exclamações vigorosas: "Brava! Brava!". Os aplausos, antes mesmo da Gruberova ter feito ouvir a sua voz, parecem não terminar. A cantora, reconhecida, agradece. Com efeito, o esclarecido, erudito e conhecedor público alemão tinha demonstrado claramente qual o principal motivo que o tinha trazido até ali: Edita Gruberova.

Por fim, os demorados aplausos silenciam-se e a orquestra prepara o caminho para a primeira intervenção da Gruberova: "Tranquillo ei posa. Com'é bello! Quale incanto." Logo nas primeiras palavras, a grande cantora confirma a sensação de presença celestial que antes nos havia provocado. Com efeito, dos seus lábios brota o som mais sublime que o ouvido humano pode perceber: uma dinâmica perfeita, equilibrada, de um bom gosto e duma sensibilidade inexcedíveis. Um som puro e cristalino. De salientar a emissão de pianissimi absolutamente miraculosos. O maestro sorri, encantado.

A ária termina com uma sequência incrível de trilos em pianissimo, que a Gruberova executa com uma perfeição absolutamente inefável, comprovando o seu conhecido e aclamado domínio da técnica, aliado a uma capacidade vocal e a um bom gosto inimitáveis. As ovações que se seguem fazem estremecer o recinto: Edita Gruberova, confirmando as qualidades que lhe conferiram o título de Primadonna Assoluta, tinha levado o público ao delírio.

Certamente contagiados pela atmosfera de excelência que foi imprimida por Edita Gruberova, os outros cantores são levados a prestações de muito bom gosto musical e grande entrega.

A primeira intervenção de Franco Vassallo - "Vieni! La mia vendetta" - é arrebatadora. O aclamado baixo italiano, canta essa ária com um vigor impressionante, terminando numa nota aguda, prolongada e em forte, atingindo o limite superior da tessitura dum baixo. O público aplaude intensamente.

O tenor catalão José Bros (um dos filhos do Gran Teatre del Liceu de Barcelona), também se apresenta vigoroso, e premeia o público com notas suspensas que prolonga até ao limite, percebendo-se que a sua entrega é também total. Os fortes aplausos com que o público o premiou, pareceram conferir grande entusiasmo ao cantor que, até ao final do concerto, manteve a sua prestação com grande qualidade.

Ao longo de todo o primeiro acto, os duetos de Gruberova com Vassallo são arrebatadores. Particularmente impressionante é a prestação da Gruberova, que revela uma enorme energia na oposição de Lucrezia a Don Alfonso, quando este a pretende obrigar a envenenar o próprio filho, Gennaro. Impressionante como a Gruberova, mesmo em versão de concerto, consegue transmitir a impressão de estarmos a assistir a uma ópera no palco, tais são as suas capacidades expressivas e dramáticas: além da sua voz, toda a sua gestualidade (de bom gosto, sem excessos), a sua postura e o seu facies, imprimem intenção e vida às suas palavras.

Aliás, não é por acaso que Edita Gruberova é detentora de distintos prémios pela excelência da representação, como é o caso do Prémio Sir Laurence Olivier.

O primeiro acto termina com fortes ovações do público, como é natural.

No intervalo, o público comenta, impressionado a qualidade do espectáculo, com especial relevo para "Die Gruberova" - A Gruberova.

A segunda parte é preenchida com o segundo e último acto. E é aqui que a intensidade dramática da obra atinge o seu clímax. Este acto é particularmente exigente para Gennaro (José Bros) e, sobretudo, para Lucrezia (Edita Gruberova).

É também no segundo acto que Silvia Tro Santafé tem a sua prestação mais importante, com a ária "Il segreto per esser felici", que interpretou com raça. Os aplausos do público foram intensos e muito justos. A jovem cantora catalã, discípula de Monserrat Caballé e Renata Scotto, tendo também completado a sua formação artística na Julliard School de Nova York, é já considerada um dos melhores mezzo sopranos de coloratura da sua geração. Detentora duma voz encorpada, com um timbre quente e escuro, transmite, mesmo na sua aparência física, a sensação duma cantora latina, afirmativa, vigorosa.

Digna de nota, foi também a participação do tenor Thomas Blondelle, que desempenhou o papel secundário de Rustighello, com grande musicalidade e entrega.

As cenas finais constituíram o momento mais alto do espectáculo. Foi arrepiante a ocasião em que Gennaro se prepara para apunhalar Lucrezia. Nesse ponto altamente dramático, que a Gruberova cantou com uma entrega e um dramatismo impressionantes, Edita emite um fortíssimo e inesperado dó sobreagudo, ao qual se segue uma pausa súbita. Orquestra, coro e todos os cantores se silenciam e Edita exclama num registo grave e com uma intenção poderosíssima: "un Borgia sei!"

Um arrepio percorre a nossa alma, quase que sentimos as tábuas do chão estremecer, tal é o poder dramático da Gruberova. Segue-se então um diálogo impressionante, carregado de tristeza e lirismo entre José Bros e Gruberova. Aqui, José Bros tem uma prestação formidável, cantando em voz velada até, por fim, silenciar-se (Gennaro morre).

Segue-se, então, um momento pungente e Gruberova canta "Era desso il figlio mio". A dor da personagem, que sente todo o peso da culpa pela morte do seu próprio filho, que morreu envenenado pelas suas próprias mãos, é admiravelmente transmitida pela Gruberova.

Foi impressionante ver os olhos de José Bros, bem como do tenor Tansel Akzeybek (que desempenhou o papel de Oloferno Vitelozzo) repletos de lágrimas. Estes cantores não conseguem conter a sua emoção e choram em palco com os olhos dirigidos para Edita Gruberova, que a todos faz estremecer com a pungência e a dor com que canta esta magoada ária.

Olho, então, em redor e constato que várias pessoas no público estão a chorar. Esta capacidade de tocar os corações humanos é algo que só um grande talento como o de Edita Gruberova consegue atingir. Não se trata somente de estar muito bem cantado, de tecnicamente ser mais ou menos irrepreensível; é muito mais do que isso. É algo que, simplesmente, não tem outra explicação, a não ser o imenso talento, o imenso dom. Melhor dizendo, é algo que não tem, de facto, explicação.
A este momento de dor, acresce um momento de raiva, em que Lucrezia é devorada por uma imensa culpa e revolta. Toda essa mistura de dor e raiva é cantada duma forma impressionante pela Gruberova: "Sul mio capo il Cielo avventa il suo strale punitor!"

Nesta passagem dificílima, a Gruberova exibe uma coloratura formidável, tendo de ascender desde as notas mais graves, até às mais agudas, em rápidas e turbulentas sequências de notas, que vocaliza sem hesitações.

A ópera termina com a Gruberova emitindo um fantástico, fortíssimo e demorado mi sobreagudo. Arrepiante! O público põe-se imeditamente de pé e aplaude em júbilo! Várias pessoas, em especial nas primeiras filas, têm ainda o rosto coberto de lágrimas.

Ouve-se "Brava!!!", "Bravissima!!!, "Bravi!!" Muitas pessoas querem pronunciar o nome de Edita e gritam "Brava, Edita!!!". É a apoteose. Os outros cantores, emocionados, olham para Edita Gruberova demonstrando claramente um grande respeito e admiração pela grande artista que perante eles se encontra.

Com humildade, Edita, reconhecida, agradece e apressa-se a dar as mãos aos outros cantores, que se aproximam, vergando-se respeitosamente perante a Raínha do Belcanto - Die Königin des Belcanto - como é frequentemente referida na imprensa germânica.

Vários elementos do público aproximam-se do palco e oferecem flores a Edita. Alguém da assistência, certamente francês, oferece a Edita Gruberova uma placa idêntica às que se encontram a nomear as ruas de Paris, com a inscrição: "Place Edita Gruberova". Nesse momento, recordei-me do fabuloso concerto que a cantora deu em Dezembro do ano passado em Paris, no Théâtre des Champs-Elysées, no qual alguém do público entregou a Edita uma placa semelhante, com a inscrição "Avenue Edita Gruberova"!

Os aplausos parecem não cessar. Os cantores saiem e regressam ao palco inúmeras vezes. Por fim, a orquestra sai, o coro também se retira, mas o público permanece aplaudindo. Os cantores têm de regressar uma e outra vez. As pessoas do público que se encontravam mais longe do palco, aproximam-se, para poderem aplaudir mais de perto. Dos varandins que estão sobre o palco, alguns elementos do público desfraldam cartazes com a fotografia de Edita Gruberova.

Estou certo de que todos os que assistiram a este magnífico concerto, levaram consigo memórias que jamais esquecerão. Bravi Tutti! Bravissima Edita!!!

3 comentários:

  1. Como foi agradável ler esta crítica. Assisti em Barcelona à primeira récita de Gruberova com Lucrezia. Foi espantosa. Consegui chegar junto ao palco e depois de 20 minutos de aplausos e de chamamentos por "Edita, Edita" a Senhora atirou-me uma rosa ao ouvir-me chamar-lhe "assolutissima". Guardo essa Rosa religiosamente.

    Em Fevereiro teremos novamente Edita em Barcelona, desta vez como Anna Bolena. Já tenho o bilhete!

    A não perder é também a mesma Anna Bolena em Barcelona, mas com Mariella Devia, outra referência enorme no repertório de Belcanto.

    Cumprimentos

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  2. Os três Fanáticos que escrevem neste blogue também já têm bilhetes para a Anna Bolena de Barcelona!

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  3. Muito bem, muito bem!

    O Velez Grilo tem uma nova fotografia ;-P

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