sexta-feira, 18 de novembro de 2022

DON GIOVANNI O DISSOLUTO, Fundação Gulbenkian, Lisboa, Novembro 2022

(review in English below)

Na Fundação Gulbenkian foi apresentada uma obra que resulta da adaptação de um texto de José Saramago inspirado na ópera Don Giovanni de Mozart, em que este não seria condenado pelo seu comportamento e não morreria no final. 

A encenação de Jean Paul Bucchieri foi interessante, com a orquestra um nível abaixo do palco, o cenário com cadeiras de ambos os lados, uma mesa ao centro e uma grande estátua do comendador, interpretado por um cantor e por um actor (Pedro Lacerda). Houve projecções de vídeo e presença de figurantes na parte mais recuada do palco, por vezes com bom efeito estético. O camarote lateral do auditório foi usado quer pelo coro, quer pelos solistas. 

(estátua)

Mas não gostei do espectáculo. Foram incluídos vários trechos da genial composição de Mozart (cantados em italiano, valha-nos isso) intercalados numa representação teatral desinteressante na forma e no conteúdo. Custa-me ver uma deturpação de uma das óperas mais sagradas do reportório operático mundial (sim, sou muito conservador neste aspecto) e, musicalmente, o espectáculo deixou muito a desejar.

(coro)

A concepção e direcção musical foi de Nuno Coelho. A curta interpretação do Coro masculino foi excelente, mas o mesmo não aconteceu com a Orquestra que, frequentemente, soou muito pouco “Mozartiana”.

(orquestra)

Os solistas foram de qualidade muito diversa. André Baleiro foi um Don Giovanni muito bom. Não me canso de elogiar este jovem barítono. As suas interpretações são sempre tecnicamente excelentes, a voz é magnífica e o timbre é de uma invulgar beleza. Estou convicto que terá uma notável carreira internacional nos grandes teatros de ópera.

O barítono José Fardilha foi um Leoporello de voz forte e bem audível, mas já sem o vigor e afinação do passado. O tenor Marco Alves dos Santos foi um Don Ottavio agradável, a voz é bonita e afinada. O baixo Manuel Rebelo foi um Masetto desinteressante e o Comendador cantado pelo baixo Nuno Dias mal se ouviu.

A Dona Anna da soprano Sónia Grané foi desagradável e frequentemente estridente. Susana Gaspar não esteve melhor e foi uma Dona Elvira de timbre agreste e interpretação vocal desinteressante. A Zerlina da soprano Leonor Amaral foi a melhor interpretação feminina. 



Um espectáculo a não rever.

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DON GIOVANNI IL DISSOLUTO, Gulbenkian Foundation, Lisbon, November 2022

At the Gulbenkian Foundation, a show was presented resulting from the adaptation of a text by José Saramago inspired by the opera Don Giovanni by Mozart, in which Don Giovanni would not be condemned for his behavior and would not die in the end.

The staging by Jean Paul Bucchieri was interesting, with the orchestra one level below the stage, the scenery with chairs on both sides, a table in the center and a large statue of the Commendatore, interpreted by a singer and an by an actor (Pedro Lacerda). There were video projections and the presence of extras at the back of the stage, sometimes with a good aesthetic effect. The side box of the auditorium was used by both the choir and the soloists.

But I didn't like the performance. Several excerpts from Mozart's brilliant composition were included (sung in Italian, fortunately) interspersed in a theatrical representation that was uninteresting in form and content. It pains me to see a misrepresentation of one of the most sacred operas in the world's operatic repertoire (yes, I'm very conservative in this regard) and, musically, the show left much to be desired.

The conception and musical direction was by Nuno Coelho. The short interpretation by the Male Choir was excellent, but the same was not true of the Orchestra, which often sounded very little “Mozartian”.

The soloists were of very diverse quality. André Baleiro was a very good Don Giovanni. I never tire of praising this young baritone. His interpretations are always technically excellent, his voice is magnificent and the timbre is unusually beautiful. I am convinced that he will have a remarkable international career in the great opera houses.

Baritone José Fardilha was a Leoporello with a strong and very audible voice, but without the vigor and tuning of the past. Tenor Marco Alves dos Santos was a pleasant Don Ottavio, his voice is beautiful and in tune. Bass Manuel Rebelo was an uninteresting Masetto and the Comendador sung by bass Nuno Dias was barely audible.

Dona Anna by soprano Sónia Grané was unpleasant and often shrill. Susana Gaspar was no better and was a Dona Elvira with a harsh timbre and uninteresting vocal interpretation. Zerlina by soprano Leonor Amaral was the best female interpretation.

A show not to be seen again.

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2 comentários:

  1. De facto, o hibridismo inerente a concepções análogas à aludida, assume um carácter assaz temerário quando baseado em obras canónicas do reportório erudito. Neste particular, evoco, igualmente, "Impressions de Pelléas" (1992), da lavra de Peter Brook.

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  2. Eu estive hoje na Gulbenkian. Relativamente à mistura do texto de Saramago com o Don Giovanni do Mozart, não me desagradou. O que me desagradou foi a encenação que poderia ter tido um pouco mais de ritmo. Depois o desempenho dos cantores, especialmente o das intérpretes femininas, que foi mau. Com excepção da Zerlina, como é referido.O intérprete da noite foi com toda a certeza André Baleiro, quer como actor, quer como cantor. Foi excelente. De resto e no seu todo, foi um espectáculo agradável. Quem me dera sair do São Carlos com a satisfação com que saí hoje da Gulbenkian. Já há anos que não assisto a uma récita de ópera no São Carlos digna desse nome.

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