terça-feira, 7 de setembro de 2010

Norma com Edita Gruberova - Salzburger Festspiele 2010 - 9 de Agosto


















No dia 9 de Agosto último, o prestigiado Festival de Salzburgo teve o privilégio de receber a visita de Edita Gruberova. A inigualável cantora, que se estreou neste Festival em 1974, sob a batuta de Herbert von Karajan, regressou uma vez mais a este palco do mundo, para nele assumir um dos mais exigentes papéis do Belcanto: Norma.

O concerto, que teve lugar na maior sala do Festival - a Grosses Festspielhaus - constituiu seguramente um dos pontos mais altos do Salzburger Festspiele 2010. De notar, entre a assistência, a presença da Chanceler Alemã Angela Merkel, que se deslocou propositadamente a Salzburgo para assistir a esta ópera, em versão de concerto, com Edita Gruberova.

A fotografia de Edita neste concerto, veio a ocupar toda a primeira página do jornal do Festival: Daily Salzburger Festspiele 2010, nr. 18, no dia 14 de Agosto (o dia da 2ª e última récita de Norma, neste Festival).

A Camerata Salzburg foi dirigida pelo exímio Friedrich Haider. A dramática abertura da ópera foi executada com um dinamismo contagiante, tão característico do temperamento orquestral de Haider.

Marcello Giordano (Pollione) e Ferrucio Furlanetto (Oroveso) fazem as suas primeiras aparições. De salientar a poderosa voz de Furlanetto que se revelou pujante, logo nas primeiras notas, ao dirigir-se ao povo Druida.

Alguns momentos mais tarde, o Coro da Wiener Staatsoper inicia o triunfal chamamento por Norma: "Norma vieni". É, então, que surge Edita Gruberova, do lado esquerdo do palco, envergando um vestido prateado. Exibindo uma majestade natural, Edita surge imponente e afirmativa. E é com este espírito que entoa o trecho introdutório - "Sediziosi voci, voci di guerra" - com uma sonoridade intensa e marcada.

Logo após o acorde da dominante, que encerra o trecho, a orquestra faz soar a melodia da "Casta Diva". Subitamente, transitamos dum ambiente de bravura para uma atmosfera de intenso lirismo. Edita produz, então, uma sonoridade cristalina e doce, ao invocar a Casta Diva, a Deusa mágica que parece ter elevado Gruberova a um patamar sublime e etéreo. Toda a ária é executada com uma perfeição verdadeiramente comovente, articulando os cromatismos finais de modo exímio. Edita Gruberova canta esta expressiva ária na sua tonalidade original - sol maior - ao contrário da generalidade das cantoras que habitualmente transpõem a ária para um tom abaixo (fá maior). Edita opta, pois, pelo caminho mais difícil, mas seguramente aquele que confere à ária um cariz mais cristalino e de maior claridade tímbrica.
No final da "Casta Diva" o público aplaude intensissimamente! De toda a sala ouvem-se incessantemente os gritos de "Brava! Brava!". Os aplausos parecem não cessar. Edita, visivelmente emocionada, dá um passo em frente e cruza as duas mãos sobre o peito. Os aplausos continuam ao longo de alguns minutos. Foi, sem dúvida, um grande e emocionante momento. Edita tinha conquistado por completo o público.

Logo em seguida, Edita principia, com um vigor fabuloso a cabaletta - "Fine al rito. Ah! Bello a me ritorna" - fazendo aqui uma demonstração exímia da sua prodigiosa coloratura.

Na sua estreia como Adalgisa esteve a aclamada mezzo-soprano norte-americana Joyce DiDonato, que demonstrou ser uma excelente cantora, sem dúvida merecedora das admiráveis críticas e distinções que tem recebido um pouco por todo o mundo, como foi o caso do prémio Beverly Sills do Metropolitan Opera, e o Sängerin des Jahres 2010 da ECHO Klassik. Com um timbre quente e uma expressividade muito rica foi, sem dúvida, uma digna acompanhante de Edita Gruberova.

Os duetos de Gruberova com DiDonato foram magníficos. As duas cantoras pareceram ter um enorme entendimento e sintonia musical. Revelando a sua grande admiração por Gruberova, Joyce DiDonato escreve no seu blog, a propósito dos ensaios com Edita:


Singing in thirds with Edita Gruberova for the first time today = heavenly!!! Can't wait for the concerts! (9th and 14th)

We were in a rehearsal room today for our orchestral rehearsal, not the theater, and so while some acoustical advantages are lost, a different kind of intimacy is achieved: we are much closer to each other, and the orchestra and choir are crowded in, without too much room to spare. As a result, we feel much more closely the singer next to us inhaling, and as they sway with their vocal lines, we are drawn in even closer to their emotion and their vocal hurdles, so a sensation arises of truly being a team of individual athletes (for singing bel canto is ABSOLUTELY an athletic task!) searching for a way to tread the most delicate bel canto line of perfection and purity, alongside unbridled emotion and raw power.
I loved watching the orchestra players react to Edita's singing of the final scene: eyebrows raised in astonishment, smiles breaking out in spite of themselves, jaws gaping open ever so slightly as she pulls out a diminuendo on her high b-natural. I loved the titters of astonishment from other cast members as one of us dared to sing even more softly, or hold out the messa-di-voce just a *little bit more*.

No dia seguinte ao deste concerto, escreve Joyce DiDonato:

I must gush and blubber-on for a moment to say what a privilege it was to stand on stage last night with the LEGENDARY Edita Gruberova and have the incredible honor of making music with her. She is a monumental artist and has given this world so much joy and beauty through her singing and artistry, that I had to work extremely hard last night not to simple stand in awe of not only what she has accomplished in her long and storied carrier but in the performance she was crafting before my eyes last night. It was a magical night for me as an admirer of hers, and as a musician, to create music on that level next to such a star. Indeed it was a night to remember!


Fazendo minhas as palavras de DiDonato, foi seguramente uma noite para relembrar, uma noite memorável. Toda a complexidade e o drama psicológico da personagem foram admiravelmente veiculados por Gruberova. Foi impressionante a carga emocional que transmitiu no momento em que considerou matar os filhos, somente para ferir Pollioni, bem como no final da ópera, em que, antes de caminhar para a morte, suplica a Oroveso que cuide dos seus inocentes filhos.

O impacto que a presença de Gruberova teve em Salzburgo foi enorme e reflectiu-se não só directamente naquilo que o público comentou entre si nos dias seguintes a este concerto, mas também na imprensa, com diversos comentários e artigos publicados em diferentes jornais, tais como: Wiener Zeitung, Der Neue Merker, Kurier, Volksblatt, Donaukurier, Salzburger Nachrichten, entre outros. Do mesmo modo, também vários canais de televisão, como a ORF e a ATV, transmitiram reportagens sobre este acontecimento, bem como entrevistas com Edita Gruberova.

3 comentários:

  1. Não tive a sorte de ter visto recentemente Edita Gruberova. Na próxima temporada as coisas serão diferentes pois conto ver, pelo menos, a Anna Bolena e a Lucrezia Borgia (e a Norma em Munique é uma tentação também!) com ela. Confesso que o FanáticoDois, neste bloque, me aguçou o interesse.

    Gostaria de deixar uma palavra de muito apreço sobre Joyce DiDonato que me tem surpreendido não só pelos seus excelentes dotes vocais mas, sobretudo, por atitudes cada vez mais raras em cantoras do seu calibre. O elogio (aqui transcrito) que fez da Gruberova é louvável. Como muito louvável foi a sua atitude há pouco mais de um ano, numa representação do Barbeiro de Sevilha a que assisti em Londres, onde a cantora havia fracturado um pé dois dias antes na récita da estreia mas, mesmo assim, de cadeira de rodas, cantou maravilhosamente a Rosina. Numa época em que, por tudo e por nada, se cancelam as apresentações, este comportamento da DiDonato é merecedor de relevo e grande elogio.

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  2. Caro FanaticoUm,

    Muito obrigado pelo seu comentário. Concordo inteiramente com aquilo que refere acerca de Joyce DiDonato. Com efeito, além de ser uma grande cantora, demonstra ter qualidades humanas e de carácter muito edificantes.

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  3. Obrigado por partilhar a sua experiência. Gruberova é um prodígio da natureza. Calou as vozes mais críticas que afirmavam que a Norma seria o fim da sua carreira. Nada disso, Gruberova contínua a cantar a Norma, a Anna Bolena e o Roberto Devereux e a Lucrezia Borgia.

    Tenho de Gruberova as melhores experiências de ópera da minha vida. Um Roberto Devereux em Munique, uma Lucia e uma Lucrezia no Liceo.

    Aguardo ansiosamente a Anna Bolena de Fevereiro. Falta a Norma...

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