quinta-feira, 26 de novembro de 2009

DON CARLO – Royal Opera House, Londres, Junho de 2008 e Outubro de 2009

A ópera passa-se no Séc. XVI. Estabelece-se um tratado de paz entre a França e Espanha com o casamento da princesa Elisabete de Valois filha de Henrique II e Don Carlos, filho de Filipe II e herdeiro do trono espanhol. Don Carlos passeia incógnito na floresta de Fontainebleau e aí encontra Elisabete. Dá um retrato de si próprio e ela percebe que é com ele que vai casar. Trocam sentimentos de felicidade que são interrompidos com a notícia de uma alteração ao tratado de paz. Por decisão do pai, Elisabete irá casar com o rei Filipe II e não com o filho. Elisabete aceita a decisão mas ficam ambos devastados. Carlos refugia-se no mosteiro de San Yuste, onde se recolheu o avô, Imperador Carlos V antres de morrer. Lá encontra-se com o amigo Rodrigo, marquês de Posa, que lhe recorda que o povo da Flandres continua oprimido pela Espanha. Elisabete, agora rainha, está com a princesa Eboli quando recebe de Rodrigo uma missiva de Carlos, referindo que deve confiar no amigo. Carlos quer que ela convença o rei a mandá-lo para a Flandres. Chega Filipe e Rodrigo pede-lhe para terminar a opressão do povo da Flandres, o que ele recusa. Confessa-lhe que suspeita que a rainha e o filho não lhe são fieis e pede a Rodrigo para os vigiar. À noite, nos jardins do palácio Carlos procura encontrar-se com Elisabete mas a mulher que pensa ser ela é Eboli, que o ama e, quando se vê rejeitada, jura vingar-se. Numa praça em frente da catedral de Valladolid, enquanto hereges são queimados vivos, um grupo de enviados da Flandres pede paz ao rei Filipe II, que recusa. Carlos pede ao pai a regência da Flandres mas, ao vê-la negada, pega na espada contra ele. É desarmado por Rodrigo, que é feito Duque pelo rei, como sinal de reconhecimento. Filipe lamenta a falta de amor de Elisabete e, em diálogo com o Grande Inquisidor, obtem permissão para sacrificar o filho e para entregar Rodrigo à inquisição. Surge Elisabete que é acusada pelo rei de adultério com Carlos. Desmaia e Filipe percebe que ela é inocente. Surge Eboli que confessa à rainha que a acusou falsamente e que ela é amante do rei. Rodrigo encontra-se com Carlos e pede-lhe para manter a causa do povo da Flandres. É assassinado pela inquisição, mas antes diz a Carlos para se encntrar com Elisabete no mosteiro. Elisabete, no mosteiro de San Yuste, encontra-se com Carlos, que está decidido a partir para a Flandres e faz votos de felicidade num próximo mundo. Surgem Filipe e o Grande Inquisidor. O espírito de Carlos V materializa-se e diz que o sofrimento é inevitável e só cessará no céu.

O enredo desta ópera em 5 actos, de Giuseppe Verdi, não é dos mais claros, mas a ópera tem momentos musicais de invulgar beleza, nomeadamente os duetos entre Carlos e Elisabete, Carlos e Rodrigo e, sobretudo, entre Filipe e o Grande Inquisidor. A produção da ROH é, mais uma vez, assombrosa. A encenação é de Nicholas Hynter, que não se poupou a esforços para montar um espectáculo rico, diversificado e deslumbrante. Uma das encenações mais notáveis a que assisti. Na direcção musical houve diferenças marcadas entre o ano da estreia, 2008, em que António Pappano extraiu da orquestra o seu melhor e 2009, em que Semyon Bychkov não esteve ao mesmo nível, o que foi pena.
Os elencos tiveram diversos interpretes em comum, mas as diferenças foram interessantes:
Carlos foi interpretado em 2008 por Rollando Villazón e em 2009 por Jonas Kaufmann. Villazón estava já na fase de cancelamentos frequentes mas, para mim, esteve bem. Devo confessar que é um dos intérpretes actuais que mais gosto, por isso talvez tenha uma natural tolerâcia. Esteve bem, a sua voz de belíssimo timbre e projecção acertada esteve sempre presente. Contudo, Villazón é um excelente exemplo do que há de melhor nos interpretes actuais da ópera – associa a boa prestação vocal a uma excelente presença em palco. Cenicamente é insuperável, a figura ajuda muito, o que dá grande credibilidade à interpretação. Jonas Kaufmann foi soberbo na representação, apesar de um estilo bem diferente. Esteve afinadíssimo e é detentor de uma voz poderosa. É um tenor com um timbre baritonal que dá um encanto muito próprio às suas interpretações. A figura é excelente e, cenicamente, é convincente.
No papel de Rodrigo tivemos Simon Keenlyside nas duas récitas. Voz poderosíssima, barítono do melhor que já ouvi, timbre muito agradável, excelente actor em palco. E as árias que Verdi lhe reservou fazem justiça a um bom cantor, mesmo que não interprete bem, que não foi, de todo, o caso.
Concluindo as principais vozes masculinas, passo aos baixos. Ferruccio Furlanetto foi Filipe II nas duas récitas. Que voz! O chão da ROH deve ter tremido várias vezes. Uma potência insuperável, um tímbre invulgar num baixo e uma excelente presença em palco. A voz enchia totalmente a sala e os nossos sentimentos. Foi, talvez, o melhor nas duas récitas. O Grande Inquisidor foi Eric Halfvarson em 2008 e John Tomlison em 2009. Mais duas vozes poderosíssimas que, com a dádiva de Verdi, nos proporcionam os melhores momentos do espectáculo. Ambos foram excelentes mas, mais uma vez, devo confessar uma preferêcia pessoal por Tomilson.
Marina Poplavskaya foi Elisabete de Valois nas duas récitas. É um soprano russo de boa figura, que se faz ouvir em qualquer lugar e considerada actualmente dos expoentes máximos dos sopranos. Na minha opinião, não questionando a força da emissão, acho que sofre de um “pecado” frequente em muitas cantoras de leste – dureza excessiva e falta de sentimento na voz, sobretudo notória no dueto de amor do primeiro acto com Carlos. Inserida num conjunto diferente de cantores, brilharia de outra forma mas, neste naipe, esteve aquém dos outros, apesar do grande aplauso do público.
Finalmente Eboli que foi interpretada por Sonia Ganassi em 2008 e por Marianne Cornetti em 2009. Foram muitro diferentes! Ganassi esteve bem melhor, cumpriu com dignidade e valentia o papel, cenicamente correcta, mas não atingiu aquele patamar mágico que sempre esperamos. Também a sua voz não é a mais indicada para este papel. Cornetti limitou-se a cumprir, sem brilho, o papel.
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