terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O ANEL DE MUNIQUE / THE MUNICH RING


(Nationaltheater, Bayerische Staatsoper)

(text in English below)

Foi com grande expectativa que, sob neve e temperaturas negativas, fui a Munique ver o Anel, estreado na temporada passada. Tentei então arranjar bilhetes, mas não fui contemplado. Desta vez tive mais sorte.


 A compra de bilhetes na Bayerische Staatsoper não é das mais simpáticas. Há que pedi-los online com muita antecedência e nada se sabe durante meses. A resposta surge algumas semanas antes da data programada. Apenas indicamos a preferência de lugares (em função do preço) e estes são-nos atribuídos sem possibilidade de escolha. Só exactamente dois meses antes do dia do espectáculo há possibilidade de comprar online, já podendo escolher lugares específicos, mas a disponibilidade é, habitualmente, muito escassa.








Já escrevi aqui quanto aprecio ir à ópera na Alemanha. Pontualidade, público conhecedor, educado e com comportamento exemplar, sempre silencioso, abafando as tosses (se existirem) e deixando ouvir toda a música até ao fim, são algumas das qualidades. O único inconveniente é a legendagem ser exclusivamente em alemão.

Também significativo é o facto de aqui não ser necessário, imediatamente antes do início dos espectáculos, o aviso para desligar os telemóveis. Claro que eles não tocam!

Assistir a Wagner na Alemanha é, ainda, uma mais-valia assinalável.

A Bayerisches Staatsorchester (Orquestra Estatal da Baviera) é uma verdadeira orquestra wagneriana e ofereceu-nos uma musicalidade empolgante. A interpretação foi fabulosa, com os metais (quiçá os mais sensíveis em Wagner) ao mais alto nível interpretativo, como os restantes naipes.







A direcção musical foi do maestro titular, o americano Kent Nagano, que nos ofereceu uma interpretação fidedigna. Nagano dirige com uma elegância assinalável (estive muito perto e pude admirá-lo com pormenor), não faz qualquer ruído, é muito fiel à partitura. Aqui e ali imprime tempos mais lentos que, em minha opinião, não prejudicam a obra. Contudo, ocasionalmente, poderia ter sido mais empolgante. Mas no computo global foi muito bom e o conhecedor público germânico também o reconheceu de forma muito expressiva.


 O Chor der Bayerischen Staatsoper (Coro da Ópera Estatal da Baviera) apenas participa na última ópera, Götterdämmerung, mas foi também exemplar.

A encenação, inesquecível, é do alemão Andreas Kriegenburg.
A cenografia de Harald Thor, guarda-roupa de Andrea Schraad, luzes de Stefan Bolliger, coreografia de Zenta Haerter e dramaturgia de Marion Tiedtke e Miron Hakenbeck.

É uma encenação moderna mas muito eficaz, que privilegia as pessoas e respeita integralmente toda a simbologia da obra. Anel, lança, espada, elmo, ouro, diversos elementos da natureza e o fogo, tudo está presente e é explícito.

O palco, com mobilidade muito versátil, está quase sempre vazio de objectos imóveis porque a encenação é maioritariamente conseguida à custa de um numeroso corpo de figurantes. Inicialmente vestidos de branco, estão no palco em convívio informal, antes do início da primeira ópera. Ao longo das quatro operas vão aparecendo pintados e/ou vestidos de cores diversas consoante as cenas representadas. O efeito é espectacular e muito bem conseguido.


(os figurantes / the supernumeraries)

 As águas do Reno, Walhall, o seu luxuoso interior, os nibelungos escravizados em Nibelheim, o fogo sagrado, a fundição de Mime, o dragão (fantástico!) e diversos elementos da natureza como água, rochas, flores e árvores são alguns desses efeitos em que tudo resulta magnificamente.

(Das Rheingold, fotografia / photo de Wilfried Hösl, Bayerische Staatsoper)

 Na última ópera há uma mudança radical na cenografia, embora a ligação com a anterior esteja bem concebida. O palácio dos Gibichung é um imponente e moderníssimo edifício de escritórios (um banco?) onde decorre toda a acção, até à destruição final.

(Die Walküre, fotografia / photo de Wilfried Hösl, Bayerische Staatsoper)

 Em relação aos cantores, foi impressionante a homogeneidade e a qualidade superior dos elencos, embora alguns tenham sido superlativos. Como as óperas foram apresentadas em dias consecutivos, tivemos cantores diferentes nos papéis mais importantes (Wotan, Brünhilde, Siegfried), o que não deixou de ser interessante.

(Siegfried, fotografia / photo de Wilfried Hösl, Bayerische Staatsoper)


 A propósito de cada ópera, referirei mais alguns aspectos da encenação que foi, no seu todo, fantástica, cativante, muito bem conseguida e, quase sempre, espectacular. Comentarei também, individualmente, os solistas.

(Götterdämmerung, fotografia / photo de Wilfried Hösl, Bayerische Staatsoper)

Um privilégio ímpar ter assistido ao Anel de Munique!

  
THE MUNICH RING

It was with great expectations that, under snow and freezing temperatures, I went to Munich to see the new Wagner´s ring, debuted last season.
I tried to get tickets then, but I was not successful. This time I was luckier.

Buying tickets at the Bayerische Staatsoper is not a clear cut experience. We have to order them online well in advance and nothing happens for months. The answer comes a few weeks ahead of the Schedule performances. We can only indicate the preference of seats (depending on price) and these are assigned to us without our choice. Only exactly two months before the day of the performance there is the possibility to buy online choosing specific seats, but the availability is usually very scarce.

Here I have written how much I appreciate going to the opera in Germany. Always on time, educated knowledgeable public, exemplary behavior, always silent, muffling coughs (if any) and letting us hear the whole music until the end, are some of the qualities. The only inconvenience is the subtitling exclusively in German.
Also significant is the fact that here i tis not necessary the warning to disconnect the cell phones, immediately before the start of the performances, because of course they do not ring!
To watch Wagner opera in Germany is a further advantage.

The Bayerisches Staatsorchester (Bavarian State Orchestra) is a true Wagnerian orchestra and offered us a thrilling musicality. The interpretation was fabulous, with metals (perhaps the most sensitive in Wagner) at the highest level of interpretation, like the other parts of the orchestra.

The musical direction was by North-American conductor Kent Nagano, who offered us a soft interpretation.
Nagano directs with remarkable elegance (I was very close and I could admire it in detail), makes no noise, is very faithful to the score. Here and there he imposed slower tempi that, in my opinion, did not affect the interpretation. However, occasionally, he could have been more exciting. But overall it was very good and the knowledgeable German public also recognized it in a very expressive way.

The Chor der Bayerische Staatsoper (Bavarian State Opera Choir) only participated in final opera, Götterdämmerung, but was also exceptional.

The staging, unforgettable, was by German director Andreas Kriegenburg.
The scenography by Thor Harald, clothes by Schraad Andrea, lights by Stefan Bolliger, choreography and stage movements by Zenta Haerter Marion Tiedtke and Miron Hakenbeck.
It is a modern yet very effective staging, which favors people and fully respects all the symbolism of the work. Ring, spear, sword, helmet, gold, various elements of nature including the fire, everything is present and is explicit.
The stage, with very versatile mobility, is almost always empty of objects because the staging is mostly achieved at the expense of a large body of supernumeraries. Initially dressed in white, they are on the stage in an informal socializing, before the first opera. Throughout the four operas they appear painted and / or dressed of various colors depending on the scenes they represented. The effect is spectacular and very successful.

The waters of the Rhine, Walhall, the enslaved Nibelungs in Nibelheim, the luxurious interior of Walhall, the sacred fire, the hut of Mime, the dragon (fantastic!) and various elements of nature such as water, rocks, trees and flowers are some of these effects where everything results beautifully.

In the last opera there is a dramatic change in scenario, although the connection with the previous is well designed. The Gibichungen’s palace is an impressive and very modern office building (a bank?) where all the action takes place, until the final destruction.

Regarding the singers, the uniformity and superior quality of casts was impressive, although some have been superlative. As the operas were staged on consecutive days, we had different singers in major roles (Wotan, Brunhilde, Siegfried), which was also interesting.

When commenting each opera, I will mention a few further aspects of the staging that was, on the whole, amazing, captivating, highly accomplished and almost always spectacular. I will also comment on soloists.

A unique privilege to have attended the Munich ring cycle!

3 comentários:

  1. Maravilha. Os fatos brancos dos figurantes que perpassam as 4 óperas devem ter criado um efeito interessante.
    Devo passar por Münich em Março ou Abril, mas a experiência que já tive com a Bayerische Staatsoper e com a compra de bilhetes foi a oposta: cheguei lá meia hora antes de uma récita e comprei sem problemas e um muito bom lugar. Talvez porque nesse dia ia só, o que ajuda quando se compra à última hora.
    Vi na altura (Outubro de 2007) um Der fliegende Holländer muito bom mas do qual nunca esquecerei o que aconteceu quando após o intervalo a cortina subiu e de repente, no tal público silencioso e respeitoso alemão se ouviu um "bruá" na sala. Em uníssono: "Ohhh", ouviu-se na sala. O motivo é que a cortina subiu e fomos surpreendidos com um cenário e cena inesperado. O segundo acto começa com um coro de "raparigas locais" e quando a cortina subiu a acção estava num ginásio ultra-moderno com dezenas de bicicletas de exercício e todas a raparigas a cantar vestidas a rigor para um ginásio e pedalar freneticamente nas bicicletas de exercício físico enquanto cantavam - um acto em que muita gente deveria perder uns quilogramas.
    Ainda não sei o que irei assistir mas a lista de opções no programa da Bayerische Staatsoper (só em Março e Abril, assim como em qualquer mês,) é inacreditável. O difícil é escolher. Desde um Holandês Voador a um Rapto no Serralho, a um Elixir, ou um Otello.

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    1. Munique é um dos locais onde mais gosto de assistir a espectáculos de ópera pelas razões que apontei e, como refere, porque a diversidade é sempre muito grande. Mas já lá vi encenações de muito mau gosto! (Eugene Onegin e Macbeth na temporada passada).
      O público alemão, silencioso e respeitoso, também teve uma reacção muito invulgar no início do 3º acto da Valquíria. Referi-la-ei muito brevemente.
      E goze em pleno a sua próxima deslocação a Munique. Para não ter dificuldade na escolha, por que não ver as 4 :-)?

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  2. Excelente introdução!!!

    Fotos espectaculares (adoro as da Cidade)!!!

    O gelo/neve deve ter derretido com o calor interpretativo dentro da casa de ópera.

    Aguardo com expectativa a apreciação individual das óperas.

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