segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Gruberova triunfa como Lucrezia na Wiener Staatsoper - 2 de Outubro de 2010

























A Primadonna Assoluta Edita Gruberova levou o público de Viena ao delírio ao interpretar, pela primeira vez no grande palco da Wiener Staatsoper, Lucrezia Borgia.

A incomparável cantora, quase a completar 64 anos de idade, e há muito detentora do título de Österreichische Kammersängerin, já actuou mais de 500 vezes no palco da Wiener Staatsoper ao longo dos últimos 40 anos. E uma vez mais voltou a esse palco, desta vez para uma estreia: Lucrezia Borgia.

O evento, que era aguardado com grande expectativa, foi largamente anunciado nos meios de comunicação social austríacos. Vários jornais, revistas, estações de rádio e televisão davam notícia da presença de Edita na Ópera de Viena. Inclusivamente, no avião que me levou até Viena, deparei com um inesperado artigo numa revista, em que surgia a fotografia de Edita Gruberova, acerca desta tão esperada estreia.

O espectáculo, que decorreu em versão de concerto, foi transmitido em directo por várias estações de rádio europeias. Para todos aqueles que não tiveram oportunidade de escutá-lo em directo, o evento ainda está disponível no site da ORF, acessível através do seguinte link:

http://oe1.orf.at/programm/255467


No exterior do edifício da Ópera, na Herbert von Karajan Platz, estava colocado um ecrã gigante, através do qual todos os que não conseguiram bilhete puderam ver e ouvir o espectáculo.
O concerto principiou. Laura Polverelli (Mafio Orsini) e José Bros (Gennaro), fazem as suas primeiras e breves intervenções.
Pouco depois, quando Gruberova surge no palco, imediatamente se faz ouvir um forte aplauso e gritos de "Brava!". O público saudava, assim, a aparição da grande cantora.
A Gruberova canta então "Tranquilo ei posa. Com'é bello! Quale incanto". Notei que Edita optou por uma postura mais afirmativa do que o habitual, quando cantou esta ária. Recorreu menos aos pianissimi e a alguns efeitos expressivos, como o crescendo e decrescendo com que algumas vezes pronuncia a primeira frase - Tranquilo ei posa. Todavia, mesmo dando um carácter mais afirmativo e uniforme em termos de dinâmica, Edita transmitiu um enorme lirismo em toda a ária. Eis aqui uma admirável característica de Gruberova, e que caracteriza os grandes artistas: a capacidade de interpretar de formas diferentes a mesma obra, mantendo contudo uma enorme coerência e um elevado bom gosto musical. Os trilos em pianissimo com que terminou a ária, foram duma perfeição admirável. O público aplaudiu intensamente Gruberova, no final desta ária.

Durante todo o prólogo, a prestação dos cantores foi formidável, com destaque para Gruberova e Jose Bros, que tiveram de regressar por duas vezes ao palco no final do prólogo, tal foi a intensidade e a duração dos aplausos.

Logo de seguida, tem início o primeiro acto. É aqui que surge pela primeira vez Michele Pertusi (Don Alfonso I), que interpretou bastante bem a ária "Vieni! La mia vendetta", quer na gestualidade, quer na expressão facial, quer vocalmente. Queria, a este propósito, fazer notar que, apesar de se ter tratado duma ópera em versão de concerto, os cantores e, em especial, Gruberova, interpretaram de forma tão admirável os seus papéis, que parecia que estávamos a assistir a uma ópera encenada: os gestos, os passos, a movimentação dos cantores, a expressão facial. Tudo parecia configurar uma verdadeira representação, à qual apenas faltavam os cenários e o guarda-roupa.

Gruberova foi admirável nos diálogos com D. Alfonso, quando tentava persuadi-lo a poupar Gennaro, bem como transmitindo a tensão que Lucrezia vivia ao ter de evenenar o próprio filho.

A tensão dramática, que progride durante toda a obra, atinge o seu apogeu no segundo acto, que ocorreu após o intervalo. É neste acto que Lucrezia revela a Gennaro que ele é seu filho. Neste diálogo final entre ambos, os cantores foram admiráveis. Gruberova e José Bros conseguiram transmitir toda a dor das personagens com uma intensidade tocante. Foi arrepiante o súbito dó sobreagudo que Edita emitiu no momento em que Lucrezia estaria prestes a ser ferida de morte por Gennaro. A Gruberova conseguiu um efeito dramático impressionante com o corte súbito do sobreagudo, seguido duma pausa, antes de exclamar com um timbre profundo e magoado: Un Borgia sei!

No final, todos os restantes cantores abandonam o palco e Gruberova fica sozinha, fazendo arrepiar todo o público com "Era dessa il figlio mio". A cantora parecia chorar enquanto cantava, era enorme a dor que transmitia na sua voz e na sua expressão facial. A temida Lucrezia Borgia, transformava-se aqui numa mãe que tinha perdido o seu filho e que estava dominada por um enorme sentimento de perda e de culpa. Edita foi brilhante nos dificílimos momentos de acrobática coloratura final, terminando com um poderosíssimo mi sobreagudo, que manteve ao longo de oito compassos! Edita Gruberova, após todo o esforço que certamente representou todo o seu magnífico desempenho nesta ópera, ainda teve energia para este demorado mi sobreagudo, que manteve com uma emissão absolutamente uniforme durante toda a sua duração. Impressionante!
O público, não conseguindo esperar que a orquestra atingisse os acordes finais, começa imediatamente a exclamar: "Brava! Brava!".

Mal a orquestra se silencia, todo o público se coloca de pé e aplaude intensissimamente. Edita Gruberova emocionada, mas visivelmente feliz, agradece. Imensas pessoas abandonam os seus lugares e descem pelos corredores da plateia até ao palco, empunhando máquinas fotográficas e telemóveis, para conseguirem fotografar mais de perto a grande cantora.

Os aplausos duraram mais de vinte minutos! A orquestra e o coro abandonaram o palco, mas os aplausos não terminavam e os cantores tinham de regressar novamente. Junto à saída do palco, câmaras de televisão, repórteres, fotógrafos, rodeavam Gruberova. Foi uma apoteose impressionante. Dum dos camarotes, algumas pessoas penduraram um cartaz onde podia ler-se "Edita. Simply the best!".

Os aplausos já duravam havia cerca de 20 minutos, mas o público queria que Gruberova regressasse ao palco. Então, começaram a gritar: "Edita! Edita!". Gruberova regressou uma e outra vez. Foi memorável esta magnífica noite, em que Edita Gruberova triunfou uma vez mais na Wiener Staatsoper, agora como Lucrezia Borgia.

Não foi possível obter autógrafos de Gruberova, dado que os cantores foram participar num jantar de gala que teve lugar no interior da Staatsoper. Ainda assim, alguns fãs japoneses de Gruberova, que vierem propositadamente do Japão para assistir a este momento, afirmaram que esperariam que o demorado jantar terminasse, para receberem o tão esperado autógrafo de Gruberova.
Várias estações de televisão fizeram reportagens sobre este concerto. Encontrei um breve apontamento televisivo da ORF, com imagens deste concerto, que pode ser visualizado através do seguinte link:

http://tvthek.orf.at/programs/1360-Seitenblicke/episodes/1644593-Seitenblicke/1646749-Edita-Gruberova-feiert-Buehnenjubilaeum

Aproveito também para anunciar que acabou de ser lançado o novo CD de Lucrezia Borgia com Edita Gruberova, que foi gravado ao vivo em Junho de 2010 em Colónia (a última fotografia que aqui coloquei, mostra um cartaz com a capa do CD). Já tive oportunidade de relatar, aqui no blog, o concerto em que decorreu a gravação desse CD, a que também assisti, na Kölner Philharmonie.

4 comentários:

  1. Suponho que a edição em dvd desta "Lucrezia" será aguardada com sobeja expectativa!

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  2. Se vier a ser editado um DVD deste espectáculo, será seguramente um registo dum grande e inesquecível momento.

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  3. Não sei se será editado em DVD, uma vez que já existe uma Lucrezia com a Gruberova (em Munique, se não estou em erro).

    Tive oportunidade de ouvir o prólogo e o primeiro acto. Gruberova é, na verdade uma cantora fantástica.

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