terça-feira, 29 de maio de 2018

SALOME, Royal Opera House, Londres, Janeiro 2018 / London, January 2018



(review in English below)

A Royal Opera House voltou a levar à cena a Salome de Richard Strauss na produção polémica e ousada de David McVicar.


A acção é transportada para o Séc. XX e decorre no palácio de Herodes. No primeiro andar vê-se mal um jantar elegante, à luz de velas, mas com mulheres despidas e entreter os convidados. O cenário principal é a cave imunda do palácio, com paredes com azulejos brancos muito sujos, a condizer com tudo o resto. Os militares abusam de criadas nuas. O profeta João Baptista (Jokanaan) está preso numa cisterna, donde é retirado por algum tempo, a pedido da Salomé. Com o decorrer da acção, todos descem para a cave.


As doentias cenas de assédio e violência sexual da Salomé sobre Jokanaan e de Herodes sobre Salomé são muito explícitas. A alusão à pedofilia surge na dança dos sete véus que é uma recordação de sete episódios traumáticos passados entre a Salomé e o padrasto (Herodes), em sete salas que vão surgindo sucessivamente pelo palco, numa solução muito eficaz. A cena final de necrofilia em que a Salomé acaricia e beija a cabeça do Jokanaan totalmente ensanguentada (trazida a escorrer sangue por um carrasco também nu) é ainda mais impressionante. Uma encenação bem conseguida, feita para chocar, que atinge plenamente esse objectivo.



O maestro Henrik Nánási dirigiu de forma exemplar a Orquestra da Royal Opera House, que nos ofereceu uma interpretação exemplar da magistral partitura de Strauss.



Os cantores solistas foram todos excelentes. A soprano sueca Malin Byström foi uma Salomé de voz cheia e timbre suave e muito bonito, mantendo elevada qualidade vocal ao longo de toda a récita, sempre sobre a orquestra, mas com um final arrepiante. A cantora é magra, alta e aparenta a juventude que a personagem exige, o que ajudou muito a sua óptima interpretação cénica.




O barítono alemão Michael Volle fez um Jokanaan fabuloso, exibindo todo o esplendor da sua voz grave e poderosa, com um desempenho cénico irrepreensível.



Herodes foi interpretado pelo tenor inglês John Daszak que nunca tinha ouvido e que esteve também num nível superior. Sem exageros na interpretação, foi muito credível e sempre claramente audível.



A mezzo alemã Michaela Schuster, também com uma voz penetrante e imponente, foi uma Herodias repugnante no encorajamento da filha a pedir a cabeça do João Baptista.



O Narraboth do tenor David Butt Philip foi afinado e incisivo, apesar de ter um papel curto. 


Os cantores secundários também não destoaram, mas a noite foi da orquestra, dos solistas principais e, claro, do público que teve o privilégio de assistir a um espectáculo de excepção.








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SALOME, Royal Opera House, London, January 2018

A revival of David McVicar's controversial and daring production of Richard Strauss' Salome was on stage at The Royal Opera House.

The action is set at the 20th century and takes place in the palace of Herod. On the first floor we can barely see an elegant candlelight dinner, but with naked women entertaining the guests. The main setting is the palace's filthy cellar, with walls with very dirty white tiles, to match everything else. The military men abuse naked maids. The prophet John the Baptist (Jokanaan) is trapped in a cistern, from where he is withdrawn for some time at the request of Salome. As the action progresses, everyone descends to the cellar.
Sickly scenes of sexual harassment and violence of Salome over Jokanaan and of Herod over Salome are very explicit. The allusion to paedophilia appears in the dance of the seven veils which is a reminder of seven traumatic episodes between Salome and her stepfather (Herod), in seven rooms that appear successively on stage in a very effective staging arrangement. The final scene of necrophilia in which Salome caresses and kisses the completely bloody head of the Jokanaan (brought by an also naked hangman) is even more impressive. A good staging, made to shock, that fully achieves this goal.

Maestro Henrik Nánási conducted the Royal Opera House Orchestra in an exemplary manner, which offered us an excellent performance of Strauss' masterful score.

The soloist singers were all excellent. Swedish soprano Malin Byström was a full-featured Salomé with a soft and very beautiful tone, maintaining top vocal quality throughout the whole performance, always heard over the orchestra, but with a fantastic final. The singer is lean, tall and looks like the youth that the character demands, which greatly helped her optimal scenic interpretation.

German baritone Michael Volle was a fabulous Jokanaan, exhibiting all the splendor of his powerful voice, with an irreproachable staging performance.

Herod was interpreted by English tenor John Daszak whom I had never heard. He was also at a top level. Without overdoing the interpretation, he was very credible and always clearly audible.

German mezzo Michaela Schuster, also with a penetrating and imposing voice, was a disgusting Herodias in her daughter's encouragement to ask for the head of John the Baptist.

Narraboth of tenor David Butt Philip was tuned and incisive, despite having a short paper. The singers of the supporting roles did not disappoint, but the evening belonged to the orchestra, the main soloists and, of course, the audience who had the privilege of attending an exceptional performance.


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