domingo, 23 de outubro de 2011

DON CARLO – Teatro Nacional de São Carlos – 23 de Outubro 2011 – A visão de um Wagneriano...



Assisti hoje à última récita do Don Carlo no São Carlos e gostava de deixar a minha visão sobre esta produção. Esta foi a segunda vez que assisti a esta ópera ao vivo e, embora reconheça o seu grande valor na história da mesma, não posso dizer que seja a minha favorita das de Verdi e, por isso, talvez não seja muito versado na mesma. Aproxima-se de Wagner, pelo menos em 2 coisas: a duração e o pseudoleitmotiv da união entre amigos – Carlo e Rodrigo.

Esta produção do São Carlos é simplesmente, e como frequentemente costumo adjetivar, BRUTAL!!! É talvez a melhor produção desde o Anel do Nibelungo, ousando dizer que talvez o supere nas devidas proporções.

A encenação de Langridge é moderna, de palco cheio, e com pormenores de sublime excelência como é o caso do simbolismo da amizade e cumplicidade entre Carlo e Rodrigo com a inventada situação da quebra de um vaso por bola de ténis por Rodrigo em criança e o assumir da culpa por Carlo perante o pai Fillipo II. A retribuição desta lealdade encontra resposta, como sabemos, no decurso da ópera. A presença constante do túmulo de Carlos V toma também um papel de coerência necessária na encenação e que muito apreciei.

Martin André dirigiu uma Orquestra Sinfónica Portuguesa que nos ofereceu uma sonoridade confiante que há muito não ouvia. Foi forte o suporte para a presença em palco de um dos elencos mais equilibrados dos últimos tempos, cada um com qualidades exímias de representação.



Elisabete de Matos esteve ESTRATOSFÉRICA!!! e é sentida a sua estrela interior e a capacidade de elevar qualquer récita a um nível acima da média. Mas quem, à partida para esta produção, achava que só Matos seria um nome a considerar, enganou-se com os restantes intérpretes. Dimitri Platanias foi SOBERBO!!! Que barítono, que voz, que segurança nas diferentes alturas da tessitura!!!... O dueto com Giancarlo Monsalve “Dio, che nell’alma infondere” foi de síncrona qualidade superlativa, apoiados por um andamento perfeito por André. Giancarlo é um tenor jovem com agudos cristalinos e fortes mas por vezes com alguma sonoridade metalizada, principalmente no término das frases quando terminadas em vogais abertas. O Fillipo II de Enrico Iori foi imponente, com muito boa profundidade de voz, oferecendo uma ária “Ella giammai m’amo” de grande brilhantismo. O “rosnar” interpretativo de Ayk Martirossian conferiu o ajuste perfeito à personagem do Grande Inquisidor. A Princesa Eboli de Enkelejda Shkosa completou o grupo das personagens principais numa excelente interpretação.


Confesso que houve momentos em que já não sabia se estava em Lisboa ou... se em Londres...


Grande início de Temporada no São Carlos!

Tive pena de ler o comunicado do Sindicato dos Músicos-Cena em que revelam as dificuldades por que passam todos aqueles capazes de levar a cena estes espectáculos. Curioso que, em alturas de maior dificuldade, se consiga levar a palco uma das melhores produções do São Carlos dos últimos anos. Assim se revela a qualidade da ALMA ARTÍSTICA PORTUGUESA. Juntos conseguiremos chegar a bom porto...

9 comentários:

  1. A excelência de sua crônica nos faz sentir a grandiosidade da récita!
    Parabéns aos portugueses que conseguiram estar ao nível das potências da arte!
    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. Caro wagner_fanatic,

    Fico satisfeito por constatar o seu grande agrado pelo espectáculo de hoje. Exceptuando a encenação, também gostei muito. E, para mim, está é a ópera de Verdi que mais gosto.

    Como costuma escrever, as récitas são sempre diferentes e esta foi muito melhor do que a de dia 11 de Outubro. O tenor da outra récita (Alfred Kim) apresentou uma linha melódica mais consistente do que Giancarlo Monsalve. Todos os outros solistas tiveram interpretações superiores hoje, bem como o coro e a orquestra (e Irene Lima esteve fantástica). Até o maestro Martin André não fez barulho, o que foi uma agradável surpresa. Ia a contar com um comportamento semelhante ao de dia 11, mas hoje foi silencioso.

    Também foi um consolo ver o São Carlos esgotado!
    Espero que tudo isto constitua um incentivo para o nosso teratro nacional de ópera e músicos (e restante pessoal) que nele trabalham.

    Esperemos que a presente temporada marque a viragem para novo período de óperas de qualidade. Começou da melhor maneira!

    ResponderEliminar
  3. A visão de outro wagneriano:
    - Subscrevo o que disse o FanaticoUm.

    ResponderEliminar
  4. Caro Wagner_fanatic

    Obrigado por partilhar a sua opinião sobre uma produção a que, infelizmente, não pude assistir. Confesso que já tinha saudades de se falar assim tão bem do nosso S. Carlos. Que assim continue (se o deixarem).

    Cumprimentos musicais.

    ResponderEliminar
  5. Partilho da opinião quanto à produção: de grande nível. Se a nível cénico se pode ou não criticar a escolha dos cenários e dos fatos por apelarem a uma época mais moderna que aquela onde o enredo se passa, mas a verdade é que estava bastante bem.
    Os solistas estiveram todos eles em grande, nomeadamente a Elisabete Matos, o barítono Platanias e o baixo Enrico Iori que parece vir na onda da boa escola italiana de baixos.
    No dia em que fui (dia 20) a acção começa logo no 2º acto, saltando a parte onde Carlos e Elisabete ser apaixonam. Alguma razão em especial?
    Para terminar, o coro esteve também ele soberbo, o Auto da fé foi extraordinário.

    ResponderEliminar
  6. Muito interessante. Bem diz o FanaticoUm que cada récita é diferente. Ainda bem que gostou, wagner_fanatic.

    ResponderEliminar
  7. caro anónimo
    Se tanto percebi, refere-se ao facto de a ópera só ter 4 actos em vez dos 5 da estreia (versão francesa). Julgo que esta é uma opção da maior parte das reposições desta ópera e nesta não foi excepção. Em todas as récitas. Não foi só na do dia 20. Também assisti à do dia 20 e o dueto entre Carlo e Rodrigo, não correu assim tão bem, devido a desafinação do tenor. Terei ouvido mal?
    Xico

    ResponderEliminar
  8. Caro Xico,
    não ouviu mal. O tenor "rachou" um pouco a sua voz num agudo e desconcentrou-se um bocado a partir daí. Mas no geral esteve bem, tendo uma voz expressiva e bem audível, mesmo nos registos mais baixos.

    ResponderEliminar
  9. http://boxset.ru/4-lps-decca-giuseppe-verdi-don-carlo/

    Uma digitalização de um LP
    Se ignorarem os primeiros minutos, onde se sente o ruído da agulha, é uma excelente ópera com um casting divinal.

    ResponderEliminar