Carmen é uma ópera de Georges Bizet com libreto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy baseado no romance homónimo de Prosper Mérimée.
O argumento pode ser lido aqui, mas, como enquadramento histórico da obra, transcrevo o texto de Pedro Russo Moreira que se encontra no “site” do Teatro Nacional de São Carlos:
A ópera Carmen foi encomendada por Du Locle e De Leuven, directores da Opéra-Comique de Paris para integrar a temporada daquele teatro, que passava à altura por algumas dificuldades financeiras. Bizet aceitou o desafio e propôs a obra escrita em 1845 por Prosper Mérimée como base do seu enredo, tendo sido de imediato nomeados dois libretistas.
A obra foi intensamente trabalhada pelo compositor desde 1873, e os ensaios começaram no ano seguinte, reunindo várias críticas por parte da equipa devido ao realismo da história e à dificuldade de execução orquestral e coral. O papel principal foi atribuído a Célestine Galli-Marié, uma notável meio-soprano que actuou no Real Teatro de São Carlos na temporada de 1860-61, interpretando vários papéis de ópera italiana.
A recepção da ópera pelo público parisiense, no momento da sua estreia, não foi positiva. Algumas críticas em torno do trabalho de Bizet, que provinham de sectores mais conservadores, protestavam contra algumas cenas, tais como a morte de Carmen, ou pelo facto de apresentar uma personagem principal feminina, com tremenda liberdade, poder e comportamentos não aceites à época.
A sua popularidade ascendeu através de uma produção que teve lugar em Viena, em Outubro de 1875, com a adaptação dos diálogos falados para recitativo efectuada por Giraud, versão esta que predominou, recolhendo a admiração pública de figuras como Saint-Saëns, Brahms, Wagner e Tchaikovski, entre outros. A história trágica da cigana Carmen voltaria a Paris apenas em 1883, reconciliando-se finalmente com o público.
A riqueza da obra, no capítulo da orquestração, da construção melódica e da textura harmónica, aliadas a uma mistura entre a corrente do Realismo, em voga na época, e o exotismo do próximo, conferiram-lhe um lugar de destaque na história da música ocidental.
Com direcção musical Julia Jones, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, o Coro dos Pequenos Cantores da Academia de Amadores de Música, encenação de Stephen Medcalf, cenografia e figurinos de Jamie Vartan e desenho de luz de Simon Corder, assistimos a uma nova encenação baseada na produção do do Teatro Lírico de Cagliari (2005).
Foi mais outro bom espectáculo no São Carlos. Julia Jones cumpriu, embora não tenha sido empolgante a sua direcção. Não conseguiu fazer levantar a Orquestra Sinfónica Portuguesa que, contudo, teve um dos seus melhores desempenhos da temporada (em ópera). O Coro também esteve muito bem e o Coro infantil teve a sua graça.
A encenação transportou a acção para os anos 40 – 50 do século XX.. Não achei particularmente bem conseguida, mas foi vistosa e respeitou a obra.
(algumas fotografias são do programa de sala do TNSC)
Carmen foi interpretada pelo mezzo-soprano israelita Rinat Shaham, que tem feito sucesso internacional neste papel. A voz é escura e encorpada, o timbre bonito e gostei particularmente do registo mais grave. Os agudos saíram sempre afinados. Foi, de longe, a melhor cantora da tarde. Em cena esteve perfeita.
Don José foi o tenor norte americano Andrew Richards.. A voz é bem audível e cheia no registo médio e o timbre agradável. Contudo, os agudos são cantados em esforço, quase em falsete e não brilham. Cenicamente esteve bem, a figura também ajuda.
O soprano italiano Adriana Damato foi uma Micaèla de voz bem projectada, doce e ingénua no 1º acto. No 3º acto foi, por vezes, estridente. Mas teve uma boa interpretação. Foi também uma das mais convincentes cenicamente, apesar da deficiente pronúncia do francês.
O barítono grero Yannis Yannissis, foi um Escamillo à altura dos restantes solistas. A voz é banal mas fez-se ouvir com facilidade
Os cantores portugueses Nuno Dias (Zuniga), Luís Rodrigues (Moralès), Joana Seara (Frasquita), Luísa Francesconi (Mercédès), Carlos Guilherme (Le Remendado) e Mário João Alves (Le Dancaïre ) estiveram também bem.
Foi um prazer ver, pela primeira vez este ano, o Teatro de São Carlos cheio. A lotação estava esgotada. Como já aqui escrevi várias vezes, acho que são necessárias mais óperas populares como esta para que o público português se reconcilie com o seu Teatro de Ópera.
Quando me perguntam, aconselho a Carmen aos que querem ver, pela primeira vez, uma ópera. Acho que esta produção do Teatro de São Carlos cumpre bem essa função, a de cativar novos espectadores.
Foi, sem dúvida, um espectáculo muito atractivo.
ResponderEliminarEspero que se repita esta qualidade. (Claro que ainda melhor, de preferência.)
Caro FanaticoUm,
ResponderEliminarNão vou ao São Carlos ver esta Carmen mas ouvi na quarta-feira pela Antena2 e fiquei com a mesma impressão geral dos cantores. Andrew Richards foi claramente o elo mais fraco e à custa dos agudos e da ausência de voz encorpada. Lamento que Julia Jones não tenha conseguido transmitir a tensão do drama de forma perfeita... aquela segunda parte da abertura foi tão métrica e tão fraco o ataque dos violoncelos que deu pena, até porque houve passagens muito bem conseguidas.
Espero voltar ao São Carlos na próxima Temporada e assistir a um resurgir do nosso Teatro. As promessas de melhoria estão a aparecer e espero que se mantenham.
Obrigado por mais um excelente comentário!
Obrigado pela sua opinião, FanaticoUm.
ResponderEliminarAndrew Richards também teve algumas dificuldades nos agudos na récita de estreia e não fiquei encantado com o seu timbre.
No fundo, apesar de termos assistido a récitas diferentes, parece-me que estamos de acordo quanto a quase tudo.
Os miúdos estiveram muito bem.
Fico contente com ler a sua critica. A pesar de ter lido ca opinioes desfavoraveis sobre o nível geral das producçoes das últimas temporadas do Sao Carlos, pelo que estou a ver a final tive sorte com a eleiçao do título. Sorte porque na realidade esta eleiçao teve mais a ver com a minha agenda e com a disponibilidade de bilhetes, que como una decisao concreta de ver esta ópera. É sempre para mim um prazer viajar a Lisboa, cidade que adoro, acrescentase o prazer com a possibilidade de asistir ao belisimo Sao Carlos e ainda por cima vou poder ver um bom espectáculo. Que mais pode se pedir?
ResponderEliminarPs: Mais uma vez peço desculpa se a ortografía ou a sintaxe nao foram tao boas como eu estaria a desejar.
@ Plácido,
ResponderEliminarSim, esperemos que a próxima temporada seja boa. As últimas óperas no São Carlos não foram nada más.
@wagner_fanatic,
Já vimos "Carmens" mujito melhores que esta, mas se tivesse ido teria gostado.
@Paulo,
Obrigado pelo comentário. Sim, Andrew Richards desiludiu-me com a fragilidade manifesta dos seus agudos.
@AdMiles,
Estou certo que vai gostar desta Carmen.
E não se preocupe com o seu português - é excelente!
Cumprimentos
Relativamente à deficiência patenteada por Andrew Richards no registo agudo, facto atestado por intermédio da transmissão radiofónica, havia ficado com a impressão de se tratar de uma indisposição ou algo similar. Constato que me equivoquei.
ResponderEliminarCaro Hugo Santos,
ResponderEliminarÉ com enorme prazer que registamos um primeiro comentário seu neste nosso blogue. Como sabe, conta aqui com grandes admiradores, nomeadamente no que agora aqui escreve.
De facto, foi uma surpresa (negativa) para mim a manifesta deficiência de Richards no registo agudo, fatal em algumas das intervenções do Don José. Mas, para mim, foi uma Carmen muito aceitável.
Caro FanaticoUm,
ResponderEliminarem primeiro lugar, permita-me agradecer tão amáveis palavras que duvido merecer em toda a sua dimensão. Fico que tal modo penhorado que nem queira saber...
No que concerne à récita, concordo, globalmente, com a sua apreciação. Uma produção que não envergonha ninguém, muito o oposto. Richards defendeu-se da melhor maneira possível, apianando, porventura de modo excessivamente fastidioso, nas passagens mais expostas.
Caro Fanático, esou ja de volta aos paramos de Castela e tenho de dizer que concordo muito com as suas opinioes. Gostei em geral da récita.
ResponderEliminarNo que respeita à encenaçao pareceu por vezes um tanto "seca" mas provavelmete era esse o efeito desejado.
Da parte musical, tenho a dizer que na a abertura achei à orquesta um bocadinho "estidente", nao sei se assim se diz em português, nas percusoes. O coro achei bem e o coro infantil muito engraçado. Dos cantores concordo que sem duvida a melhor foi a protagonista nao só no canto como tambem ao dar corpo à personagem. Do Richars concordo com o dito,as vezes ia perto do falsete.
Por útlimo tenho de deixar um comentario acerca do teatro. O Sao Carlos e realmete lindísimo e alem disso tem o encanto do auténtico, mas nesta epoca do ano e quando deitam se à faltar as ventagens de outros espaços mais modernos, o calor era realmente insuportavel. Se nao houve nos tempos das "vacas grossas" vai ser dificil que agora com a situaçao económica houver dinheiro, mas o teatro esta a precisar de alguma remodelaçao neste aspecto.
@ AdMiles,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Concordo na totalidade com ele. Estridente é uma palavra também portuguesa, sim. E, a propósito, devo elogiar a grande qualidade com que escreve na nossa língua.
O Teatro é muito bonito e está a precisar de uma intervenção. Tem toda a razão quanto ao calor, insuportável nesta altura do ano, e quanto à necessidade de restauros profundos. Mas, como diz, nesta época de vacas magras (é assim que dizemos) vai ser muito difícil que as melhorias surjam nos próximos tempos.
Cumprimentos musicais para Castela.