quarta-feira, 4 de julho de 2018

PARSIFAL, Bayerische Staatsoper, Munich / Munique, Julho / July 2018



 (review in English below)

A Ópera Estatal da Baviera levou à cena uma nova produção da opera Parsifal de Wagner com um elenco estrelar. A opera conta como Parsifal, um jovem tolo inocente redime os cavaleiros dos tempos maléficos que os atingiram. O seu líder, Amfortas, foi seduzido pela Kundry e depois gravemente ferido com a sua própria lança pelo Klingsor, seu antigo companheiro. A feria não cura e causa um sofrimento atroz ao Amfortas. Parsifal resiste à sedução da Kundry, aprende a compaixão testemunhando o sofrimento de Amfortas, destrói o poder de Klingsor e devolve a lança aos cavaleiros.

A encenação de Pierre Audi é estática, pouco imaginativa e sempre numa atmosfera sombria. O 1º Acto decorre numa floresta com 4 colunas de pedra gigantes no meio, um esqueleto de um grande animal debaixo do qual esteve quase sempre a Kundry. As árvores, de lona, no final caem lentamente. O coro masculino aparece vestido com uma capa grossa. Depois despem-na e ficam vestidos como nus, a maioria obesos, alguns com mamas e nádegas descaídas e pénis pendurados. Os solistas principais aparecem trajados normalmente e a acção é intemporal mas poderia passar-se nos nossos tempos actuais.








Como é habitual neste teatro, quase não há aplausos no final do 1º acto desta ópera.

As cortinas entre actos têm pintadas figuras humanas na horizontal ou de cabeça para baixo, da autoria de Georg Bazelitz, que também desenhou os cenários.



No 2º Acto  ergue-se um painel a imitar um muro branco com uma grande abertura a meio. As raparigas flores vêm de gabardinas amarelas que depois despem e ficam igualmente vestidas como se estivessem nuas, mais uma vez obesas, de mamas e nádegas descaídas com a zona vulvar pintada de encarnado. Todo o acto se passa neste cenário pobre.






O 3º Acto passa-se novamente na floresta, com os mesmos cenários do 1º acto, mas agora invertidos, pendurados do teto. O Graal nunca aparece e a lança é de muito pequenas dimensões e mais parece um crucifixo.




Uma produção que se pode ver de olhos fechados e ouvidos bem abertos porque, no que à música respeita, tudo foi o oposto.

A direcção musical do maestro Kirill Petrenko foi um dos pontos mais altos da noite. Arrebatadora. O som saído da orquestra foi sempre fabuloso, tempos adequados à acção e um cuidado extremo em nunca abafar os cantores. Estive muito perto e, como não havia nada de interessante para ver no palco, pude apreciar a sua fabulosa direcção da orquestra e dos cantores.


Apesar de tudo, houve uma situação a que nunca tinha assistido. Uma parte significativa do 2º acto decorreu sem percussão porque o elemento responsável da orquestra só apareceu cerca de 15 minutos mais tarde, no meio de muitos sorrisos que trocou com os colegas dos metais que estavam perto dele e mesmo na minha frente.

Gurnemanz foi interpretado de forma autoritária pelo baixo René Pape que mantém todas as suas qualidades vocais no topo da qualidade. Tem um timbre muito bonito, nobre, e um poderio invulgar. Penso que melhor é impossível.




O barítono Christian Gerhaher foi um Amfortas brilhante tanto na interpretação vocal como cénica. Transmitiu de forma impressionante o sofrimento infligido pela ferida incurável. É um cantor que muito aprecio e, mais uma vez, esteve ao mais alto nível. Tem um timbre de invulgar beleza e controla a emissão vocal de forma exímia. Na interpretação da personagem, tanto cante em forte como em tom intimista quase falado. Penso que a sua especialidade também em lied terá contribuído muito.


Nina Stemme como Kundry é um portento vocal e teatral. Esteve sempre bem, mas no 2º acto foi avassaladora. A voz é enorme, poderosíssima e sempre afinada. Foi uma das melhores da noite e penso que não haverá, na actualidade, alguma outra cantora que se lhe compare.




Jonas Kaufmann (Parsifal) a cantar “em casa” esteve contido no primeiro acto mas nos dois seguintes foi deslumbrante. No diálogo com a Kundry, depois do beijo, quando canta Amfortas! Die Wunde!, foi fabuloso e totalmente convincente. É um dos papéis wagnerianos que canta há mais tempo e foi a melhor interpretação que lhe ouvi.



Também o barítono Wolfgang Koch esteve ao seu melhor nível vocal e cénico no papel malvado de Klingsor, apesar de ter uma intervenção pequena. Bálint Szabó cumpriu com qualidade a curta intervenção como Titurel.

Finalmente a orquestra (Bayerisches Staatsorchester) e os coros (Chor, Extrachor und Kinder Chor der Bayerischeen  Staatsoper) foram absolutamente excepcionais!



Se durante o espectáculo não se ouviu qualquer ruído, nem tosses, após cair o pano o público explodiu num estrondoso aplauso que se manteve por muitos minutos, obrigando a várias chamadas ao palco dos cantores solistas e do maestro.










*****


PARSIFAL, Bayerische Staatsoper, Munich / Munich, July / July 2018

The Bavarian State Opera brought to the scene a new production of Wagner's opera Parsifal with a starring cast. The opera tells how Parsifal, an innocent young fool redeems the knights of the evil times that hit them. Their leader, Amfortas, was seduced by Kundry and then seriously wounded with his own spear by his former companion, Klingsor. The wound does not heal and causes excruciating suffering to Amfortas. Parsifal resists the seduction of Kundry, learns compassion by witnessing the suffering of Amfortas, destroys the power of Klingsor, and returns the spear to the knights.

The staging of Pierre Audi is static and unimaginative and always in a dark atmosphere. The 1st Act takes place in a forest with four giant stone pillars in the middle, a skeleton of a large animal under which was almost always Kundry. The canvas trees at the end fall slowly. The male choir appears dressed in a thick cover. Then they get undressed and stay dressed like nude, mostly obese, some with hanging breasts and buttocks and hanging penises. The main soloists usually appear dressed as in current times.As usual in this theater, there is almost no applause at the end of the 1st act of this opera.

The curtains between acts have painted human figures horizontally or upside down, by Georg Bazelitz, who also designed the scenarios. In the 2nd Act stands a panel imitating a white wall with a large opening in the middle. The young flowers come in yellow raincoats, which then strip off and are equally dressed as if they were naked, once again obese, with breasts and buttocks drooping with the vulva area painted red. The whole act takes place in this simple scenario.

The 3rd Act occurs again in the forest, with the same scenarios of the 1st act, but now inverted, hanging from the ceiling. The Grail never appears and the spear is very small and looks like a crucifix.

A production that can be seen with closed eyes and ears wide open because, as far as music is concerned, everything was the opposite.

The musical direction of conductor Kirill Petrenko was one of the highlights of the evening. Fantastic. The sound from the orchestra was always fabulous, timed for action and extreme care in never smothering the singers. I was very close and, as there was nothing interesting to see on stage, I was able to appreciate his fabulous direction of the orchestra and the singers.
However, there was a situation I had never seen. A significant part of the 2nd act was played without percussion because the responsible member of the orchestra appeared only about 15 minutes later in the midst of many smiles he exchanged with the colleagues who were close to him, just in front of me.

Gurnemanz was interpreted in an authoritarian way by bass René Pape who maintains all his vocal qualities in the highest level of quality. He has a very beautiful noble timbre and an unusual power. I think he is one of the top singers for this role.

Baritone Christian Gerhaher was a brilliant Amfortas both in vocal and stage performance. He impressively transmitted the suffering inflicted by the incurable wound. He is a singer that I very much appreciate and, once again, he was at the highest level. He has a tone of unusual beauty and controls the vocal emission in an exhilarating way. In the interpretation of the character, he both sang strong and in almost intimate tone. I think his specialty also in Lied will have contributed a lot to everything.

Nina Stemme as Kundry is a vocal and theatrical portent. She was always good, but in the 2nd act she was overwhelming. The voice is giant, powerful and always in tune. She was one of the best of the night and I think there will not be, at present, any other singer who compares to her.

Jonas Kaufmann (Parsifal) singing "at home" was contained in the first act but in the next two sang at the top level of quality. In the dialogue with Kundry, after the kiss, when he sang Amphortas! Die Wunde!, was fabulous and totally convincing. It's one of the Wagnerian roles that he's been singing for the longest time and this was the best interpretation I ever heard him.

Also baritone Wolfgang Koch was to his best vocal and scenic level in the evil role of Klingsor, despite having a small intervention. Bálint Szabó sang with quality the short intervention of Titurel.

Finally the orchestra (Bayerisches Staatsorchester) and choirs (Chor, Extrachor und Kinder Chor der Bayerischeen Staatsoper) were absolutely exceptional!

If no noise or coughs were heard during the performance, the audience exploded in a loud applause that lasted for many minutes, forcing several calls to the stage of the soloist singers and the maestro.

*****

2 comentários:

  1. Tive hoje, dia 5 oportunidade de assistir à nova produção do Parsifal
    Concordo globalmente com a apreciação feita, apesar de arriscar alguns comentários.
    Apesar da expectativa ser muito elevada, o resultado final superou-a.
    A produção de Baselitz é bastante interessante não sendo conceptual como está na moda, mas revela-se muito terrena e carnal. As figuras nuas obesas e disformes dos cavaleiros e flores remetem-nos para o imaginário de Lucien Froid retratando as misérias humanas sendo provavelmente estás figuras o mais controverso da produção.
    O facto de quase tudo se passar há boca de cena e existirem poucos artefactos permite um maior foco na expressão vocal e corporal, e aí o resultado é exímio
    Petrenko envolve a orquestra e os cantores criando um ambiente lírico alternando com picos de tensão dramáticos capazes de cortar a respiração.
    As muitas e longas passagens orquestrais dirigem o nosso olhar para o maestro que com movimentos assertivos e constantes realçam a beleza da música.
    A orquestra esteve no seu máximo esplendor, dificilmente superável
    O canto foi superlativo.
    Wolfgang Koch foi um Klingsor maldoso mas com laivos de criança mimada pouco usual nesta figura.
    Christian Gerhaher foi um Amfortas contido quase sem agressividade, com um belíssimo timbre sofrido muito ao jeito de lied, que lhe conferiu humanidade e sensibilidade
    René Pape sempre presente no 1 e 3 ato foi igual a si mesmo. A voz revela uma autoridade incontestável, grande, redonda, escura, um grande baixo dos novos tempos.
    Nina Stemme é sem duvida a sucessora da Nilsson, tendo recebido recentemente o prémio com o seu nome.
    Presença contante do Munchner opernfestspiele tem uma presença em palco avassaladora, a voz é enorme cresce em todas as direções com um timbre escuro e agudos brilhantes.
    Aguardo com ansiedade dentro de 2 semanas o anel completo com direção do Petrenko, outro ponto alto deste festival.
    Para o fim fica Jonas Kaufmann, um Parsifal de antologia numa noite perfeita, o tenor heróico por excelência de voz baritonada e timbre único que no dueto do 2 ato com a Stemme atingiu uma intensidade e expressividade dificilmente imaginável.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigado pelo seu longo e esclarecido comentário.
      O Anel de Munique tem uma encenação fantástica e, como sempre, os cantores são do melhor que há para cantar Wagner. Prepare-se para uma experiência inesquecível.
      Este ano não tenho disponibilidades nem de tempo nem de euros para o rever, mas já tive essa oportunidade entre 12 e 22 de Fevereiro de 2013. Se tiver curiosidade nos nossos comentários e em alguns aspectos desta obra única, veja as 5 entradas no blogue compreendidas entre essas datas.

      Eliminar