sábado, 2 de fevereiro de 2019

ALCESTE, Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa, Janeiro 2019




(review in English below)


Uma nova produção da ópera Alceste, em versão francesa, de Christoph Willibald Gluck com libreto de Leblanc du Roullet esteve em cena no Teatro de São Carlos. O enredo está resumido no site do teatro: Alceste sacrifica a vida em trocada de seu esposo Admète, rei de Tessália. Porem, uma vez morta, Hércules desce aos Infernos e intercede junto de Apolo para que o casal possa novamente reunir-se no seu amor.



É sabido que a cultura em geral e a ópera em particular são coisas menores para os governantes dos últimos anos. Também por isso, à partida, não são de esperar grandes produções operáticas. Logo quando entrei na sala temi o pior sobre a encenação de Graham Vick (Cenografia e Figurinos de Conor Murphy, Desenho de Luz Giuseppe di Iorio) quando vi o palco aberto, totalmente despido, apenas com 4 cadeiras, uma mesa e dois painéis verticais de luzes. E os meus receios vieram a confirmar-se, a encenação foi uma palhaçada. Até admito que se tente algo despojado, mas assim não. E opções metafóricas ridículas transpostas para a actualidade também não.

(1º acto)

(2º acto)

Todos os cantores e bailarinos estiveram vestidos informalmente e sempre descalços durante o espectáculo. A acção passou-se no palco despido, para o qual eram trazidas e levadas cadeiras pelos cantores. E houve um pouco de tudo, ataques convulsivos violentos em vários intervenientes e por várias vezes, uma mulher a parir uma camisa de noite encarnada (que foi posteriormente vestida pelo Oráculo), balões amarelos, o rei a soro mas todo enérgico e sempre em posição erecta, o Hércules vestido de Super-homem, o Apolo como um cristo em cuecas com coroa de espinhos,... até o whiskey com que se embebedaram o Hércules e o rei era de marca rasca. Enfim, um belo exemplo do que é expressivamente designado por eurotrash!

(3º acto)

Já em relação à música e sua interpretação, algo de muito diferente se passou.
A Orquestra Sinfónica Portuguesa foi dirigida pelo maestro Graeme Jenkins que fez um bom trabalho, foi muito agradável ao ouvido e houve atenção aos cantores.  

O Coro tem muitas intervenções e, para além de um desencontro aqui e outro acolá, esteve bem. Em palco estiveram 8 bailarinos muito bons, apesar de a coreografia (de Ron Howell) ser deplorável.


Os cantores solistas eram jovens, ágeis e todos de um nível acima do que é habitual ver-se em São Carlos.

A soprano Ana Quintans fez uma Alceste fabulosa! O papel é muito longo, de grande dificuldade e ela cantou-o de forma assombrosa. Tem uma voz poderosa, o registo médio é imponente e o agudo também assinalável. E em palco é muito expressiva, uma actriz que canta, e fá-lo com igual qualidade em pé, sentada ou deitada! Fantástica, ao nível das grandes sopranos que enchem as principais catedrais da ópera actuais.





O rei Admète foi interpretado pelo tenor Leonardo Cortellazzi, um bom parceiro de Ana Quintãs. Também com uma óptima figura em palco, cantou de forma firme e bem audível, timbre muito agradável, mantendo a qualidade ao longo de todo o espectáculo.




Outros dois grandes intérpretes foram os barítonos Alexandre Duhamel (Sumo Sacerdote e Hércules) e Christian Luján (Oráculo, Deus dos Infernos). Vozes bonitas, encorpadas e também muito bons desempenhos cénicos. Duhamel foi notável na interpretação vocal do Sumo Sacerdote no 1º acto.




Em papéis menores Fernando Guimarães (Évandre) foi mais contido, mas João Fernandes (Apolo) também esteve muito bem. 



Merecem ainda uma nota de apreço os cantores do coro dos corifeus, Raquel Alão, Ana Ferro, João Cipriano e Nuno Dias.










Apesar da encenação indigente (obrigado Mário), começou bem a minha temporada em São Carlos. As estrelas vão todas para os músicos e bailarinos e, sobretudo, para a fabulosa Ana Quintans.

****


ALCESTE, Teatro Nacional de São Carlos, Lisbon, January 2019

A new production of Christoph Willibald Gluck's opera Alceste with French libretto by Leblanc du Roullet was staged at the Teatro de São Carlos. The plot is summarized on the site of the theater: Alceste sacrifices her life in exchange of her husband’s life Admète, king of Thessaly. However, once dead, Hercules descends into Hell and intercedes with Apollo so that the couple can meet again in their love.

It is well known that culture in general and opera in particular are minor things for the governments of recent years. Also for that reason, great operatic productions are not to be expected. As soon as I entered the theatre I feared the worst of the staging by Graham Vick (Scenography and Costumes by Conor Murphy, Drawing of Light Giuseppe di Iorio) when I saw the stage open, totally naked, with only 4 chairs, a table and two vertical panels of lights. And my fears came to be confirmed, the staging was a clownery. I even admit to trying something austere, but not like that. And ridiculous metaphorical options transposed to the the present days also do not.

All the singers and dancers were dressed informally and always barefoot throughout the performance. The action took place on the empty stage, to which were brought and taken chairs by the singers. And there was a bit of everything, violent convulsive attacks on various actors and several times, a woman giving birth to a red nightgown (which was later dressed by the Oracle), yellow balloons, the king with intravenous medication but energetic and always in position erect, the Hercules dressed as Superman, the Apollo like a Christ in underwear with a thorn-crowned, ... even the whiskey with which Hercules and the king got drunk was of poor quality. In short, a fine example of what is expressively called eurotrash!

However, with the music and singing, something very different happened.
The Portuguese Symphony Orchestra was directed by maestro Graeme Jenkins who did a good job, was very pleasant to the ear, with attention to the singers.

The Choir has many interventions and, apart from small mismatches here and there, was good. The 8 dancers were very good, although the choreography (by Ron Howell) was deplorable.

The soloist singers were young, agile and all of a level above what is usual to hear at São Carlos.

Soprano Ana Quintans was a fabulous Alceste! The role is very long and difficult, and she sang it in an astonishing way. She has a powerful voice, the medium register is imposing and the high register is also remarkable. And on stage is very expressive, an actress who sings, and does it with equal quality in standing, sitting or lying down! Fantastic, at the level of the great sopranos that sing at the main opera cathedrals of our times.

King Admète was played by tenor Leonardo Cortellazzi, a good partner of Ana Quintans. Also with a good figure on stage, he sang in a firm and well audible way, a very pleasant tone, maintaining the quality throughout the whole performance.

Two other great singers were baritones Alexandre Duhamel (High Priest and Hercules) and Christian Luján (Oracle, God of Hell). Beautiful voices, powerful and also very good scenic performances. Duhamel was notable in the vocal interpretation of the High Priest in the 1st act.

In smaller roles Fernando Guimarães (Évandre) was more restrained, but João Fernandes (Apolo) was also very well. Also worthy of note are the singers from the corifeus choir, Raquel Alão, Ana Ferro, João Cipriano and Nuno Dias.

Despite the indigent staging (thanks Mário), my season started well at São Carlos. The stars all go to the musicians and dancers and, above all, to the fabulous Ana Quintans.

****

4 comentários:

  1. Eu é que agradeço esta crónica, Fanático_Um.

    Confirma basicamente as minhas expectativas. Cortellazi já tinha sido competente na Ana Bolena, Quintans tem timbre, agilidade e presença no palco; como é que saiu a 'Divinités du Styx' (versão francesa, claro) ? Tem aquele "cruelle" bem difícil.

    O eurotrash de Vick é uma lástima. Ainda bem que não fui...



    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A Ana Quintans foi magnífica. Na récita a que assisti, tudo lhe saiu bem, apesar de este não ser o seu reportório "ideal". Só por ela valeu a ida, mas os outros cantores também estiveram bem.
      Quanto à encenação, está tudo dito, mas nem todos partilham a minha opinião. No dia em que vi o espectáculo li no Público uma crítica muito elogiosa. Ainda bem que nem todos gostamos do mesmo!

      Eliminar
  2. Também li a crítica elogiosa do Público. Mas fiquei de pé atrás quando o crítico refere que o Graham Vick transportou a acção para o tempo actual. A "pobreza franciscana" continua a condicionar a programação do nosso único teatro de ópera. É uma tristeza.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tem toda a razão Manuel Mourato, é uma tristeza e é lamentável que assim seja. Também no Expresso do último Sábado há uma crítica muito elogiosa à encenação! Repito, ainda bem que nem todos gostamos do mesmo!!

      Eliminar