quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

MARIA STUARDA, Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa / Lisbon, Janeiro / January 2020


(review in English below)

Uma Maria Stuarda de luxo no Teatro de São Carlos!

Maria Stuarda, de G Donizetti com libreto de Giuseppe Bardari é baseada na peça Maria Stuart de F. Schiller. O enredo passa-se no período histórico dos Tudor em Inglaterra e é uma das três óperas (Anna Bolena, Maria Stuarda e Roberto Devereux) habitualmente designadas como “as rainhas de Donizetti” pelos papéis primordiais por estas assumidas. A presente é dominada pelo confronto entre as duas rainhas, Elisabetta (Isabel I) e Maria Stuarda, culminando com a decapitação da última.



É uma ópera romântica, onde o compositor caracteriza musicalmente as personagens e seus dramas. (A primeira grande ópera romântica de Donizetti, Anna Bolena, fora escrita 4 anos antes, em 1830). É musicalmente de uma beleza inegável, fruto da expressão de todos os conflitos entre as principais personagens. Foi censurada pela forma como representava as rainhas, nomeadamente pela expressão ultrajante como Maria Stuarda acusa Elisabetta (Figlia impura di Bolena parli tu di disonore? Meretrice indigna, oscena, in te cade il mio rossone. Profanato è il soglio inglese, vil bastarda, das tui piè!) no confronto directo das duas (que na vida real nunca aconteceu), uma das componentes de maior impacto da ópera.

(programa de sala da récita de 1985 no Teatro de São Carlos)

Para os apreciadores do estilo, como é o meu caso, é um pitéu musical. Exige pelo menos três cantores de grande qualidade e foi o que aconteceu.

Mas comecemos pela encenação de Andrea de Rosa, com cenografia de Sergio Tramonti, figurinos lindíssimos de Ursula Patzak e magnífico desenho de luz de Pasquale Mari. É uma produção do Teatro dell’Opera de Roma.
É muito clássica, minimalista, muito bonita, com um excelente guarda roupa, boa iluminação, a direcção de atores a privilegiar o canto e a colocar os cantores sempre em palco. Sem exorbitâncias. Simples, direta, eficaz e muito agradável. Como devia ser sempre. Várias partes são notáveis, nomeadamente o parque do castelo de Fotheringay onde Maria Stuarda está presa e o final da ópera com o carrasco em fundo. É a demonstração que, com muito poucos adereços, se conseguem fazer encenações de grande qualidade.



O Coro do Teatro Nacional de São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa estiveram muito bem. A direcção musical esteve a cargo do maestro Fabrizio Maria Carminati.



Em relação aos cantores, uma maravilha! Todos excelentes, jovens, vozes fantásticas e actores exímios.

A mezzo italiana Alessandra Volpe foi uma Elisabetta impressionante, sempre com bom volume e projeção, timbre bonito, boa presença, numa interpretação por vezes contida mas muito eficaz. Foram marcantes os duetos com o Leicester e a confrontação com a Stuart.



Leonardo Cortellazzi foi um óptimo Leicester tanto na interpretação vocal como cénica. É um tenor italiano excelente, com presença forte, tem um timbre muito bonito e a voz sempre com volume e afinada. Fantástico. O dueto no 1º acto com a Elisabetta Era d'amor l'immagine  foi um dos momentos mais marcantes da interpretação, mas esteve sempre ao mais alto nível.





A Maria Stuarda da soprano russa Ekaterina Bakanova foi fabulosa. A cantora tem uma figura óptima, magra e alta, algo frágil, mas uma voz impressionante. Timbre magnífico, projecção imponente, sem estridências, registo agudo notável e interpretação muito emotiva. Foi suave e muito lírica na abertura quando recorda a sua liberdade e felicidade em França (Ah! nebe che lieve per l’aria aggiri), comovente quando pede ao Talbot para a ouvir em confissão  (Quando di luce rosea)  e arrasadora quer na famosa aria Deh! Tu di un umile preghiera, quer no final Di un cor che more. Um luxo!






Nos papeis secundários a qualidade do canto e da interpretação não destoou, foram também óptimos os barítonos Luís Rodrigues (Talbot)



e Christian Luján (Cecil),



 e a soprano Rita Marques (Anna Kennedy).




Um magnífico espectáculo de ópera, para mim o melhor em muitos anos no Teatro de São Carlos.





*****

MARIA STUARDA, Teatro de São Carlos, Lisbon, January 2020

A luxurious Maria Stuarda at the Teatro São Carlos!

Maria Stuarda, by G Donizetti with libretto by Giuseppe Bardari is based on the play Maria Stuart by F. Schiller. The plot takes place in the historic period of the Tudor dynasty in England and is one of the three operas (Anna Bolena, Maria Stuarda and Roberto Devereux) usually referred to as “the queens of Donizetti” for their primordial roles. The present is dominated by the confrontation between the two queens, Elisabetta and Maria Stuarda, culminating in the beheading of the latter.

Maria Stuarda is a romantic opera, where the composer musically characterizes the members of the plot and their dramas. (The composer's first great romantic opera, Anna Bolena, was written 4 years earlier, in 1830). It is musically undeniably beautiful, the result of the expression of all the conflicts between the main characters. It was censored for the way it represented the queens, namely for the outrageous expression as Maria Stuarda accuses Elisabetta (Figlia impura di Bolena parli tu di disonore? Unworthy, oscena meretrice, in te cade il mio rossone. Profanato is the soglio inglese, vil bastarda, das tui piè!) in the direct confrontation of the two queens (which never happened in real life), one of the most impactful components of opera.

For lovers of style, as is my case, it is a musical delight. It requires three singers of great quality and that's what happened.

But let's start with the direction by Andrea de Rosa, with scenography by Sergio Tramonti, beautiful costumes by Ursula Patzak and magnificent lights by Pasquale Mari. It is a production of the Teatro dell'Opera in Rome.
It is very classic, minimalist, very beautiful, with excellent costumes, good lights, the direction of the actors to privilege the singing and to always put the singers on stage. No exorbitances. Simple, direct, effective and very pleasant. As it should always be. Several parts are notable, namely the Fotheringay castle’s park where Maria Stuarda is imprisoned and the end of the opera with the executioner in the background. It is the proof that, with very few props, it is possible to make high quality productions.

The Choir of the Teatro National de São Carlos and the Portuguese Symphony Orchestra were very good. The musical direction was in charge of the maestro Fabrizio Maria Carminati.

Regarding the singers, a marvel! All excellent, young, fantastic voices and excellent actors.

Italian mezzo Alessandra Volpe was an impressive Elisabetta, always with good volume and projection, beautiful timbre, good presence, in an interpretation sometimes contained but very effective. The duets with Leicester and the confrontation with Stuart were remarkable.

Leonardo Cortellazzi was a great Leicester in both vocal and scenic interpretation. He is an excellent Italian tenor, with a strong presence, has a very beautiful timbre and his voice is always with good volume and in tune. Fantastic. The duet in 1st act with Elisabetta Era d'amor l'immagine was one of the most striking moments of the interpretation, but he was always at the highest level.

Maria Stuarda by Russian soprano Ekaterina Bakanova was fabulous. The singer has an excellent figure, thin and tall, somewhat fragile, but an impressive voice. Magnificent timbre, imposing projection, without stridency, remarkable top register and very emotional interpretation. She was soft and very lyrical in the opening when she recalls her freedom and happiness in France (Ah! Nebe che lieve per l'aria aggiri), moving when she asks Talbot to hear her in confession (Quando di luce rosea) and smaching in the famous aria Deh! Tu di um umile preghiera, and in the end Di un cor che more. A luxury!

In supproting roles, the quality of singing and stage performance did not clash, baritones Luís Rodrigues (Talbot) and Christian Luján (Cecil) were also great, as well as soprano Rita Marques (Anna Kennedy).

A magnificent opera performance, for me the best in many years at Teatro de São Carlos.

*****

12 comentários:

  1. Quem é o autor deste arrazoado ?
    Onde esteve a direcção de actores? O tenor numa emissão irregular, pontualmente desafinado, sem corpo de voz e projecção, para não falar do desastre que é em cena.
    Não houve intensidade dramática.
    Meus senhores, um espectáculo de Opera, não foi isto a que assisti e me deixou numa perplexidade confrangedora.
    Triste.
    Coro, Cristian e Rita e o soprano, sendo este último cilindrado por uma contracena pobre, a roçar o miserável,dada pelo tenor.
    Enfim...

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    1. Registo a sua opinião, mas devemos ter assistido a espectáculos diferentes, porque o que vi e ouvi foi o oposto do que escreve. Não tenho mais nada a assinalar, dado o contraste absoluto das nossas apreciações.

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  2. Estive na récita de 29/01 e, com a propriedade que me é conferida por mais de quatro décadas de "consumidor inveterado" de Ópera e mais de três décadas de músico, tenho a dizer que lamento, profundamente, a TOTAL ausência de direcção de actores, sobretudo no que ao Tenor e ao Mezzo concerne: um tenor com uma fisicalidade inadmissível em cena e com uma voz amiúde irregular, roçando em variadíssimos momentos o limiar da atonalidade; quanto ao Mezzo, uma voz permanentemente recuada, sem a intensidade dramática que o papel requer, a que se junta uma fisicalidade pejada de "frémitos".

    Salvam-se os belos desempenho de Rita Marques e de Christian Luján; salva-se o Coro do TNSC que, tirando um atraso no primeiro Acto, esteve à altura; salva-se a voz de Ekaterina Bakanova que, a meu ver, só não esteve melhor devido as paupérrimas contracenas dos seus colegas e, para terminar, salva-se a sobriedade da Produção.
    Uma Ópera como Maria Stuarda, requer uma nobreza e uma intensidade dramática que não existiram.

    Saí perplexo!

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  3. Fanático_Um, haverá sinais de uma nova orientação no S. Carlos? É bom saber que a prestação de orquestra e côro foi muito boa, que a encenação foi finalmente de bom gosto, que o canto esteve ao melhor nível. Não conheço a 'Maria Stuarda', e tenho pena, que gravação recomendaria ? Obrigado pelo relato, foi um gosto ler.

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    1. Mário, espero que este seja o primeiro espectáculo de um ciclo de boas óperas de regresso ao São Carlos. Contudo, nem todos partilham da minha opinião, como registado nos comentários acima e num outro que, manifestamente insultuoso, não publiquei porque não acrescentava nada ao blogue (foi uma das muito poucas vezes que não publiquei um comentário).
      Confesso que não conheço muitas gravações da Maria Stuarda. Uma de Bolonha com a Sutherland e o Pavarotti e outra de Munique com a Gruberova, Baltsa e Araiza são muito agradáveia para mim e foi a última que me "introduziu" nesta ópera.

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  4. Vi ontem, récita final, Domingo, e no no final tinha em mente exactamente frases em total sintonia com a boa crítica aqui publicada por Fanático Um. Concordância total com o Fanático Um: com pouco orçamento para o cenário mas com ideias magníficas no cenário e luzes (ainda há pouco tempo assisti a uma Turandot no Liceu de Barcelona, com orçamentos de outra ordem de grandeza, mas com uma encenação e cenografia sofríveis). O cenário da prisão (ideia com efeito magnífico), o do cadafalso (ideia simbólica das luzes no momento final). A soprano Ekaterina Bakanova é de facto magnífica e de um nível que não é assim tão comum no TNSC. Ela já tinha provado isso como Violetta Valéry cá recentemente em Junho de 2018, e o Leonardo Cortellazzi também mostrou grande qualidade cá no ano passado, na Alceste de Gluck (com a Ana Quintans). A representação dramática de todos também fui excelente. A qualidade também se estendeu ao coro, maestro e orquestra. No final, quer eu quer a minha mulher, estávamos com a total certeza de termos visto uma das melhores récitas no TNSC em muitos anos em termos de cenografia, encenação, qualidade vocal representativa. (A Bakanova pode actuar em qualquer lado.)

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    1. Obrigado pelo comentário. Estava a ver que só nós (os três autores mais regulares do blogue) é que tínhamos gostado!

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  5. Ontem escrevi com conta Google mas aparece aqui como "Unknown". Como no passado já escrevi alguns comentários aqui nos FanáticosDaÓpera, e não gostando de aparecer como "Unknown", tento novamente com outra opção identificativa para o meu comentário acima. Obrigado.

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    1. Francisco Monteiro, Tudo o que chegou foi isto. Só não se publicam aqui neste blogue os comentários deliberadamente ofensivos / insultuosos. tudo o resto é publicado, mesmo quando dissonante da opinião dos autores, como são exemplo alguns comentários acima. Obrigado

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    2. Certamente. Peço desculpa pela confusão que porventura gerei. O meu 1º comentário, opinando sobre a récita/produção apareceu como autor "Unknown" mas a culpa disso foi minha. Peço desculpa se isso não claro. Ao "postar" havia seleccionado 'responder via conta Google' e pensava que a identificação aparecia, mas depois vi que a minha conta Google aparece identidade Unknown, porventura por não ter o serviço de Blogger activado. O único objectivo do 2º post era apenas acrescentar o meu nome. Obrigado!

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  6. Caro FanaticoUm,
    Li com surpresa a sua crítica porque confesso que fui dos que tiveram uma opinião muito distinta.
    Achei a encenação muito boa mas o desempenho vocal das duas protagonistas muito fraco tendo em conta o tipo de exigências que este repertório coloca.
    Não posso deixar de manifestar a minha desaprovação a quem, tendo uma apreciação desta Maria Stuarda próxima da minha, veio aqui manifestar-se nos comentários de forma inconveniente e imprópria.

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    1. Caro Plácido, Obrigado pelo seu comentário, que respeito totalmente, apesar de em sentido distinto do meu. Os comentários expressos de forma imprópria não foram publicados porque, para além da incorrecção, não traziam nada de interessante. Os outros, também divergentes (e com alguma "rudeza", estão publicados).
      Por mim, ficaria muito contente se mantivéssemos este nível de espectáculo no São Carlos.

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