quinta-feira, 12 de março de 2020

FIDELIO, Royal Opera House, Março / March 2020



(review in English below) 

A nova produção da ópera Fidelio de Beethoven da Royal Opera tem encenação de Tobias Kratzer. A acção foi colocada no período mais negro da revolução francesa e logo durante a abertura há decapitações em massa. No primeiro acto os cenários são convencionais, a acção passa-se no pátio da prisão. A casa do guarda prisional Rocco aparece vinda de uma estrutura lateral, primeiro a sala, depois o quarto, para onde ele encaminha a filha Marcelline e o Fidelio para terem relações. A entrada do Don Pizarro é num belo cavalo. Os presos, quando lhes é permitida a vinda ao pátio, estão descalços e bem caracterizados, de acordo com a situação. Até ao intervalo, não sendo brilhante nem inovadora, a encenação é convencional e vê-se bem.


Ao abrir a cortina para o 2º acto estão os elementos do coro todos vestidos de negro, em trajos actuais, sentados em cadeiras em semi-círculo, à volta de uma rocha onde está o Florestan preso por uma perna. Em fundo, uma grande parede branca com uma porta a meio. E tudo se vai passar neste cenário, entrando as personagens principais vestidas com os trajos da época da revolução francesa, interagindo com as pessoas do coro em trajos contemporâneos. Vêem-se projecções de pessoas actuais com reacções faciais ao que vai acontecendo. Perto do final o Don Pizarro é ferido por um disparo da Marzellina e é levado para fora do palco. O Don Fernando, que traz as boas novas no final, anunciando o fim da tirania, vem vestido como nos dias de hoje. Enfim, uma encenação bizarra, com um segundo acto sem jeito. Se a ideia é hoje estarmos vigilantes e combatermos as tiranias, não funciona.


Dirigiu superiormente a orquestra o maestro titular Antonio Pappano


Coro fabuloso, um dos pontos altos da noite.


Quanto aos cantores, bastante assimetria, mas resume-se em poucas palavras: Lise Davidsen e os outros. Ela avassaladora em qualidade e potência vocal. Emissão sempre ao mais alto nível, timbre muito agradável, sempre sobre a orquestra (e todos os outros, coro incluído).Tem 33 anos e é muito alta (era a pessoa mais alta em cena. O Kaufmann, para a abraçar, estava em bicos de pés e ela muito encolhida, parecia que estava a abraçar uma criança!).



O Simon Neal (Don Pizarro)



e o Eglis Silins (Don Fernando) excelentes. Vozes poderosas, bonitas, sempre bem audíveis.



O Georg Zeppenfeld (Rocco) também de entre os melhores.



O Kaufmann (Florestan) razoável. O papel é relativamente pequeno e não o cantou com pujança. Muito longe das excelentes interpretações do passado. Deixou-se afogar frequentemente, quer pela orquestra, quer pelos outros cantores, e não teve uma interpretação emotiva.



Fracos foram o Robin Tritschler (Jaquino) de voz pequena mas agradável 



e, sobretudo, a Amanda Forsythe (Marzelline) que tem um timbre desagradável e, frequentemente, mal se ouviu.



Mas a récita valeu pela Davidsen. Que excelentes interpretações wagnerianas aí vêm!!








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FIDELIO, Royal Opera House, March 2020

The new production of Beethoven's opera Fidelio by the Royal Opera is produced by Tobias Kratzer. The action was placed in the darkest period of the French revolution and during the overture there are mass beheadings. In the first act the scenarios are conventional, the action takes place in the prison yard. The house of the prison guard Rocco appears from a lateral structure, first the room, then the bedroom, where he directs his daughter Marcelline and Fidelio to have sex. Don Pizarro's entrance is on a beautiful horse. The prisoners, when allowed to come to the courtyard, are barefoot and well characterized, according to the situation. Until the interval, the production, neither brilliant nor innovative, is conventional and pleasant.

When opening the curtain for the 2nd act are the elements of the choir, all dressed in black, in modern attire, sitting in chairs in a semi-circle, around a rock where Florestan is trapped by one leg. In the background, a large white wall with a door in the middle. And everything will happen in this scenario, the main characters enter dressed in the costumes of the time of the revolution, interacting with the people of the choir. Projections of current people are seen with facial reactions to what is happening. Towards the end Don Pizarro is wounded by a Marzellina shot and is taken off the stage. Don Fernando, who brings the good news at the end, announcing the end of tyranny, comes dressed as in the present days. A bizarre staging, with an awkward second act. If the idea is that today one must be vigilant and fight tyrannies, it doesn't work.

Maestro of the house Antonio Pappano conducted the orchestra superiorly. Fabulous Chorus, one of the highlights of the night.

As for the singers, a lot of asymmetry, but it comes down to a few words: Lise Davidsen and the others. She was overwhelming in quality and vocal power. She sang always at the highest level, very pleasant timbre, always over the orchestra (and over everyone else, chorus included). She is 33 years old and very tall (she was the tallest person on the scene. Kaufmann, to hug her, was in toes and she was very shrunk, it looked like she was hugging a child!).

Simon Neal (Don Pizarro) and Eglis Silins (Don Fernando) were excellent. Powerful, beautiful voices, always clearly audible. Georg Zeppenfeld (Rocco) was also among the best.

Kaufmann (Florestan) was just acceptable. The role is relatively small and he didn't sing it with strength. Too far from the excellent performances of the past. And he was often drowned, either by the orchestra or by the other singers.

Weak were Robin Tritschler (Jaquino) with a small but pleasant voice and, above all, Amanda Forsythe (Marzelline), who has an unpleasant tone and was often barely heard.

But the performance was worth for Davidsen. What excellent Wagnerian interpretations are coming!!

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2 comentários:

  1. A Ópera está a passar um mau bocado. Já nem falo dos cancelamentos pela pandemia, há também uma crise de entusiasmo e de criatividade de encenações; nem Kaufmann nos vale ??!! O Fidelio, para mim, é uma das óperas onde a composição musical é mais relevante e genial. Outros dão primazia ao canto ou a cenas de bailado; eu penso que no Fidélio é a música com M grande que reina. Poucas Ópera têm como esta uma tão grande unidade e coerência musical. Por isso, se Papano e a ROH orquestra estiveram bem, já valeu a pena. O que parece mais pobre é de facto a encenação: a Leonora que eu vi pela Welsh Opera era bem mais conseguida, e o Florestan de Par Lindskog (papel curto mas intenso!) não me deixou ficar mal. Lamento por si e pela ROH, mais uma vez... Abraço.

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    1. Sim Mário, valeu pela música, pelo Pappano, pela interpretação da orquestra e do coro e, sobretudo, pela Lise Davidsen. Foi pena esta encenação e alguns dos outros solistas não estarem ao mais alto nível (nomeadamente o Kaufmann, a grande estrela do elenco).
      O impacto da pandemia na nossa temporada operática está a ser devastador! Todos nós (os 3 principais) tínhamos a maioria das óperas agendadas (e comprados os bilhetes e as viagens!) para Março e Abril. Tudo tivemos que cancelar...

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