sexta-feira, 16 de julho de 2010

Götterdämmerung - Oper Köln - 6 de Junho de 2010













No passado dia 6 de Julho, a Ópera da cidade alemã de Colónia viu representada, no seu palco, a quarta e última parte da tetralogia Der Ring des Nibelungen.

Apesar do calor que se fazia sentir na cidade, nesse dia o céu estava nublado e pressentia-se a chegada duma trovoada. Parecia, pois, estar criada toda a atmosfera propícia para o apocalíptico drama wagneriano Götterdämerung - O Crepúsculo dos Deuses.

A récita iniciava-se pelas 17 horas, e o seu final estimava-se ocorrer pelas 22:30. Não obstante esse horizonte temporal tão demorado, a lotação da sala estava completamente esgotada, sendo de notar que grande parte do público era jovem, mas muito atento e interessado. Com efeito, sentia-se o apreço que o público alemão tem pelo génio de Wagner.

Tratou-se duma produção do canadiano Robert Carsen e do britânico Patrick Kinmonth, que conceberam toda uma estrutura cénica da época da 2ª guerra mundial, em que as personagens Gunther e Hagen foram transformadas em dois oficiais nazis. A cruz suástica não surgiu nas fardas, nem nas bandeiras utilizadas, mas em seu lugar foi criado um símbolo semelhante e também com as cores vermelha, branca e negra. Estávamos, pois, em pleno 3º Reich.

Toda a encenação foi extremamente bem conseguida, e os diferentes cenários eram mudados rapidamente, graças à moderna tecnologia com que a Oper Köln está dotada.

A direcção musical esteve a cargo do maestro alemão Markus Stenz.
No elenco, o grande destaque vai para Evelyn Herlitzius (Brünnhilde). Esta cantora, revelou dotes vocais e interpretativos próprios dum soprano dramático especialmente adequado aos papéis wagnerianos. Certamente por isso, tem sido uma presença assídua no Festival de Bayreuth. Evelyn Herlitzius, revelou ter uma voz potente, capaz de produzir uma sonoridade encorpada e forte mesmo nos agudos, e uma capacidade de se entregar de corpo e alma ao papel que estava a desempenhar. Além disso, pareceu-me ser uma cantora com grande resistência vocal, pois até ao final, apesar de todo o esforço vocal e físico que despendeu, a voz não evidenciava qualquer cansaço.

Siegfried foi desempenhado por um tenor (creio que alemão) que, à última hora, substituiu o cantor canadiano, mas residente na Alemanha, Lance Ryan. Mesmo antes do espectáculo começar, alguém veio ao palco informar que Lance Ryan tinha adoecido. Infelizmente, não consegui entender claramente, nem fixar o nome do cantor que desempenhou Siegfried (foi apenas anunciado oralmente, não constando o seu nome no programa, onde ainda figurava o nome de Lance Ryan, dado que se tratou de uma substituição de última hora). Revelou-se um excelente cantor para o papel de Siegfried.

Presumi, imediamente, que se tratava dum cantor com qualidade, dado que o esclarecido público alemão aplaudiu fortemente quando foi anunciado o seu nome. Ainda jovem, detentor duma voz vigorosa, mostrou estar inteiramente à vontade no papel, que desempenhou com energia e paixão.
Hagen, foi interpretado pelo reputado baixo finlandês Matti Salminen, que conta já com 65 anos de idade! Dotado duma voz extremamente potente e dramática, levou o público a aplausos entusiásticos e foi, sem dúvida, um dos destaques desta récita.

Gunther foi desempenhado pelo barítono suíço Alexander Marco-Buhrmester. Embora menos entusiasmante do que os cantores atrás mencionados, teve também uma prestação muito válida e coerente.

Porventura, o momento mais alto da ópera foi o final. Esse grande momento apocalíptico foi absolutamente espectacular: todo o cenário ardeu, literalmente! Foi absolutamente fantástico e quase inacreditável assistir àquele momento impressionante, apenas possível certamente com um grande controlo e planificação de toda a actividade pirotécnica. Apesar do enorme "incêndio" que se produziu no palco, nem uma só nuvem de fumo atingiu a assistência, nem tão pouco se produziu qualquer odor a queimado. Tudo parecia estar minuciosamente controlado. Foi verdadeiramente impressionante!

Se associarmos a esta verdadeira apoteose cénica, a prestação simultânea de Evelyn Herlitizius (Brünnhilde) que cantou com um vigor e um dramatismo tocante, antes de caminhar entre as chamas e, por fim, desaparecer, podemos afirmar que parecia estar a ocorrer em palco algo de quase inacreditável.

Por fim, sentiu-se a presença das águas do Reno que transbordavam - as mesmas que banham a cidade de Colónia - e surge como que um "aerossol" de pequenas partículas de água que, associado a um jogo de luzes que se sobrepunham ao vigor das chamas, transmitiu uma imagem fantástica. Então, percebeu-se que todo o "chão" do cenário não era mais do que um gigantesco tapete que lentamente começou a recuar, levando para o plano mais profundo do palco toda essa amálgama de chamas, de destruição. E, então, o pano cai.

Visivelmente emocionado, o público aplaude intensamente de pé. Foi um momento esmagador aquele final apocalíptico, tão bem encenado, concebido e executado.

Então, percebeu-se bem como fazia sentido a analogia com o nacional-socialismo: afinal, foi uma ideologia que conduziu à morte e à destruição. Foi um período da História em que se concretizou , verdadeiramente, um apocalipse.

6 comentários:

  1. Obrigado pela sua interessante critica. Tive a oportunidade de ouvir Evelyn Herlitzius , como Brünnhilde , no Anel de Dresden em Março de 2010. A sonoridade e riqueza orquestral da Staatskappele deu ao Anel uma qualidade Wagneriana especial. Do cast destacou-se Evelyn Herlizius com as caracteristicas vocais e dramáticas que apontou. Junto a sensualidade e a elegancia fisica . Uma grande Brünnhilde , que tem sido um pouco ignorada fora da Alemanha.

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  2. Muito interessante, de facto, essa tal associação ao período para que se transportou a acção e o apocalipse. Isso sim, é inteligente; o transporte temporal foi justificado. E indo por si, coerente.
    Estou justamente agora a começar a ver o Crepúsculo de Bayreuth. Vamos ver se também é assim. As críticas costumam dizer que esta tal encenação é grosseira.

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  3. Caro FanaticoDois,

    Que elenco!

    Evelyn Herlitzius é realmente um fenómeno vocal. Já a ouvi também como Brunhilde na Valquíria em versão de Concerto em Barcelona em 2008, na altura com Plácido Domingo, Waltraud Meier, Rene Pape e Alan Held e esteve muito bem. O timbre por vezes faz lembrar a Dame Gwyneth Jones, com quem até, se não estou enganado, teve aulas. Já tive a oportunidade de ouvir igualmente a sua Isolda em Sevilha e Berlim e garanto-lhe que é aposta ganha. Potência, afinação e capacidade interpretativa acima da média.

    O Siegfried foi o mesmo do nosso Crepúsculo no São Carlos, não foi?

    Ainda não tive a oportunidade de ver em palco esse colosso que é Matti Salminen... Aguardo com expectativa o Holandês em Paris mas gostava mesmo era de o ver como Gurnemanz.

    Cumprimentos musicais.

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  4. Caro wagner_fanatic,

    Obrigado pelo seu interessante e enriquecedor comentário.

    Não lhe sei dizer se o Siegfried foi ou não o mesmo do Crepúsculo de São Carlos, dado que não assisti. Contudo, quase me atrevo a presumir que não terá sido...

    Saudações musicais.

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  5. Penso que o wagner_fanatic tem razão. Se o Sigfried é o da 3ª fotografia, deve ser o Stefan Vinke, excelente tenor alemão que cantou o mesmo papel em São Carlos. As semelhanças físicas são de tal ordem que penso que é mesmo ele.

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  6. Agora que me disseram o nome, pesquisei na net imagens do cantor e constatei que é, de facto, o mesmo. Obrigado!

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