terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Dido e Eneias (Purcell) e muito mais, Fundação Gulbenkian, Fevereiro de 2014 / Dido and Eneias (Purcell) and something else, Gulbenkian Foundation, February 2014

(review in english below)

Sob a direcção do maestro grego Teodor Currentzis, a Orquestra e Coro de câmara do teatro de ópera e ballet Tchaikovsky de Perm, MusicAeterna, apresentaram na Fundação Gulbenkian duas obras, Dixit Dominus HWV232 de Georg Friedrich Händel e Dido e Eneias de Henry Purcell.


 O salmo Dixit Dominus integra partes corais muito expressivas alternadas com árias, emprestando à obra uma beleza assinalável.
Dido e Eneias é, para mim, a melhor ópera inglesa, rica em intervenções corais, recitativos e árias. Aqui interpretada em versão concerto, é uma obra de grande intensidade emocional que culmina com uma pungente representação da dor e sofrimento na ária final, o lamento de Dido, When I am laid in earth. Desta famosa e sublime página, Victoria de los Angeles e Janet Baker, entre outras, deixaram-nos interpretações insuperáveis.

Teodor Currentzis apresenta-se com uma figura sui generis: vestido de negro, cabelo cortado e penteado à dread, calças justas e botas. A sua direcção é (excessivamente?) enérgica e ruidosa, faz muito barulho com os tacões das botas no solo. Mas, com o desenrolar do concerto, esquece-se esse aspecto desagradável, tal o impacto que a sua direcção causa. Disse que a sua missão é ser fiel ao que o compositor escreveu e trazer a vida real à música. Fá-lo de forma impecável e o seu misticismo é impressionante ou, direi melhor, arrepiante.


 MusicAeterna, orquestra e coro por si criados, permitiram que pudéssemos apreciar as qualidades de excepção do maestro. Se a interpretação musical com instrumentos da época e músicos excepcionais foi fantástica, o coro foi sublime em harmonia, expressividade, intensidade dramática e sincronismo. Parecia a uma só voz. 


 Os solistas não destoaram. O soprano alemão Anna Prohaska esteve muito bem como rainha Dido e num dos encores.


 Tobias Brendt, barítono alemão, foi o príncipe troiano Eneias e também esteve à altura.


 Belinda, irmã de Dido, foi fabulosamente cantada pelo soprano grego Eleni StamellouA feiticeira foi Maria Forsström, mezzo sueco que não destoou e, nos papéis secundários, estiveram o soprano grego Eleni Lydia Stamellou como 1ª bruxa, o mezzo russo Daria Telyatnikova como 2ª bruxa, o baixo russo Victor Shapovalov como marinheiro e o soprano russo Valeria Safonova como espírito.

Terminado o concerto, o melhor ainda viria nos encores (estou a ser injusto para com o final da Dido e Eneias): um primeiro que não identifiquei, interpretado apenas pelo coro, com mão de Peter Sellars, ao que percebi. Foi avassalador, tanto na interpretação cénica como, sobretudo, na vocal. Inesquecível!

A terminar, um extracto da “The Indian Queen” de Purcell, também primorosamente interpretada por todos, orquestra, coro e solistas. Já muitos tinham saído do auditório. Terão perdido o melhor da noite…

O esplendor do barroco na Gulbenkian!
Foi um dos concertos do ano e será difícil assistir a melhor!

*****


Dixit Dominus (Handel) , Dido and Aeneas (Purcell) and more, Gulbenkian Foundation, February 2014

Under the direction of Greek conductor Teodor Currentzis, the chamber orchestra and choir of Perm theater opera and ballet Tchaikovsky, MusicAeterna, presented two pieces at the Gulbenkian Foundation, Dixit Dominus HWV232 by Georg Friedrich Händel and Dido and Aeneas Henry Purcell.

Dixit Dominus integrates very expressive choral sections alternate with arias,making
the work of a remarkable beauty.
Dido and Aeneas is, for me, the best English opera, rich in corals, recitatives and arias. Here interpreted in concert version, it is a work of great emotional intensity that culminates in a poignant representation of pain and suffering in the final aria, Dido 's lament, When I am laid in earth .Of this famous and sublime musical page, Victoria de los Angeles and Janet Baker, among others, left us unsurpassed interpretations .

Teodor Currentzis apppeared in a sui generis figure: dressed in black, hair cut and style to dread, tight trouses and boots. His direction was (in excess ?) energetic and noisy, making a lot of noise with the heels of his boots on the ground. But with the course of the concert , we forgot this unpleasant noise such the impact that his direction imposed. He said before that his mission is to be true to what the composer wrote and bring real life to music.He does so flawlessly and his mystic is awesome.

MusicAeterna ,orchestra and chorus created by him, allowed that we could appreciate the exceptional qualities of the conductor. If the musical performance with old instruments and exceptional musicians was fantastic, the chorus was in sublime harmony, expressiveness, and dramatic intensity. They
seemed to sing with only one voice .

The soloists were at high level. German soprano Anna Prohaska was very convincing as Queen Dido. Tobias Brendt, German baritone, was the Trojan prince Aeneas and also rose to the challenge. Belinda  Dido 's sister, was fabulously sung by the Greek soprano Eleni Stamellou. Secondary roles included the witch that was Swedish mezzo Maria Forsström, Greek soprano Eleni Lydia Stamellou was the 1st witch,  Russian mezzo Daria Telyatnikova was 2nd Witch, Russian bass Victor Shapovalov was a sailor, and Russian soprano Valeria Safonova was a spirit.

After the concert, the best was yet to come in the encores (I'm being unfair to the end of Dido and Aeneas) : a first (not identified by me), interpreted only by the choir  with Peter Sellars arrangement . It was overwhelming, both in the scenic interpretation as, specially, vocal interpretation. Unforgettable!

Finally , an extract from "The Indian Quee " by Purcell, also beautifully played by everyone, orchestra, choir and soloists . Many mmebers of the audience had already left the auditorium. They have lost the best of the night ...

The baroque splendor at Gulbenkian!
It was one of the concerts of the year and it will be hard to watch much better!


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9 comentários:

  1. Genericamente de acordo, talvez o 1º encore não me tenha entusiasmado tanto. O Dido foi excepcional.
    Uma correcção: Fanie Antonelou foi substituída à última hora por Eleni Stamellou.

    http://olivrodaareia.blogspot.pt/2014/02/purcell-ovacionado-numa-leitura-unica.html

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    1. Caro Mário,
      Obrigado pelo seu comentário e pela correcção. Baseei-me na informação publicada no "site" da Gulbenkian e, pelo menos quando vi, não havia essa referência. Vou corrigir de imediato.
      E estamos de acordo, Dido foi excepcional.

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  2. Caros leitores dos ""Fanáticos da Ópera",
    Recomendo vivamente o blogue "O Livro de Areia" de Mário Gonçalves, que acima comentou e deixou o "link".
    Acabei de o descobrir. É um espaço de elevada qualidade, informativo, que alia a elegância da escrita à correcção da expressão e opinião. Estou certo que não se arrependarão de o visitar e desfrutar.

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  3. Sem qualquer reserva, pode dizer-se que este será O concerto do ano da FCG. Foi absolutamente excepcional!
    Se Teodor Currentzis pode, no imediato, ter um aspecto algo bizarro para aquilo que esperamos de um maestro, o brilhantismo que põe no que toca faz-nos esquecer de todo esse pormenor que, no fim, acaba mesmo por engrandecê-lo. Aliás, a sua direcção é vibrante! Não fosse ele maestro, seria bailarino (tem corpo disso!). Todo o seu corpo traduz a música de modo soberbo e não há nada que lhe escape. Já o ouvira em Madrid em Iolanta de Tchaikovsky e no Requiem de Verdi e já tinha ficado muito agradado, mas na 2.ª feira elevou-se a um nível ao alcance dos predestinados.
    E que dizer do seu coro do MusicAeterna? Foi sublime! Irreal.
    Anna Prohaska também esteve muito bem no lamento de Dido e o sentimento soprano-orquestra-coro-maestro foi absorvido até pelas cadeiras da sala! Pena que umas tosses tenham, de algum modo, perturbado o sublime momento.
    O trecho de The Indian Queen que se ouviu foi "They Tell Us That Your Mighty Powers". Anna Prohaska esteve em grande nível na sua interpretação.

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  4. Currentzis 1

    Peço desculpa por apenas agora entrar, mas desconhecia o blog, e como concordo com a afirmação final de Fanatico_um de que se tratou de um dos concertos do ano (eu diria, com camo_opera, O concerto do ano em Lisboa) tomo a liberdade de o comentar nalguns dos aspectos que não foram abordados pelos vários participantes que me precedem.
    O texto foi escrito na altura (Fevereiro de 2014), e divido-o por imperativo da aplicação (limite de caracteres por comentário)
    +++++

    Na realidade o que pudemos ver e ouvir no palco da FCG ilustra claramente o que pode ser uma apresentação de ópera em versão de concerto que não se assemelhe a um simples espectáculo musical com orquestra, solistas e coro.

    E simultaneamente este evento permite uma reflexão acerca de duas questões que, de modo mais agudo, coloquei a mim mesmo há quase um ano, quando a mesma obra de Purcell foi apresentada no mesmo palco, dessa vez no que se intitulou uma versão encenada: a questão da encenação, e a questão da dupla programação, pois nessa altura esse terá sido um dos problemas que me pareceu determinante na (baixa) qualidade do espectáculo.
    (Continua)

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  5. Currentzis 2

    Primeira reflexão: a ópera, encenada ou em versão de concerto.

    Teodor Currentzis consegue claramente criar uma forte empatia com os elementos (instrumentistas e cantores) do seu agrupamento da Ópera de Perm.

    Como resultante desse facto, a execução da obra musical transforma-se ela mesma num espectáculo lúdico, em que o maestro funciona não apenas como director musical, mas de facto também como director da cena, ou seja, encenador do prazer de interpretar em conjunto a peça musical.

    Bastaram portanto algumas pequenas intervenções, habitualmente inexistentes nos concertos ou apresentações concertisticas de obras líricas, para revolucionar o que supostamente deveria ter acontecido no palco do Grande Auditório.

    Essas intervenções, ao nível da luz, somadas à manipulação topográfica do conjunto de executantes, transformaram a apresentação em concerto da ópera de Purcell num verdadeiro espectáculo do prazer da sua fruição.

    A subtil dinâmica expressiva do conjunto, genialmente concentrada na géstica do director, aparece naturalmente como evidência do somatório das múltiplas execuções individuais, virtuosismos que, mais do que proezas técnicas, são aqui verdadeiras interpretações com o peso de emotividade a elas ligado.

    (Continua)

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  6. Currentzis 4

    Segunda reflexão: os programas duplos.

    Desta vez sim, poderia falar-se da força do encontro das duas partes do programa.

    O Dixit Dominus de GF Händel não é uma peça escrita para o teatro, pelo menos tanto quanto possa não se considerar teatro a liturgia da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no período barroco.

    No entanto ela encerra em si mesma uma tremenda força dramática. Foi essa força que o maestro libertou e o conjunto de intérpretes demonstrou com evidente prazer. O tempo acelerado imprimido à interpretação, conjugado com a maior dificuldade de execução técnica dele resultante, funcionaram aparentemente para os intérpretes como catalisadores do processo de produção dos sons.

    E desse modo o texto do salmo, suporte literário da peça musical, foi literalmente promovido à categoria de libretto, guião de uma representação que não foi planeada pelo compositor, mas aconteceu evidentemente pela força expressiva das interpretações.

    Nada melhor como preparação para a verdadeira representação da ópera que se seguiu no programa.

    No final

    No final do espectáculo, com a apresentação do hino Remember not, Lord, our offences, e da canção They tell us, transportados para ali da The Indian Queen de Purcell, que Peter Sellars encenou e estes mesmos intérpretes protagonizaram em Madrid, em Novembro passado, Teodor Currentzis terminou de forma simbólica o espectáculo, e encerrou também a sua tournée europeia.

    Com Dixit Dominus, seguido por Dido e Eneias, participamos de um espectáculo que foi literalmente uma brilhante encenação do prazer da música.

    JAM

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  7. Obrigado pelo seu contributio enriquecedor. Embora tardio, é um contributo significativo..

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