segunda-feira, 24 de outubro de 2016

DON GIOVANNI, METropolitan Opera, New York, Outubro / October 2016


(review in English below)

A produção de Michael Grandage do Don Giovanni de W.A. Mozart esteve novamente em cena na Metropolitan Opera de Nova Iorque.

É uma encenação clássica, feia, escura e pouco imaginativa, passada numa cidade espanhola no Sec. XVIII (assim diz o programa). Mas apenas se vêm três andares de janelas exteriores. Há alguma mobilidade do palco mas nada é  interessante. Apenas a cena final em que o Don Giovanni é consumido pelas chamas foi um pouco diferente da rotina em que tudo o resto decorreu, mas ainda assim sem originalidade.



O maestro Fabio Luigi dirigiu de forma sofrível, sem qualquer ímpeto mozartiano, a excelente Orquestra da Metropolitan Opera.



Em relação aos solistas, um conjunto muito heterogéneo de cantores:

A soprano russa Hibla Gerzmava (Dona Anna) ofereceu-nos uma interpretação vocalmente marcante. A voz é poderosíssima e a afinação boa em todos os registos. Mas canta sempre em forte e é excessivamente dura (e com vibrato marcado) em partes que mereciam maior lirismo.



A Zerlina da mezzo Serena Malfi foi excelente e, para mim, a melhor da noite. A cantora tem uma voz jovem, muito bonita, ricamente colorida e muito expressiva, sempre bem audível. E teve uma presença em palco muito boa.



A soprano sueca Malin Byström foi uma Dona Elvira de voz lírica potente e sempre bem na afinação, embora haja algo no timbre que não sei explicar mas que me desagrada.



Simon Keenlyside, barítono inglês que sempre apreciei, fez um Don Giovanni de voz bonita, expressiva, mas com uma prestação irregular ao longo do espectáculo. Em cena foi fisicamente muito activo e convincente, tendo optado por um Don rude e pouco polido.


Os dois baixos foram as melhores interpretações masculinas, Matthew Rose foi um Masetto excelente, de voz bonita e sempre bem audível, e Kwangchul Youn um Comendador imponente, apesar de cantar pouco.

 


Don Ottavio foi cantado pelo tenor norte americano Paul Appleby. A voz foi pequena e com grandes limitações no registo mais agudo, parecia cantar em falsete. Houve várias desafinações ao longo da récita, mas não deixou de ser fortemente aplaudido, no final, pelos seus compatriotas.


O baixo-barítono checo Adam Plachetka fez um Leoporello para esquecer. Voz muito fraca que, por vezes, mal se ouvia. Foi pena, porque é uma das personagens principais da ópera e, cenicamente, não passou da mediania. A troca de casacos (e de identidades) entre ele (um homem de grande porte) e o Don (interpretado por um homem pequeno em estatura) no início do 2º acto foi ridícula, mas os cantores disto não tiveram culpa.



Não se ouviu Mozart nesta récita do Don Giovanni!








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Don Giovanni, Met Opera, New York, October 2016

The Michael Grandage's production of W. A. ​​Mozart’s Don Giovanni was again on stage at the Metropolitan Opera in New York.

It's a classic, ugly, dark and unimaginative staging, occuring in a Spanish town in Sec. XVIII (so says the program). But we only see three floors of exterior windows. There was some mobility of the stage but nothing was interesting. Only the final scene where Don Giovanni is consumed by the flames was a little different from the routine in which everything else took place, but still unoriginal.

Maestro Fabio Luigi conducted the excellent Orchestra of the Metropolitan Opera without any Mozartian momentum.

Regarding soloists, a very heterogeneous set of singers:

Russian soprano Hibla Gerzmava (Dona Anna) offered us a vocally striking interpretation. The voice is powerful and tuned in all registers. But she always sang in forte and was too harsh (and with marked vibrato) in parts that deserved greater lyricism.

Zerlina of mezzo Serena Malfi was excellent and, for me, the best of the night. The singer has a young, very beautiful, richly colored and very expressive voice, and was always audible. And she had a very good presence on stage.

Swedish soprano Malin Byström was a Dona Elvira with powerful lyrical voice and always well in pitch, although there is something in the tone I cannot explain but that displeases me.

Simon Keenlyside, English baritone that I always appreciated, made a Don Giovanni of nice expressive, voice, but with an uneven performance throughout the show. On stage he was physically very active and convincing, having adopted to be a rude and impolite Don.

The two basses were the best male interpreters, Matthew Rose was an excellent Masetto, with beautiful voice and always well audible, and Kwangchul Youn an imposing Comendatore, although his singing is short.

Don Ottavio was sung by North American tenor Paul Appleby. The voice was small and with major limitations in the high register, seemed to sing in falsetto. There were several mistakes along the performance, but he was strongly applauded in the end.

Czech bass-baritone Adam Plachetka made a Leoporello to forget. The voice was very weak and sometimes barely audible. Too bad, because it is one of the main characters of the opera and on stage, he has not passed from mediocrity. The exchange coats (and identities) between him (a large man) and Don (played by a small man in stature) at the beginning of the 2nd act was ridiculous, but the singers did not have this fault.

Mozart was not heard in this Don Giovanni performance!


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2 comentários:

  1. É sempre muito interessante poder confrontar a opinião de alguém que esteve na sala com a de quem, não tendo tal possibilidade, se limitou a ver e ouvir a respectiva transmissão vídeo para os cinemas. (Transmissão directa do espectáculo de 22/10/2016 no MET. Realizador da transmissão vídeo: Mathew Diamond).

    Foi desta vez o meu caso, pois que no passado dia 22 estive de novo na sala da FCG para ver este Don Giovanni que o amigo Fanático_Um viu no MET.
    E apesar das limitações de julgamento resultantes de se tratar de um registo e não do espectáculo real, não posso estar mais de acordo consigo, quer no que respeita à encenação, tradicional e aparentemente honesta, embora algo usada e nada original, quer no que respeita à execução musical. Como diz com total propriedade, não se ouviu Mozart nesta récita do Don Giovanni!

    Ao escutarmos os primeiros compassos da abertura ficou de imediato claro que Fabio Luisi nos iria apresentar uma versão lenta, monótona e inexpressiva da magnífica ópera mozartiana.
    Em vez de nos serem servidas a agilidade, a delicadeza emocional e a vivacidade da escrita de Mozart, tivemos uma versão padronizada, homogénea, uniformizada e musicalmente monótona.

    É certo que a orquestra do MET teve um desempenho técnico irrepreensível. Mas a direcção de Fabio Luisi, embora conseguindo coordenar com sucesso todos os intervenientes no espectáculo, mais não alcança: a emoção ficou fora do fosso e do palco do MET.

    Apreciei muito e agradeço a sua apreciação acerca dos vários solistas. Como sabe, o trabalho dos cantores não é passível de apreciação consistente no contexto da actual opção de formato da banda sonora adoptado pelos técnicos do MET.
    Não consegui ainda perceber se o problema é apenas do registo e do trabalho de pós-produção, se também da transmissão, ou ainda da reprodução nas concretas condições do auditório da FCG.
    Em todo o caso as suas opiniões confirmam em todos os casos as suspeitas que a transmissão apenas permite ter acerca do desempenho dos cantores.

    Para sua informação, dado que não viu a transmissão, o registo vídeo mantém as lamentáveis características estilísticas habituais das transmissões deste teatro, neste caso agravadas pelos toscos e bruscos movimentos de câmara revelando total inépcia técnica, pela completa ausência de planeamento da montagem, e pela ocultação de partes significantes do que se passa em palco.

    Vários exemplos maiores desta última incompetência foram neste caso dados pela apresentação parcial dos cantores em momentos de interpretação simultânea (trios ou quartetos em que apenas vemos alguns dos cantores), ou pela ocultação quase total da orquestra colocada em palco na cena do banquete no palácio de Don Giovanni (a orquestra apenas é enquadrada por acaso, parcial e brevissimamente, em movimentos de câmara feitos com outro intuito).

    E não deve admirar-se pelos aplausos que ouviu na sala no final. É que desta vez até no Grande Auditório da FCG houve quem aplaudisse também !

    José António Miranda

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  2. Relativamente ao Don Giovanni que vi no MET LIve, descrevo-o numa palavra: desilusão.

    A encenação - muito clássica - é super desinteressante. Nem um rasgo de originalidade, nem um rasgo de génio. É escura, monótona, estática em muitas ocasiões e desprovida de elegância. Mesmo o final — é certo que vistoso — não foi nada que não tivéssemos visto e, amiúde, com maior impacto. A encenação não acrescenta uma ideia, não tem uma visão da obra, é amadora.

    Na minha modesta opinião, não creio que valha a pena gastar dinheiro com produções clássicas no século XXI. Já estão todas feitas e mais bem feitas. Na minha concepção, há que modernizar, mas mantendo a coerência da obra e acrescentando uma ideia (ainda que dela discordemos…). Algo que nos leve a pensar, a reler a obra, a reinterpretá-la, ou a revivê-la de modo diverso. Pelo menos gera discordância, diálogo, ou admiração. Um exemplo dessa expressão, numa estética moderna, é a encenação de Claus Guth que é, goste-se ou não, de uma genialidade avassaladora.

    Os cantores foram também, de uma forma global, uma desilusão.

    Senhoras: A Gerzmava “gritou” a récita toda. Agudos agrestes, voz de timbre para mim desagradável, a comer palavras, a não arriscar no abastanza, péssima dicção, interpretação do texto zero e cenicamente ausente. Olhava para o vazio e, no fim da frase, olhava para o alvo cénico das suas palavras. Não construiu a personagem e, pelo que ouvi das entrevistas, tampouco creio que tenha uma ideia do que é, para si, a Dona Anna. A Malfi apresentou uma voz áspera durante toda a récita, não foi divertida ou cativante, nem ingénua ou sedutora. Nem na voz, nem cenicamente. Foi desinteressante apenas. Bystrom foi a melhor. Gostei da voz que é límpida e com um italiano de qualidade. A interpretação vocal do texto foi o seu forte, construindo a personagem de forma coerente e interessante, interpretando o texto, o que também traduziu cenicamente de forma eficaz e não grotescamente histérica como, por vezes, se faz.

    Senhores: Keenlyside foi um Don Giovanni diferente. Tem, de facto, uma ideia para o seu Don. Mas não gostei. Tornou o Don num plebeu rude, com vestes de nobre. Teve zero de galanteador ou de charmoso, adoptando uma postura rude, física e agressiva. Melhorou vocalmente do primeiro para o segundo acto. Mas a voz, dada a sua visão do Don, não sobressaiu, tornando-se, no meu ver, um Don Giovanni amorfo, acarismático e sem a menor capacidade de empatia, ainda que, como se espera, superficial. Cenicamente, como diz, foi vigoroso, mas foi só isso. O Leporello de Plachetka foi outra decepção. Voz pouco interessante e sem modulações algumas. Interpretação do texto, zero. Comicidade na voz, zero. Banalíssimo. Cenicamente esteve melhor, sendo aí o único aspecto em que conseguiu traduzir alguma da comicidade da personagem, mas, mesmo assim, optando por gestos que eu não esperaria numa interpretação clássica, como, a título de exemplo, uma em que simula autoflagelar-se. Esteve, pois, muito aquém do que habitualmente os bons baixos fazem. O Ottavio de Appleby foi razoável. A voz é bonita, até bastante agradável. Mas, como disse, abusou do falsete. Ainda assim, teve um fraseado elegante. Mas a sua interpretação foi também muito convencional, sem acrescentar nada seu. Cenicamente foi, igualmente, bastante estático. O Masetto de Rose foi, na minha opinião, o melhor dos senhores. Excelente voz, muito boa interpretação vocal do texto com os cromatismos devidos de quem estudou o texto e a música. No palco também foi atrativo e coerente com o que se espera da personagem. Não foi brilhante, mas esteve em bom nível. O Comendatore de Youn foi também de elevada qualidade. Timbre bonito, voz potente, interpretação séria.

    A orquestra com Luisi limitou-se a cumprir sem estragar tudo, mas não teve brilho, vivacidade, ou lirismo. E logo a começar pela sua entrada na abertura!

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