terça-feira, 16 de agosto de 2011

LOHENGRIN – Festival de Bayreuth. Transmissão directa no canal ARTE, Agosto de 2011

(review in English below)

Vi há poucos dias no blogue Operasora que ontem havia transmissão televisiva directa do Festival de Bayreuth da ópera Lohengrin de Richard Wagner. Não gosto de ver óperas na televisão mas, quando não há alternativa... Neste caso estava também particularmente curioso, dada a polémica surgida após a estreia desta produção no ano passado. Incluirei algumas fotografias de má qualidade, obtidas directamente da televisão, para dar uma ideia do que se viu.




Hans Neuenfels concebeu um espectáculo radicalmente diferente do convencional, polémico e provocador, em que a cenografia e guarda-roupa, ambas magníficas, foram de Reinhard von der Thannen


Dominam os ratos, que substituem os homens. Apenas alguns dos protagonistas se mantêm humanos até ao fim. A obra retrata uma experiência laboratorial em que os ratos, numerados, são confrontados com a descoberta da verdade e com a escolha entre o bem e o mal. A metáfora é polémica.

Os ratos aparecem soltos ou em gaiolas, cinzentos, negros, brancos, cor de rosa mas, quando a ocasião o exige, vestem-se de gala. As mãos e pés (ou deverei dizer patas?) continuam de roedor, até ao momento em que é revelada a verdadeira identidade de Lohengrin, quando se convertem em humanos.



Visualmente, a encenação é de efeito magnífico. Aparecem ainda projecções, também de roedores, e do seu efeito devastador quando actuam em grupo.


As forças do mal estão representadas pelo conde Friederich von Telramund e sua mulher, Ortrud, aparecendo ambos, no início, vestidos de negro.

Elsa, símbolo do bem, entra em cena vestida de branco, cravejada de setas, disparadas pelos ratos, condenando-a pela acusação falsa de Telramund de que matou o irmão Gottfried. Diz que o seu salvador será um cavaleiro que lhe apareceu numa visão..

Quando aparece Lohengrin, vem vestido de branco com um enorme cisne, também branco. Promete protecção a Elsa mas na condição de ela nunca lhe perguntar o nome ou de onde veio.


Derrota facilmente Telramund e, no final do 1º acto, o cisne reaparece depenado, talvez como presságio do mal que surgirá.


O 2º acto abre com um cavalo morto no centro do palco e uma carruagem negra, acidentada, com Ortrud e Telramund que planeiam vingança.



Tentam instalar a dúvida sobre a identidade do cavaleiro em todos, incluindo o rei e Elsa. Quando se aproxima o casamento de Elsa e Lohengrin, as mulheres aparecem com vestidos e chapéus coloridos, mas longas caudas de rato.

Elsa surge com um magnífico vestido branco e Ortrud, que a desafia, aparece vestida de forma idêntica, mas de negro. (Lembram o cisne branco e o cisne negro do Lago dos Cisnes de Tchaikowsky). Elsa sente-se ameaçada.





No 3º acto, após o casamento e breves momentos de ternura, Elsa a sós com o marido não resiste e pergunta-lhe o nome, de onde vem e o que faz.


Telramund entra no quarto nupcial e é morto por Lohengrin. Mais tarde, aparece como um rato morto, numa cama com rodas. Lohengrin, agora vestido de escuro, revela a sua identidade e a consequente necessidade de regressar, sozinho, a Montsalvat.











Reaparece o cisne. Elsa, também vestida de escuro, está desolada. Ortrud, agora com um exuberante vestido branco, felicita-se por Lohengrin partir precocemente.




Lohengrin diz a Elsa que o irmão não morreu e a ópera termina de forma chocante, com a saída de Gottfried de um ovo, em figura fetal repugnante, com um cordão umbilical que parte aos pedaços e atira ao povo de Brabant.



O maestro letão Andris Nelsons dirigiu superiormente a Orquestra do Festival de Bayreuth. O Coro do Festival de Bayreuth (os ratos) teve também um excelente desempenho.

Lohengrin foi interpretado pelo tenor alemão Klaus Florian Vogt. Um assombro! A voz é de uma pureza cristalina e beleza melódica absolutamente invulgares. O timbre é muito claro, angelical e canta com igual qualidade em toda a extensão vocal. Por vezes parece um contratenor. Cenicamente esteve bem, mas o que me impressionou foi a voz! Já o ouvi ao vivo no Parsifal mas achei este Lohengrin muito superior. Foi para mim uma experiência nova ouvir um grande papel de tenor wagneriano cantado desta forma.


Annette Dasch, soprano alemão, foi uma Elsa de qualidade. A voz é bonita, segura e bem audível. No registo mais agudo,por vezes, denotou pouco à vontade.. A cantora é jovem, tem uma excelente figura e uma presença agradável em palco.


Ortrud foi interpretada pelo mezzo-soprano alemão Petra Lang. Foi outra interpretação arrasadora! A cantora tem uma extensão vocal invulgar e uma qualidade interpretativa superior. Foi capaz de transmitir maldade, raiva e ódio como raramente se vê e ouve em ópera. Para mim, a referência de Ortrud é Waltraud Meier, que admirei há anos neste papel no São Carlos, quando estava no auge das suas capacidades vocais, onde foi absolutamente sensacional. Todas as outras que vi depois ficaram aquém, mas ontem Petra Lang mostrou que nenhuma interpretação é insuperável!


O baritono islandês Tómas Tómasson foi um Telramund com qualidade vocal e cénica e também estiveram bem o fantástico baixo alemão Georg Zeppenfeld como rei Heinrich e o baixo-barítono coreano Samuel Youn como Arauto.




Um espectáculo inesquecível que gostaria muito de poder ver ao vivo.

*****


LOHENGRIN - Bayreuth Festival. Direct transmission on the TV channel ARTE, August 2011


I saw a few days ago on the blog Operasora that a direct television broadcast from Bayreuth Festival would take place on August 14th. The opera was Lohengrin by Richard Wagner. I do not like to see operas on television, but when there is no alternative ... In this case I also was particularly curious, given the controversy which arose after the premiere of this production last year. I include some photographs of poor quality, obtained directly from the television, to give an idea of ​​what was seen.

Hans Neuenfels conceived a radically different production, controversial and provocative, in which the designs and costumes, both magnificent, were by Reinhard von der Thannen.

The rats dominate, replacing humans. Only some of the protagonists remained human until the end. The work is about a laboratory experiment in which numbered rats are confronted with the discovery of truth and the choice between good and evil. The metaphor is controversial.

Rats appear free or in cages, gray, black, white and pink but, when the occasion demands it, they dress formally. The hands and feet remain of rodent until the true identity of Lohengrin is revealed, when some become human. Visually the staging is magnificent. Some films also appear, also with rodents and their devastating effects when they act in groups.

The forces of evil are represented by Count Friedrich von Telramund and his wife, Ortrud, appearing both (at the beginning), dressed in black. Elsa, a symbol of the good, comes in dressed in white, studded with arrows fired by rats, by condemning the false accusation of Telramund that she killed her brother Gottfried. She says she will be rescued by a knight she saw in a vision.

When Lohengrin appears with a huge white swan, he is dressed in white. He promises protection to Elsa but on one condition, that she never asks him his name or where he comes from. Telramund is easily defeat by Lohengrin and at the end of the 1st act, the swan reappears plucked, perhaps an omen of evil that will come.

The 2nd act opens with a dead horse in the centre of the stage and a black carriage, rugged, with Ortrud and Telramund, who plan revenge. They try to install the doubt about the identity of the knight in all, including the King and Elsa. When the wedding of Elsa and Lohengrin is about to happen, women appear with colourful dresses and hats, but long rat tails.

Elsa arrives with a beautiful white dress and Ortrud, who challenges Elsa, is dressed identically, but in black. (This reminds the white swan and the black swan from Tchaikowsky Swan Lake). 
Elsa feels threatened.

In 3rd act, after the wedding and brief moments of tenderness Elsa, alone with her husband, can not resist and asks him his name and where he comes from. Telramund enters the bridal chamber and is killed by Lohengrin. Later, he appears as a dead rat in a bed with wheels. Lohengrin, now dressed in dark, reveals his identity and the need to return, alone, to Montsalvat. The swan reappears. Elsa, also dressed in dark, is devastated. Ortrud, now with a gorgeous white dress, welcomes the premature departure of Lohengrin.

Lohengrin informs Elsa that her brother did not die and the opera ends on a shocking way. Gottfried emerges from an egg in an embryo repulsive form, with a umbilical cord that he cuts into pieces and throws to the people of Brabant.

 The Latvian conductor Andris Nelsons directed superbly the Orchestra of the Bayreuth Festival. The Chorus of the Bayreuth Festival (the rats) had an excellent performance.
Lohengrin was interpretedby German tenor Klaus Florian Vogt. A wonder! The voice is unique in its pure crystal and melodic beauty. The timbre is very clear, angelic, and he sings with the same quality throughout the vocal range. Sometimes he seems a countertenor. Artistically he was fine, but what impressed me was the voice! I've heard him live in Parsifal but I found this Lohengrin much superior. It was a new experience for me to hear a main Wagnerian tenor role sung this way.

Annette Dasch, German soprano, was a  Elsa of high quality. The voice is beautiful, sound and well audible. Her top notes, occasionally,  seemed to be difficult to deliver.The singer is young, has a nice figure and a good presence on stage.
Ortrud was German mezzo-soprano Petra Lang. Another overwhelming performance! The singer has an unusual vocal range and an astonishing artistic interpretation. She was able to convey evil, anger and hate as you rarely see and hear on opera. For me, the reference for Ortrud is Waltraud Meier, who I admired years ago when she sang in Teatro São Carlos in Lisbon. Meier was at the top of her fabulous vocal abilities, and she was absolutely sensational. All other “Ortruds” I saw ever since were not as good as Meier’s, but yesterday Petra Lang showed that it is always possible to surpass an unforgettable performance.

 The Icelandic baritone Tómas Tomasson was a good Telramund, both vocally and artistically and the fantastic German bass Georg Zeppenfeld as King Heinrich and the bass-baritone Samuel Youn as Korean Herald were also very good performers.

An unforgettable experience that I would love to be able to see live.

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9 comentários:

  1. I wasn't satisfied with Annette Dasch as Elsa. She is beautiful and popular through her own show on TV, but her voice is not enough for Wagner. If she sings further Wagner, it will ruin her voice.

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  2. Caro FanaticoUm,
    Permita-me que discorde em alguns aspectos, a começar pelo mau gosto da encenação, que para mim é uma afronta à beleza da música que se ouve. Não por ser um conceito moderno, mas por ser horripilante e desprovido de sentido.
    Não gostei do Telramund e a voz de Petra Lang também não me agrada muito (ouvi-a como Brangäne em Oviedo). Quer a nível vocal quer interpretativo, a Meier que vimos em Lisboa esteve e estará sempre a um nível ao qual ela não poderá chegar.
    O arauto foi o cantor que vimos em Lisboa como Wanderer no "Siegfried" de Vick. Gostei dele. E muito do rei Heinrich.
    Quanto a Vogt e a Annette Dasch, tenho algumas reservas. Ele tem uma voz muito bonita e angelical, fraseia muito bem, mas falta-me ali uma ponta de voz heróica à Kaufmann. Teria de os ouvir ao vivo, lá, mas de olhos vendados. A orquestra esteve soberba.

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  3. Caro Fanático,
    não perco mais nenhuma crônica deste excelente blog. Gostei muitíssimo desse texto - o não gostar
    de teatro pela televisão, eu também não gosto, mas estar aberto às novidades, no caso a releitura surrealística ou melhor expressionista da obra Wagneriana, eu aplaudo de pé! A tradição, em geral, já foi revolução!
    Parabéns e um grande abraço

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  4. @ Paulo,
    Já tinha ligo no seu blog algumas reservas que colocou. Também achei a encenação de gosto muito duvidoso, mas visualmente tem um impacto notável para mim.
    Dos cantores principais, apesar de ter visto na televisão (e isso limita brutalmente a apreciação) gostei muito de Petra Lang (que nunca vi ao vivo) e também de Vogt, sobretudo pela beleza angelical da voz. Sabe que sou um admirador incondicional de Kaufmann que, para mim, é o melhor Lohengrin no activo. A Vogt falta virilidade na voz, mas que nunca tinha ouvido uma interpretação tão lírica deste papel, nunca. Mas, mais uma vez, foi na televisão.
    Sabe que poderá sempre discordar de tudo aquilo que eu escrever. As duas críticas são sempre encaradas como contributos positivos, informados e informativos por este blogue. Muito obrigado por comentar e nunca hesite em criticar.

    @ Antonio,

    Obrigado pelo seu comentário. A releitura desta obra foi muitíssimo criticada e, mesmo no final da récita, o público manifestou-se com indignação. Eu próprio devo confessar que me senti incomodado, mas ao mesmo tempo, impressionado com o espectáculo visual. O sonoro foi outra coisa...

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  5. Não tive a oportunidade de ver este Lohengrin... Espero poder apanhar alguns excertos via youtube e talvez aí possa ter uma opinião pessoal não baseada em tudo o que já aqui foi escrito. Sou adepto de inovação em encenações e, embora as tradicionais sejam as que prefiro, quando a inovação tem bom gosto e sentido cénico-dramático admiro-as como se de clássicas se tratassem. Não me parece que esta encenação se encaixe nessa minha visão. Não consigo assumir uma validade cenico-dramática para os ratos e, pessoalmente, acho asqueroso a sua utilização do mesmo modo que o acho a imagem do irmão de Elsa... Nunca fui a Bayreuth e já tive mais vontade no passado de lá ir, principalmente porque as encenações que têm sido levadas a palco primarem por esta pseudoinovação agressiva.

    Klaus Florian Vogt tem realmente uma voz cristalina mas falta-lhe alma a cantar. Senti-o no seu Parsifal em Barcelona, em contraposição ao de Christopher Ventris. Aqui deve ter sido semelhante. Canta, declama, mas é tudo igual do ponto de vista dramático.

    Petra Lang é, sem dúvida, de qualidade superior à média.

    Os restantes nunca ouvi ao vivo...

    No geral, talvez uma récita mais para ouvir do que para ver, não?

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  6. Ainda de férias, (não tive acesso ao Arte) mas deliciada a ler o artigo excelente neste blog, e ainda mais os comentários entusiastas... De facto, as leituras que vêm a ser feitas de Lohengrin deixam-nos sempre em suspense, tal é a beleza desta ópera... gostaria muito de poder ver esta encenação ao vivo, apesar das polémicas e dos contraditórios. A figura fetal parece-me exagerada e os ratos parecem repetitivos em muitas encenações,mas deve ter sido bom ouvir Klaus Florian Vogt e Petra Lang.
    Obrigada por partilhar a experiência! Vou divulgar no meu blog, se não se importa!!!

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  7. Cara Elsa,
    Obrigado pelo seu comentário. Claro que nunca nos importamos que faça referência ao que escrevemos por aqui. Pelo contrário, é para nós, uma distinção.
    Como leu pelos comentários, aqui e noutros blogues, estamos perante uma encenação muito polémica e com partes de franco mau gosto, como é o feto aberrante no final a atirar partes do cordão umbilical (não sei se é uma metáfora às salsichas alemãs! lol).
    Mas a música foi soberba. A orquestra excepcional e os solistas de invulgar categoria (com excepção de Annette Dasch que foi mais "banal". Ouvir o Lohengrin cantado pelo Vogt foi uma experiência nova para mim. Nunca tinha ouvido uma interpretação tão lírica e angelical. A voz do cantor é de uma beleza impressionante, embora concorde que lhe falte um toque mais viril (mais heróica, como refere o Paulo). Petra Lang foi, para mim, sensacional na voz e na interpretação cénica. E os outros também muito bons. Fiquei com muita pena de não ter visto ao vivo, para realmente apreciar a récita em condições.
    Também o meu colega de blogue wagner_fanatic não teve possibilidade de assistir mas, do que lhe conheço, não teria vibrado nem com a encenação nem com o Vogt.
    Cumprimentos

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  8. Fanático,

    Poxa, a aparição do irmão da Elsa no final é para ter o efeito de uma redenção, apesar de alguns percalços, o bem venceu o mal, inicia-se um novo ciclo, essa é a idéia.

    Colocar esse filhote de ET saindo do ovo é uma das coisas mais rídiculas que eu já vi.

    Acredito que seja impactante, talvez na hora traga até uma catarse e produza efeito, mas depois que você para pra pensar, vê que é de um mau gosto terrível, não por que seja feio (o feito tem valor na arte, quando usado corretamente), mas porque vai contra o sentido da história!

    Se fosse pelo menos um feto bonitinho, poderia aceitar. Estaria de acordo. Ou até poderia aceitar um filhote de rato, alguem na ignorância origianl sugerida pela montagem.

    São esses tipo de relato que me fazem pensar se vale realmente a pena ficar enviando cartas por seis anos para conseguir o famigerado ingresso para Bayreuth. Tenho muito medo de sair decepcionado!

    Eduardo

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  9. Eduardo,
    De facto o final é muito controverso, feio e, como diz, vai no sentido contrário ao da história (porque associamos o feio ao mal).
    Quem sabe se um dos objectivos do encenador era provocar o público com este tipo de discussão.

    Como um amigo meu diz, profundo conhecedor e apreciador de Wagner (e não é o meu colega de blogue wagner_fanatic, também ele um "expert"), quando o que se vê incomoda ou não é interessante, fecham-se os olhos e ouve-se.
    Eu confesso que o não consigo fazer.
    Cumprimentos

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