quarta-feira, 13 de julho de 2011

RIGOLETTO – METropolitan Opera, Nova Iorque, Abril de 2011

(review in English below)

Rigoletto é uma das óperas mais conhecidas de Giuseppe Verdi com libretto de Francesco Maria Piave, inspirada na peça de Victor Hugo Le Roi s’Amuse.


 O Duque de Mantua é um mulherengo conhecido e tem um bobo, Rigoletto, que troça de todos. Monterone, um nobre, acusa o Duque de ter seduzido a filha e é ridicularizado por Rigoletto, o que o faz lançar-lhe uma maldição. Os nobres suspeitam que Rigoletto tem uma amante e decidem raptá-la. Rigoletto fica perturbado com a maldição de Monterone e, em casa, avisa a governanta (Giovanna) que não deve deixar entrar ninguém, por protecção à filha, Gilda. O Duque, disfarçado de estudante, suborna a governanta e encontra-se com Gilda que se havia apaixonado por ele na igreja. Ela é depois raptada e levada para o palácio ducal. Quando Rigoletto se apercebe do rapto volta a recordar a maldição de Monterone.
No palácio, pede para lhe devolverem a filha, surpreendendo os raptores. Gilda, a sós com o pai, relata o sucedido e pede-lhe para perdoar o Duque. Rigoletto jura vingança. Para matar o Duque contrata um assassino, Sparafucile, que vive com a irmã Maddalena nos arredores de Mantua. Acompanhado da filha, mostra-lhe que o Duque se está a divertir com Maddalena e manda-a regressar a Verona. Gilda disfarça-se de rapaz e, após ouvir que Sparafucile não quer matar o Duque, a pedido da irmã, mas tem de matar alguém para entregar um corpo, decide sacrificar-se e bate à porta da casa, pedindo abrigo porque a noite é tempestuosa. Sparafucile entrega a Rigoletto um saco com o corpo e, quando este o vai deitar ao rio, ouve a voz do Duque na casa. Abre o saco e apercebe-se que é Gilda que lá está. Ela pede desculpa ao pai por se ter sacrificado e morre. Rigoletto volta a lembrar-se da maldição de Monterone.


 A encenação, de Otto Schenk, é de há muitos anos, clássica mas eficaz. Tudo se passa no exterior do palácio ducal, da casa de Rigoletto, ou da de Sparafucille. A concepção cénica é interessante.

A orquestra foi dirigida por Fábio Luigi e, como é habitual, teve uma óptima prestação. Também o coro foi muito bom.


 Rigoletto foi superiormente interpretado pelo barítono sérvio Zeljko Lucic. A voz é invulgarmente bela, grande e sempre afinada. O cantor conseguiu expressar vocalmente, com muita credibilidade, os sentimentos dominantes da personagem. Foi jocoso, terno, angustiado, desesperado e vingativo sempre que as ocasiões surgiram. Também a sua presença em palco foi credível. Um dos grandes da noite.



 Diana Damrau, soprano alemão, foi uma Gilda de elevada qualidade. A voz é de grande beleza e parece que cresceu após a maternidade. Nos vários duetos com o pai foi brilhante e em Caro nome foi irrepreensível e mostrou o esplendor da sua capacidade interpretativa. Cantou sempre afinada e ofereceu-nos uns pianissimi inesquecíveis. Foi a outra grande intérprete da noite.


 Maddalena foi interpretada pelo mezzo espanhol Nancy Fabiola Herrera. Esteve bem mas não mais do que isso. A voz é mais interessante no registo mais grave mas é facilmente abafada pela orquestra.

O baixo eslovaco Stefan Kocán foi um Sparafucille pouco interessante. O cantor tem um timbre bizarro, particularmente notório quando cantava notas mais agudas. Não soou bem e também não teve uma presença cénica marcante.


 Deixo para o fim o Duque de Mântua, cantado pelo tenor italiano Giuseppe Filianoti. Um desastre! Começou mal, sem qualidade vocal, com voz excessivamente nasalada e assim continuou até ao final. A emissão foi irregular e os agudos, quando se ouviam, eram muito esforçados, esganiçados, frequentemente desafinados e sem qualquer laivo de beleza. Em la donna è mobile, a ária emblemática da personagem, esteve menos mal do que em tudo o resto mas muito aquém do desejável. Contudo, no final, quando a volta a cantar dentro de casa, foi uma desafinação completa!
Não percebo o que se terá passado. Filianoti tem fama de tenor de qualidade e seguramente que não é com interpretações como esta que a granjeou.
Não ouvimos o Giuseppe Filianoti mas sim o “Guiseppe Falhanote!” (comentário do wagner_fanatic).


 Uma última palavra para o público aqui no Met. Como já escrevi anteriormente, acho que tem um comportamento desagradável, não só porque aparentemente não distingue o bom do mau, aplaudindo de forma semelhante como, sobretudo, porque aplaude tudo e em plena execução musical – os cenários, a entrada em cena de certos cantores mais famosos, algum movimento cénico mais invulgar, etc. E, sempre que suspeita que a ária, o ensemble ou o acto vai terminar, aplaude intensamente sem deixar ouvir a música (e por vezes os cantores) até ao fim.








A isto, que é o habitual em todos os espectáculos, juntou-se nesta récita um coro de tosses que fez lembrar uma competição – ora vamos lá ver quem consegue tossir mais alto e, quiçá, sobrepor o som à orquestra e aos cantores? No 3º acto foi preciso assistir para acreditar que era verdade (e mesmo assim ainda se ouviram as desafinações do Filianoti!). Uma selvajaria!





****



Rigoletto - Metropolitan Opera, New York, April 2011

Rigoletto is one of the best known operas of Giuseppe Verdi with libretto by Francesco Maria Piave, inspired in part by Victor Hugo’s Le Roi s'Amuse.

The Duke of Mantua is a known woman seductor and has a jester, Rigoletto, that makes fun of everyone. Monterone, a nobleman, accuses the Duke of seducing his daughter and he is ridiculed by Rigoletto. He throws a curse to Rigoletto. The nobles suspect that Rigoletto has a mistress and decide to kidnap her. Rigoletto is afflicted with the curse of Monterone and at home, warns the governess (Giovanna) that she should not let anyone in, for protection to his daughter, Gilda. The Duke, disguised as a student, bribes the governess and meets Gilda who had fallen in love with him in church. Later, she is kidnapped and taken to the ducal palace. When Rigoletto realizes the abduction, he remembers the curse of Monterone. At the palace he asks to get back her daughter, surprising the kidnappers. Gilda, alone with his father, tells him what happened and asks him to forgive the Duke. Rigoletto swears revenge. To kill the Duke he hires an assassin, Sparafucile, who lives with his sister Maddalena on the outskirts of Mantua. Accompanied by his daughter, he shows her that the Duke is seducing Maddalena and sends her back to Verona. Gilda disguises herself as a boy and, after hearing that Sparafucile does not want to kill the Duke, at the request of his sister, but must kill someone to deliver a body, decides to sacrifice herself and knocks at the door, asking for shelter for the stormy night. Sparafucile gives Rigoletto a bag with the body, and when he is going to pour it into the river, he hears the voice of Duke in the house. Rigoletto opens the bag and realizes that Gilda is there. She apologizes to her father for having sacrificed and died. Rigoletto remembers again the curse of Monterone.

The staging by Otto Schenk, is an old one, classic but effective. Everything takes place outside the Ducal Palace, Rigoletto's house, or Sparafucille’s house. The scenic design is interesting.

The orchestra was conducted by Fabio Luigi and, as usual, had a great performance. The Choir was also, very good.

Rigoletto was fantastically interpreted by the Serbian baritone Zeljko Lucic. The voice is unusually beautiful, powerful and always in tune. The singer managed to express vocally, with a lot of credibility, the dominant feelings of the character. He was playful, tender, anguished, desperate and vengeful whenever occasions arose. Also his scenic presence was credible. He was one of the remarkable performers of the night.

Diana Damrau, German soprano, was a high quality Gilda. Her voice is very beautiful and it seems that it grew after motherhood. In several duets with his father she was brilliant and in  Caro nome she was impeccable and showed the splendor of her interpretive capacity. She sang always in tune and gave us some unforgettable pianissimi. she was another great performer of the night.

Maddalena was interpreted by Spanish mezzo Nancy Fabiola Herrera. She was OK but not more than that. Her voice is more interesting in the lower register but it is easily drowned out by the orchestra.

Slovak bass Stefan Kocani was a weak Sparafucille. The singer has a weird tone, particularly noticeable when singing high notes. He did not sound well and also did not have a remarkable stage presence.

The Duke of Mantua, sung by Italian tenor Giuseppe Filianoti was a disaster! He started poorly, with no vocal quality and a too nasal voice and he remained so until the end of the performance. The voice was irregular and the top notes, when audible, were screamed, shrill, often out of tune and without any hint of beauty. In La donna è mobile, the most charismatic aria of the Duke, he was better than anywhere else, but far from the desirable. However, in the end, when he sings again inside the house, he was completely out of tune.
I do not understand what happened. Filianoti has a reputation and I am sure he did not achieved it with performances like this one!! We did not hear Giuseppe Filianoti but  Giuseppe “Falhanote" ( Falhanote – fails the notes, the joke sounds well in portuguese) (wagner_fanatic’s comment).

One last comment about the audience here at the Met. As I wrote earlier, I think the audience has an unpleasant behavior, not only because it apparently does not distinguish good from bad performances, applauding both the same way, but especially because it applauds while the music is still being played. Furthermore, it applauds the scenarios, the entrance of certain most famous singers, some more unusual scenic movement, etc.. And whenever it suspects that the aria, ensemble or the act is coming to the end, it strongly applauds without letting the proper listening the music (and sometimes the singers) until the end.

Adding to this unpleasant situation, which is usual in all performances, this time a chorus of coughs was joined. It seemed a competition – let’s see who can cough louder and, perhaps, overlap the sound to the singers?
It was bad all over but, in the 3rd act, it was necessary to be there to believe it! (and we could still hear Filianoti out of tune!). Horrible!

****

6 comentários:

  1. One opera I have seen several times and love. I am sorry this production was not a good one.

    ResponderEliminar
  2. Pois claro, o público Português é muito melhor, muito mais educado, muito mais instruído e nada pseudo-intelectualoide!
    O amigo o publico de Nova York bate palmas a meio dos números ao cenário aquilo que lhe apetece porque está ali para apreciar os espectáculo e aquilo que gosta e não para andar constantemente a procura dos defeitos alheios.

    A Musica / opera é para apreciar e não para crtiicar! Enfim......vocês e as tosses e o intervalos e mais o raio que os parte! Gozem a música e deixam-se de tretas! Se querem silencio total e puro fiquem em casa no sofá!

    ResponderEliminar
  3. @ JJ
    The production was a good one. The main soloist was in a bad day, so was the public.

    @ Anónimo,
    Dois esclarecimentos:
    1- Neste blogue não se anda constantemente à procura de defeitos alheios. Muito pelo contrário, procuram-se os bons espectáculos e deles se dá conta por aqui. Mas quando há aspectos marcadamente negativos, esses são também assinalados porque nos impressionam negativamente e impedem a boa apreciação do espectáculo.
    2- Niunguém quer silência absoluto. O que queremos é exactamente o que escreveu, apreciar a Música / opera. Para tal, é necessário o silêncio enquanto ela nos é oferecida. Depois de terminar, então venham os aplausos efusivos, ruidosos e prolongados (e as tosses).
    Penso que não é pedir muito, basta assistir uma vez a um espectáculo destes em qualquer País do centro ou norte da Europa (para não referenciar outras áreas geográficas mais longínquas) para perceber o que digo. E, por essas bandas, penso que o público não é inculto no que à música respeita.
    Obrigado pelo seu comentário.

    ResponderEliminar
  4. Concordo plenamente consigo, FanaticoUm.

    Caro anónimo, a Ópera é um espectaculo sim, mas não é um Circo. A música, para ser apreciada como diz, tem de ser ouvida sem interferências ou com o mínimo de interferências. Esta problemática faz-me lembrar a questão das pipocas no cinema, onde acredito que vá também com alguma regularidade: comê-las durante a projeção do filme, fazendo barulhos crocantes e afundando mãos à bruta no pacote entre grãos de milho explodidos não interfere com a capacidade de apreciação do filme? A mim interfere e embora goste de ver filmes em casa, alguns também gosto de ver na sala de cinema...

    Em relação à recita realmente o Fillianoti esteve mal (desastre de desafinação que, revendo alguns dos meus apontamentos passados, não é novidade no papel de Duque no Met para este cantor - o papel também é vocalmente exigente e provavelmente não deverá voltar a ser uma opção para Fillianoti que considero um excelente Nemorino) mas Damrau e Lucic dominaram, numa encenação clássica de bom nível.

    Cumprimenos musicais a todos.

    ResponderEliminar
  5. Caro FanaticoUm

    Mais uma vez um excelente comentário. Como se esperava, Damrau ganhou a noite. No entanto tenho pena que não tenha também assistido a uma récita com a Machaidze que me parece ser uma excelente Gilda (com base nos vídeos que tenho visto no YouTube). Quanto ao Filianoti, tive a oportunidade de o ouvir em Ancona ao lado da Devia na Lucrezia Borgia e fiquei bastante desiludido, a voz é muito nasal e encolhe no registo agudo. Não me surpreende, portanto, a sua crítica, e se juntarmos a isto a desafinação (que é de tudo o pior), compreende-se aquilo que apelida de desastre.
    O resto do elenco desconheço, no entanto vou acompanhar a carreira do barítono.

    Quanto ao público do MET, acho-o descontraído e considero isso um factor positivo quando comparado com algum público italiano que faz questão de só aplaudir no final dos actos. De qualquer forma, acho um exagero aplaudir cenários, tanto mais que tal acontece sempre quando a orquestra está a tocar. Os aplausos devem ser efusivos no final das árias, se os cantores se portam bem e quando a orquestra termina (se bem que confesso que às vezes tenho algumas dificuldades em conter-me até a orquestra finalizar quando oiço Gruberova ou Devia). As tosses são um problema e há pessoas que nem fazem um esforço para se conterem. A analogia do Wagner_Fanatic com as pipocas é excelente.

    O Anónimo faz-me lembrar uma discussão que tive com um conhecido (que não aprecia ópera) e que dizia que num espectáculo poderia fazer o que lhe apetecesse, até cantarolar. Ora, numa casa de ópera, não há microfones (ainda bem) o que faz com que a intensidade sonora do espectáculo seja naturalmente baixa (e ainda bem). Se eu pago um bilhete, tenho o direito de ser respeitado pelo resto do público. A liberdade dos outros acaba quando começa a interferir com a minha.

    ResponderEliminar
  6. @ Alberto,
    Obrigado pelo seu comentario, nao poderia estar mais de acordo com ele (hoje estou em Londres e sem acentos!). O Filianoti foi uma desilusao completa para mim. Mas a Damrau e o Lucic foram fantasticos.
    Como sabe o Met e tambem uma das minhas casas de opera preferidas (se nao fosse assim nao ia la) mas esta recita foi particularmente ma no que respeita ao comportamento do publico, sobretudo no que as tosses respeita. E tao facil colocar um lenco a frente da boca quando se quer tossir... enfim, a menos que esta tenha sido uma maneira original de mostrar o desagrado pela prestacao desastrada do Filianoti, o que penso nao ter sido o caso.

    ResponderEliminar