domingo, 7 de março de 2010

LA BOHÈME – Met Opera, Nova Iorque, Fevereiro de 2010

La Bohème de G. Puccini é uma das óperas mais conhecidas do compositor e conto-me entre os que a incluem entre as melhores. Nesta história de amor entre o poeta Rodolfo e a tuberculosa Mimi há momentos musicais de grande lirismo e intensidade dramática que tornam inesquecível uma récita bem encenada e bem interpretada. Foi isto que aconteceu, nesta magnífica produção de Franco Zeffirelli, superiormente dirigida por Marco Armiliato.
Já tive oportunidade de assistir a várias produções de Zeffirelli no Met e tenho dificuldade em eleger a melhor! Apesar de serem encenações já de há duas ou três décadas, é com pena que vejo que Peter Gelb (actual “manager” do Met) as está a substituir progressivamente por outras de menor qualidade (a nova Tosca deste ano, de Luc Bondy, que substituiu a de Zeffirelli, foi um escândalo colossal, segundo o que li e, sobretudo, o que ouvi lá). Mas, felizmente, ainda se pode assistir a esta Bohème. Toda a encenação é excelente mas a pujança do 2º Acto no Café Momus no Quartier Latin e a eficácia do 3º Acto na Barrière d’Enfer são de cortar a respiração.


Mimi foi Anna Netrebko. Que poderei mais escrever em relação a esta fabulosa cantora? Está cada vez melhor, a voz de soprano é de uma beleza única, os agudos são estratosféricos e arrepiantes, dá-nos sempre umas interpretações fabulosas e quando a ouvimos passamos para outra dimensão. Penso que, vocalmente, não há melhor na actualidade e, pelo que ouvi nas gravações das antigas, será uma das melhores de sempre.


Piotr Beczala foi um Rodolfo à altura e, mais uma vez, mostrou que é um tenor seguro, de invulgar beleza tímbrica, voz grande e consistente em todos os registos, particularmente notável nos agudos. E, em palco, está cada vez melhor! É, sem dúvida, um dos melhores tenores da actualidade.



Nicole Cabell foi uma Musetta de qualidade mas, face aos restantes, não brilhou tanto. Marcello foi Gerald Finley, Colline foi Sheyang e Schaunard foi Massimo Cavalletti. Todos estiveram bem, com particular destaque para Gerald Finley


(Algumas fotografias apresentadas são de Andrea Mohin / The New York Times)
Esta récita foi um daqueles espectáculos mágicos que sempre ansiamos mas, poucas vezes, vivemos. Felizmente foi isso que aconteceu!
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O PÚBLICO NO MET


Um comentário em relação ao público americano que é, de facto, muito especial. Tem uma impulsão para o apluso fácil e aplude tudo, desde o divinal ao banal. Aplaude intensamente os cantores mais conhecidos quando entram em palco, mesmo antes de cantarem (repetindo os aplausos no final de cada aria), aplaude a abertura do pano (presumo que será para os cenários que, de facto, são frequentemente excelentes) mas, infelizmente, aplaude também quando pensa que o final se aproxima, sem deixar ouvir a música até ao fim e também sem deixar ouvir os cantores em algumas das notas mais marcantes – chocante!
Seguramente que, entre todos os presentes, haverá conhecedores, mas ficam diluídos no meio dos aplausos da maioria que deverá ser constituida por espectadores ocasionais. Contudo, durante as récitas, comportam-se bem, não falam e, com sorte, não se apanham umas velhinhas a desembrulhar rebuçados nos momentos mais impróprios. Nos intervalos, metem conversa frequentemente e são de uma cordialidade e simpatia invulgares, sendo raros os snobs, tão frequentes noutras paragens.

sábado, 6 de março de 2010

ARIADNE AUF NAXOS – Met Opera, Nova Iorque, Fevereiro de 2010

Ariadne auf Naxos de Richard Strauss é “uma ópera dentro de uma ópera” que está longe de ser das minhas favoritas. A encenação, de Elijah Moshinsky, foi bastante aceitável, atendendo à história bizarra do argumento.
A direcção musical, de Kirill Petrenko, foi intensa e contribuiu de forma significativa para a boa prestação dos cantores.


Na primeira parte quem brilhou foi, sobretudo, Sarah Connolly, no papel do Compositor. Uma voz bonita, extensa e cheia, aliada a um excelente sentido teatral.
Zerbinetta foi interpretada pela coreana Kathleen Kim e foi uma agradável surpresa. Detentora de um soprano ligeiro de timbre agradável, alcançando as notas mais agudas com aparente facilidade e sem quebra de qualidade interpretativa, esteve bem ao longo de todo o espectáculo.
Nina Stemme foi Ariadne e a “Prima Donna”. Bem na primeira parte, foi arrasadora na segunda. Uma enorme voz de soprano, segura e marcante tanto no registo médio como no agudo, encheu o palco, a sala e a alma de quem lá estava. Sensacional!
Lance Ryan foi Bacchus e O Tenor. Claramente o elo mais fraco da noite, não esteve à altura das suas parceiras femininas. Uma voz banal e pequena, e uma presença em palco estática e desinteressante.


No cômputo geral, um espectáculo que acabou por ser bastante agradável.

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LA FILLE DU RÉGIMENT – Met Opera, Nova Iorque, Fevereiro de 2010

Desta vez em Nova Iorque, voltei a tern a possibilidade de ver La Fille du Régiment de Donizetti na encenação de Laurent Pelly, a mesma que vi em Covent Garden. Já anteriormente salientei a sua qualidade e eficácia. A direcção musical, correcta qb, foi de Marco Armiliato.


Juan Diego Florez foi Tonio, como em Londres. Imediatamente antes do início do espectáculo, foi anunciado que, apesar de constipado, iria cantar, o que desencadeou a primeira grande ovação da noite. Mesmo constipado, foi um intérprete à altura das exigências da personagem. Como tenor ligeiro penso que não tem rival nos tempos que correm. Os agudos são luminosos e mantidos com segurança e o timbre é lindíssimo. Apesar de não ser um bom actor em palco, mantém uma figura excelente para o papel que desempenha. O público, sobretudo aqui no Met, já aplaude efusivamente qualquer intervenção. Contudo, na aria “Pour mon àme”, falhou um dos dós de peito, que disfarçou bem, mas foi a primeira vez que o vi falhar. Mesmo com este pequeno percalço, devo confessar que é um dos tenores que mais gosto de ouvir na actualidade.


Marie foi interpretada por Diana Damrau. Cantou bem e revelou uma boa presença em palco, mas não posso esquecer a interpretação de Natalie Dessay neste papel. Depois dela, penso que ninguém a conseguirá igualar.


(As fotografias apresentadas são de Mary Altaffer)
Maurizio Murano foi um Sulpice credível e Meredith Arwady também esteve bem no papel da Marquesa de Berkenfield, mas nenhum deles nos brindou com uma interpretação memorável.
Kiri te Kanawa na Duquesa de Krakenthorp foi muito aplaudida, mais pelo seu passado do que pela prestação nesta ópera. Se no início trauteou com qualidade as frases musicais, nas partes faladas quase não se ouviu.
Um espectáculo sempre muito agradável para rever embora, no presente caso, aquém da representação em Londres.
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STIFFELIO – Met Opera, Nova Iorque, Janeiro de 2010

Stiffelio, ópera de G. Verdi, numa produção também de Giancarlo del Monaco, foi mais uma encenação clássica, como é habitual no Met, mas não deslumbrante, apesar de alguma complexidade cénica.
A direcção musical foi de Placido Domingo, que cumpriu a tarefa sem brilho.


José Cura foi Stiffelio e emprestou ao papel uma excelente voz de tenor, segura, bem timbrada, potente em toda a sua extensão e sem vibrato. Cenicamente não esteve mal e foi o único que representou.
Lina, sua mulher, foi cantada por Julianna Di Giacomo, que revelou uma voz poderosíssima mas pouco ágil e sem conseguir transmitir emoção. Cenicamente muito fraca, como todos os outros.
Raffaele foi Michael Fabiano que cumpriu vocalmente, mas sem entusiasmo ou capacidade cénica. Também Andrej Dobbler que cantou o papel de Strakar, pai de Amélia, não se salientou, embora tenha cantado com correcção. Dos restantes, nada digno de relevo.
Um espectáculo bem encenado, com bons cantores (sobretudo Jose Cura numa excelente interpretação), mas cenicamente muito fracos.
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SIMON BOCCANEGRA – Met Opera, Nova Iorque, Janeiro de 2010

Simon Boccanegra, ópera de G. Verdi, foi uma produção imponente de Giancarlo del Monaco, muito bem encenada, numa abordagem clássica que tanto gosto, donde se realçam pela qualidade estética as cenas no palácio do Doge.
A direcção musical esteve a cargo do maestro titular, James Levine, que conduziu de forma suberba a excelente Orquestra do Met. A obra é musicalmente muito rica e abundam os duetos e outros belos ensembles.



Os cantores eram todos bons, ao melhor nível do que se ouve nestes teatros, mas nenhum atingiu aquele desempenho arrebatador que nos transporta para outra dimensão.
Placido Domingo foi um magnífico Simon Boccanegra. Continua a cantar bem, não se faz favor nenhum em vê-lo por ali, pois está ao nível ou acima dos outros com quem contracena. Foi a primeira vez que o vi num papel de barítono, mas como o timbre é inconfundível, não foi clara para mim a diferença marcada para tenor. Foi um barítono com timbre "tenorial". No palco foi um Senhor, pois mantém intactas as suas capacidades cénicas. Foi muito aplaudido, mas isso é habitual por estas bandas, onde o público é bem menos selectivo e mais generoso com os grandes nomes que do outro lado do atlântico.
Amélia foi interpretada por Adrianne Pieczonka, soprano com fracas qualidades cénicas mas solidez vocal, embora com alguma tendência para gritar nas notas mais agudas.
Marcello Giordani (tenor) foi Gabriele e esteve bem. Como habitualmente, mostrou ser possuidor de uma voz com potência inexcedível mas nem sempre bonita, sobretudo no registo médio. No palco também não é grande actor, revelando-se frequentemente rígido e estático.
Merece ainda uma referência James Morris, que foi o baixo Andrea, pela sua ainda boa prestação vocal.
Mais um bom espectáculo, a deixar boas memórias.
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CARMEN – Met Opera, Nova Iorque, Janeiro de 2010

Carmen, uma nova produção do Met, de Richard Eyre, foi um espectáculo muito respeitável. A encenação é clássica e sofisticada, com algum dinamismo no palco, mas menos espectacular que a de Londres, que vira poucos meses antes.
O maestro foi Yannick Nézet-Séguin que imprimiu um ritmo fernético à peça mas, mesmo assim, foi uma interpretação notável e a orquestra esteve em grande.



O elenco foi próximo do da ROH, mas melhor. Elina Garanca foi, mais uma vez, excelente - voz grande e potente, beleza de timbre, capacidade cénica com excelente presença em palco. Contudo, no 3º acto, quando lê nas cartas o destino – a sua morte – poderia ter feito melhor.
Roberto Alagna cumpriu sem brilhar e foi menos intenso na interpretação que em Londres. Também a encenação lhe é menos favorável.
Escamillo foi Mariusz Kwiecien que, apesar de ter uma voz pequena, projecta-a bem e, no palco, é um bom actor.
Barbara Frittoli fez uma Michaela muito convincente. Soprano de belo timbre, extensão notável e agudos alcançados aparentemente sem dificuldade, esteve muito bem sempre que entrou em cena.
Um bom espectáculo, bem encenado, bem tocado e bem cantado, mas aquém da Carmen de Londres.

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TURANDOT – Met Opera, Nova Iorque, Janeiro de 2010

Turandot de Puccini foi a primeira de quatro óperas a que assisti numa primeira breve estadia em Nova Iorque neste ano. O Met é um dos poucos teatros de ópera do mundo em que é possível, num muito curto espaço de tempo, ver vários espectáculos.
A encenação, velhinha, de Franco Zeffirelli é de uma riqueza e variedade que deslumbra qualquer um e mostra que a grandiosidade de um espectáculo de ópera passa necessariamente também pela encenação. Para além dos cenários, os fatos, os movimentos em palco, os adereços, enfim, tudo de grande riqueza, cor e diversidade, presenteando-nos com aquela sensação mágica de que se está a assistir a algo único!


O maestro foi Andris Nelsons, um desconhecido para mim, que extraiu da orquestra um fantástico desempenho, com a sonoridade ideal para o espectáculo. O coro também esteve excelente.
No papel da pérfida princesa Turandot esteve Maria Guleghina, detentora de um soprano dramático de grande potência, bem para este papel. Recordo com saudade as récitas na Gulbenkian (heroínas verdianas) mas devo confessar que achei a voz um tanto gasta e com vibrato excessivo. Também não brilhou nas suas capacidades cénias mas, apesar de tudo isto, fou uma Turandot credível e bem audível.
Calaf foi Salvatore Licitra, um tenor italiano de timbre forte e bonito mas sem grandes dotes de representação e com ligeiros problemas de afinação em algumas partes.
Maija Kovalevska, dotada de um belíssimo soprano, foi a melhor da noite, tanto cénica como vocalmente. Fez uma Liu muito comovente e convincente, talvez a melhor que vi até à data. É possuidora de timbre claro, boa extensão vocal e agudos fáceis, sem gritar. Timur, seu pai, foi Hao Jiang Tian que revelou um uma extensão vocal notável e um belo timbre, tendo cumprido com elevação o papel. Já o mesmo não se pode dizer de Bernard Fitch, o imperador, que mal se ouvia. Joshua Hopkins, Tony Stevenson e Eduardo Valdes fizeram bem os Ping, Pang e Pong, também muito benificiados pela indumentária e encenação.
No cômputo geral, um grandioso espectáculo, de encher todos os sentidos, apesar de, vocalmente, ter estado ligeiramente abaixo de tudo o resto.



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