domingo, 30 de outubro de 2011

DON GIOVANNI – METLive – Fundação Calouste Gulbenkian, 29 de Outubro 2011




(review in english below)


Chegou a vez de Mozart em HD, com a novíssima produção de Don Giovanni.


O recentemente apontado maestro principal do MET, Fabio Luisi, dirigiu a Orquestra do MET de forma sublime, oferecendo-nos um som de qualidade superlativa, embora amplamente potenciado pela transmissão HD e, por vezes, não perfeitamente balanceado. Tomando as rédeas do cravo nos recitativos, tornou-se num maestro mais próximo dos cantores e foi clara a interacção milimétrica entre ambos.


A encenação de Michael Grandage é clássica e simples, onde dominam fatos fantásticos que vão de uma simplicidade com classe do vestido de Zerlina a uma classe com simplicidade do vestido de Donna Elvira. Quase que apetece passar pela rua com os prédios de fundo, entrar na sala de Don Giovanni e até mesmo no cemitério que em nada assusta com as várias figuras em pedra, incluindo a do Commendadore que literalmente se permite a movimentos mecânicos, seguindo o texto.



Mariusz Kwiecien foi Don Giovanni e já brilhou, segundo consta, neste papel nos melhores palcos da Europa, tendo chegado agora a vez de NY. Assombrado pelo problema musculo-esquelético que o levou a cirurgia há 15 dias, mesmo assim esteve recuperado para participar nesta transmissão em directo. Kwiecien canta o papel com uma qualidade invejável para qualquer barítono mas, na minha opinião, tivemos dois Don Giovanni em palco hoje e o que os separou foi o intervalo. No primeiro acto, a sua interpretação foi pouco convincente. Não vi um homem seguro na sedução ou maléfico nas artimanhas e na morte. Na ária de Donna Elvira “Non ti fidar, o mísera” esteve pouco entrosado com a mesma e muito abaixo do esperado ao fazer crer a Donna Anna e Don Ottavio que Elvira é louca. O segundo acto, iniciado com a troca de papéis com Leporello, foi magnífico em termos interpretativos, culminando na fantástica última cena com o Commendadore.





Luca Pisaroni foi um Leporello fantástico. Um sentido de comédia, que também senti em evolução durante a ópera, aliado a uma voz de excelente qualidade.


Num leque de estrelas que estiveram, no geral, ao mais alto nível, Barbara Frittoli foi, sem dúvida, a líder interpretativa. A idade trouxe-lhe a maturidade necessária para o papel de Elvira. Em cada gesto, em cada expressão, em cada nota, sente-se a personagem de forma limpa e clara. Soberba!



Marina Rebeka foi Donna Anna. É díficil, ao primeiro veslumbre, não nos perdermos nos seus olhos azuis, contrastando com o cabelo moreno e a face de traços redondos… A voz é cristalina, de timbre bonito e potente. Contudo, parece por vezes cantar o papel de Donna Anna como se se tratasse da Rainha da Noite de A Flauta Mágica – em potência e força. As expressões faciais procuram transmitir as emoções mas a voz não as segue, a dinâmica é demasiado subtil, impedindo que só por ela transmita as emoções. Talvez seja apenas artefacto da transmissão e ao vivo se sinta de modo diferente.



O Don Ottavio de Ramón Vargas foi lírico e nobre, fazendo as árias da capo como deve ser, com a repetição expressivamente um pouco diferente da exposição. No início pareceu-me não ter o timbre ideal para o papel mas cedo me rendi à sua interpretação.



Stefan Kocán foi perfeito como Commendatore. A voz tem a profundidade e o timbre perfeitos para o papel e a última cena foi colossal.





Mojca Erdmann e Joshua Bloom fizeram o par Zerlina e Masetto. Conheci a voz de Erdmann há uns meses atrás com o seu disco com árias de Mozart maioritariamente e fiquei apaixonado. Adorei a sua interpretação embora ache que nem sempre esteve ideal, com muitos sorrisos em alturas que os mesmos não seria o esperado para a personagem. Mas a voz é tão pura e bonita que quase nos questionamos como pode sair de tão franzino corpo. Bloom foi talvez o mais coeso dos intérpretes masculinos. Desde cedo as suas capacidades exímias como actor nos cativam e mantém-se, aliadas a uma voz forte. Cheguei a pensar, no primeiro, acto que preferia vê-lo como Don do que Kwiecien… A interação com Erdmann foi apaixonante.





Mais uma produção de elevado nível a que tivemos a possibilidade de assistir pela Fundação Calouste Gulbenkian. Um verdadeiro serviço público de reconhecido mérito, em prol da Música e da Ópera.




DON GIOVANNI - METLive - Calouste Gulbenkian Foundation, 29 October 2011






Mozart arrived in HD, in a new production of his Don Giovanni.


The newly appointed principal conductor of the MET, Fabio Luisi, directed the MET Orchestra in a sublime way, offering us a superlative sound quality, though largely enhanced by the HD broadcast, and sometimes not perfectly balanced. Taking the reins of the harpsichord in the recitatives, he became a conductor closest to the singers and was a millimetric and clear interaction between the two.

The staging by Michael Grandage is classic and simple, where the fantastic costumes dominate ranging from the simple and classy dress of Zerlina to a classy and simplicity of the dress of Donna Elvira. We almost felt the desire to walk down the street with the period buildings in the background, entering the room of Don Giovanni and even the cemetery which was no frightening at all with the various figures in stone, including the Commendadore one that literally allows the stated mechanical movements of the libretto.





Mariusz Kwiecien was Don Giovanni and he has made a great impact in several European opera houses in this role. Now it was time for NY. Haunted by the musculoskeletal problem that led him to surgery two weeks ago, he was perfectly recovered to participate in this live broadcast. Kwiecien sings the role with an enviable quality for any baritone but in my opinion, we had two Don Giovanni on stage today and what separated them was the interval. In the first act, his interpretation was unconvincing. I saw a man unsafe in the art of seduction and with no skill in the tricks and murderer. In Donna Elvira's aria "Non ti fidar, o misera" he was not in a convincing interaction with the female character, and he was below the expected when trying to convince Donna Anna and Don Ottavio that Elvira is insane. The second act begins with the exchange of roles with Leporello and it was magnificent in terms of interpretation, culminating in the fantastic last scene with the Commendadore.



Luca Pisaroni was a fantastic Leporello. A great sense of comedy, which I also felt in progress along the opera, coupled with a voice of excellent quality.

In a group of stars that were, in general, at their highest level, Barbara Frittoli was undoubtedly the leading interpretive. The age brought her the maturity to the role of Elvira. In every gesture, every expression, every note, the character feels so clean and clear. Superb!



Marina Rebeka was Donna Anna. It is difficult, at a first glance, not to get lost in her blue eyes, contrasting with the brunette hair and round face features ... The voice is crystal clear, with a beautiful and powerful tone. However, it seems at times to sing the role of Donna Anna as if it were the Queen of the Night from The Magic Flute - in power and strength. Facial expressions seek to convey the emotions but do not follow the voice, the dynamic is too subtle, not allowing it to convey the emotions only by itself. Maybe it's just an artifact of the live transmission and it will feel differently in the opera house.



Don Ottavio by Ramón Vargas was lyrical and noble, doing the da capo arias as it should be done, with a little interpretative change, different from the exposure. At first he seemed not to have the right tone for the role but soon I surrendered to his interpretation.



Stefan Kocán was perfect as the Commendatore. The voice has the perfect depth and pitch for the role and the last scene was colossal.




Mojca Erdmann and Joshua Bloom did the Zerlina and Masetto couple. I knew Erdmann recently with her album with Mozart arias and I fell in love with her. I loved his interpretation although I think that was not always ideal, with many smiles at times that they would not be expected for the character. But the voice is so pure and beautiful that we almost can question how it comes out from such an apparent frail body. Bloom was perhaps the most cohesive of the male performers. From the beginning of the opera his excelent capabilities as an actor captivate us and remains until the end, coupled with a strong voice. I even thought I would prefer to see him on the first act as the Don instead of Kwiecien... The interaction with Erdmann was passionate and exciting.




Another high level production from the MET that we were able to watch due to the Calouste Gulbenkian Foundation. A real public service of recognized merit, supporting the music and the opera.

5 comentários:

  1. caro wagner_fanatic,
    Tenho muita pena de não ter assistido a este espectáculo mas, por razões profissionais, encontro-me ausente de Lisboa. A sua descrição ainda me faz mais sentir que perdi um grande espectáculo.
    Para mim a grande expectativa era o Kwiecien que já vi várias vezes, sempre em desempenhos excelentes, cénica e vocalmente.
    Dos restantes cantores tenho muita curiosidade em ouvir Mojca Erdmann.
    Cumprimentos musicais

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  2. Vou procurar o DVD com esse Don Giovanni,
    pela crônica, posso imaginar a maravilha...
    Vão promover esse evento com DVD numa sala de espetáculos no Rio de Janeiro.
    Um abraço de todos do atelier

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  3. Agradeço a sua critica cuidadosa e que apreciei sobre o Don Giovanni, live, na Gulbenkian.
    Não estou totalmente de acordo com a sua apreciação.
    Musicalmente um espectaculo bem construido e de qualidade, mas que me desapontou. Fabio Luisi direcção musical superior. Encenação (Grandage) tradicional e pouco imaginativa. Simples , mas com vazio de ideias. Luca Pisaroni, fantástico, talvez actualmente o melhor Leporello. Kwiecien, “Don” impulsivo, teve dificuldades no 1º Acto. Vargas surpreendeu pela positiva em Don Octavio. O elo mais fraco foi o elenco feminino. Barbara Frittoli (Donna Elvira),refinada, boa interpretação, nem sempre bem nos agudos. Marina Rebeka, insegura em Donna Anna, voz metálica, por vezes estridente. Mojca Erdmann (Zerlina): soprano frágil, fraseado inexpressivo. Em minha opinião foi uma tarde que acabou por entediar. Não é desta que o MET impõe um Don Giovanni.

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  4. I wasn't so lucky with the performance. Luca Pisaroni indeed was great!

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  5. Caro fanatico,

    tendo a discordar da sua opiniao e a aproximar-me mais da do Demoura.
    Verdade seja dita que nao assisti a esta mas à da estreia, e Kwiecen nao esteve presente, pelo que logo ai nao posso comentar sobre o cantor. mas no que toca ao restante, nao consigo achar graça a barbara fritoli, nem a direcçao do Fabio Luigi (maestro que ainda nao me conseguiu convencer, diga-se) e mesmo a produção, so vale mesmo pelo final. Atrevo-me a dizer que foi até um pouco aborrecido, como alias, comentei no meu quiosque. Concordo com a opiniao que teve sobre o Ramon Vargas. Gosto dele.

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