quinta-feira, 9 de outubro de 2014

MACBETH, METropolitan OPERA, Outubro de 2014 / October 2014


(review in english below)

Iniciei a minha temporada de 2014/2015 com a opera Macbeth de G. Verdi, na METropolitan Opera de Nova Iorque, onde assisti a duas récitas. Já há dias escrevi aqui uma pequena nota sobre o fabuloso desempenho de Anna Netrebko.


A encenação de Adrian Noble é minimalista mas muito eficaz e de belo efeito. A acção foi transportada para o período pós segunda guerra no século XX. Árvores ao fundo integram a floresta e umas grandes colunas negras e móveis dão corpo ao palácio. Apenas cadeiras, lustres e uma toalha completam os cenários. As bruxas vêm vestidas de vagabundos.





Dirigiu o actual maestro principal, Fabio Luigi. Coro e Orquestra ao mais alto nível. E, quanto aos solistas, seria muito difícil oferecer melhor:


 Macbeth foi magnificamente interpretado pelo barítono sérvio Zeljko Lucic. Um verdadeiro barítono verdiano com voz poderosa, bonita e muito expressiva. O cantor conseguiu transmitir toda a angustia da personagem e foi insuperável nas cenas das visões. Fantástico!


Anna Netrebko arrasou! Surge numa cama, lê a carta do marido e canta magistralmente a primeira ária Vieni, t’affretta! Daí em diante domina todo o espectáculo. Transborda sensualidade, malvadez e domínio. O canto é de uma beleza ímpar, aqui e acolá ornamentado com notas estratosféricas, sempre bem audíveis e em perfeita afinação. A famosa cena do sonambulismo culmina uma actuação inesquecível!





O baixo René Pape foi outro excelente intérprete. Esteve muito bem tanto vocal como cenicamente. Como morre relativamente cedo, a interpretação vocal não é muito longa (nesta encenação continua a aparecer em cena depois de morto) mas chega para que o cantor nos brinde com a sua magnífica e sempre afinada voz.


O tenor Joseph Calleja completou o rol de solistas, no papel de Macduff. Também esteve ao mais alto nível, cantando sempre de forma expressiva e bem audível. O timbre é algo peculiar, mas esteve em grande forma.


Os cantores secundários também nos ofereceram muito boas interpretações.




Um elenco de luxo numa magnífica produção da Metropolitan Opera.







Mas a noite foi de Anna Netrebko!

*****


MACBETH, Metropolitan Opera, October 2014

I started my 2014/2015 season with the opera Macbeth by G. Verdi, at the Metropolitan Opera in New York, where I attended two performances. Some days ago I already wrote here a little note about the fabulous performance of Anna Netrebko.

The production by Adrian Noble is minimalist but very effective and of beautiful effect. The action was transported to the post second war in the twentieth century. Trees in the background are part of the forest and large black columns represent the palace. Only chairs, chandeliers and a towel complete the scenarios. The witches come dressed as bums.

The performance was directed the current principal conductor, Fabio Luigi. Choir and Orchestra were at the highest level. And as for the soloists, it would be very difficult to offer better:

Macbeth was magnificently interpreted by Serbian baritone Zeljko Lucic. He has a powerful, beautiful and very expressive voice. The singer managed to convey all the anguish of the character and was unsurpassed in the scenes of visions.

Anna Netrebko smashed! She appears on a bed, reads a letter from her husband, and masterfully sings the first aria Vieni, t'affretta! Thereafter she dominates the entire opera. Overflowing sensuality, wickedness and dominance. The singing is of a unique beauty, here and there ornamented with stratospheric notes, always very audible and in perfect pitch. The famous sleepwalking scene culminates an unforgettable performance!

Bass René Pape was another outstanding performer. He was good vocal and onstage. As he dies relatively early in the opera, the singing is not very long (in this staging he continues to appear on stage after death) but enough for the singer to offer us his magnificent voice, always in tune.

Tenor Joseph Calleja completed the roster of soloists, in the role of Macduff. He was also at the highest level, always singing expressively and well audible. The timbre is something peculiar, but he was very good.

Secondary singers also offered us very good performances.
An all-star cast in a magnificent production of the Metropolitan Opera.

But the night was Anna Netrebko’s!

*****

8 comentários:

  1. Que boas notícias, finalmente.
    Sempre apreciei René Pappe, Calleja menos, a Netrebko é sempre imprevisível - já teve muito más récitas - mas de facto fisicamente é uma presença avassaladora, contagiante. Ainda bem que a ouviu no seu melhor.

    Quando é que irei ao MET...

    Obrigado pela reportagem.

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    1. Foram umas récitas de invulgar qualidade! Aconselho vivamente uma ida ao MET, Mário. Para além da degustação operática, NY tem tanto a oferecer culturalmente que nunca achamos que o tempo que dispomos é suficiente, por muito que ele seja...

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  2. Anna Netrebko es la mejor soprano de la historia. Siempre está perfecta

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  3. Não estive no MET, mas pude ver a transmissão directa do espectáculo de 11/10/2014, na Fundação Calouste Gulbenkian – Grande Auditório (Lisboa) nesse dia.
    Com o óbvio viés de se tratar de uma mera transmissão em tela, devo confessar a minha discordância em relação ao tom geral de apreciação que verifico existir aqui.
    De facto, pareceu-me que a temporada de transmissões de espectáculos do MET nova-iorquino começou da pior maneira possível: uma das mais extraordinárias óperas verdianas foi extraordinariamente maltratada pelo encenador, Adrian Noble.

    Para abreviar e não me alongar muito, registo apenas algumas notas generalistas da catástrofe:

    1. As visões de Macbeth são verdadeiramente materializadas em palco, sob diversas morfologias, no que aparece como complemento lógico da perspectiva infantilóide que informa toda a encenação. Foi particularmente lamentável ver René Pape pintalgado de tinta vermelha deambulando pelo palco.

    2. A total ausência de profundidade da personagem de Lady Macbeth, apenas construída por uma gesticulação exuberante de estereótipos de tragédia, e pontuada por vários momentos de aliciamento do imaginário popular estado-unidense. Foram particularmente ridículas as poses à estátua da liberdade em que o encenador coloca frequentemente Anna Netrebko.

    3. Confrangedora a indigência dos cenários e aparelhos cénicos usados, no que faz lembrar por vezes o pior teatro amador de salão paroquial. O momento em que Macbeth desliga o interruptor da luz colocada dentro da taça que pousa no chão (ouve-se o barulho do interruptor) vai seguramente permanecer como um dos momentos kitsch mais célebres da história do MET.

    4. A colossal incoerência das opções (?) cenográficas tomadas, no que aparece como um pot-pourri de épocas, lugares, contextos e situações a que nem sequer a genial partitura verdiana consegue dar consistência. Ficarão célebres as tristes figuras de Macbeth de coroa na cabeça em contextos de guerra moderna. Mas o momento maior, por lembrar ao invés uma famosa cena do primeiro Indiana Jones de Spielberg, é o do assassinato de Banquo, consumado à punhalada no meio de grande aparato de metralhadoras e outras armas de fogo.

    5. O amadorismo da transmissão filmada (Gary Halvorson, um nome a reter pela negativa), na habitual estética telenovelística destas realizações. É ridículo ver em prolongado grande plano (uma ária) a cabeça de Joseph Calleja com três pequeninos quadrados de papel branco caídos do céu sobre o seu cabelo (flocos de neve para o espectador na sala). É lamentável ver a coroa real de pacotilha cair no chão com um som de brinquedo de lata da loja chinesa.

    Pontos positivos: o desempenho cénico e vocal de René Pape, a qualidade da prestação da orquestra.

    Conclusão: sintomas e sinais cada vez mais evidentes da anunciada agonia do grande teatro nova-iorquino. Com espectáculos como este, não é possível esperar ter um público alargado e renovado. Sobretudo se simultaneamente se cometem erros grosseiros, como o cancelamento da transmissão no programa MET Opera Live, da última obra de John Adams (The death of Klingoffer). Mas essas são outras histórias.
    JAM

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  4. Também pude assistir à récita do MET Live.

    Concordo, de um modo geral, com várias das observações aqui registadas por JAM. No que respeita aos pontos 1, 4 e 5 concordo a 110%!

    De qualquer modo, é uma encenação que se aceita e com alguns elementos positivos, nomeadamente a fluidez das mudanças cénicas em geral. Acho, todavia, que a direcção de actores é pobre. Mas não creio que se possa ser tão fatalista quanto ao futuro do MET, muito embora tenha achado péssima a opção de Gelb de ter cancelado a emissão da ópera de John Adams: as razões invocadas são inacreditáveis e são a própria auto-discriminação dos judeus. Além de que é uma interferência da política na programação do teatro. Mas não nos podemos esquecer que o principal sponsor das transmissões é a Neubauer Family...

    Quanto ao cantores: Lucic esteve em grande plano, muito embora (confesse) que (passe o cliché), não me aquece. Fica sempre aquém das minhas expectativas no que a interpretação cénica diz respeito. Pape esteve muito bem no seu pequeno papel. Calleja esteve bem. Penso que a Orquestra sob direcção de Fabio Luisi esteve irrepreensível, bem como o Coro.

    E deixo Netrebko propositadamente para o fim. Trata-se da melhor soprano do século. Que voz enorme! Ofereceu-nos uma interpretação intensíssima cenicamente (bem ao seu estilo). Mas e que voz! Está enorme e imaculada. Faz o que quer com uma qualidade a todos os níveis ímpar. Joan Sutherland, Birgit Nilsson e Maria Callas ficaram todas boquiabertas! E o mais incrível é que me deu a sensação de ainda ter muito espaço para crescer mais e mais... O que virá?

    Penso que a interpretação de Netrebko como Lady Macbeth marca um virar de página na sua carreira e ficará na minha memória como uma interpretação inolvidável.

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  5. Concordo plenamente com o que afirma, e quero subscrever os seus elogios à Netrebko, que também considero, não apenas uma voz ímpar, mas também uma excelente actriz.

    No entanto, mesmo os grandes actores carecem de direcção, e neste caso pareceu-me óbvio que esta não existiu.

    Em consequência desse facto, o desempenho cénico de Lady Macbeth baseou-se, como acontece com qualquer actor que tenha um mínimo de sensibilidade e alguma tarimba (e Anna Netrebko tem ambas as coisas de sobra), na reprodução das posturas, gestos e mímicas caracterizadores da personagem que está a desempenhar.

    O que se verifica porém nestes casos, e o que vimos na transmissão exemplifica perfeitamente isso, é que o desempenho soa a falso, isto é, nós espectadores não conseguimos deixar de ver a Netrebko, para em vez dela ver ali Lady Macbeth.

    O facto de se tratar de uma realização em filme agrava a situação: è mais fácil perceber o fingimento do que quando se está no teatro.

    Por outras palavras, o que se passa é que os gestos e posturas rapidamente aparecem como meros artefactos, como máscaras coladas artificialmente sobre o actor, e isso nota-se. Ou seja, comprova-se que encenar é muito mais do que ensaiar.

    Exemplo: porque a mímica é a forma de expressividade não verbal mais difícil de controlar voluntariamente, pudemos ver em várias ocasiões uma Lady Macbeth aparentemente irada e rancorosa, mas sorrindo levemente por momentos.

    Ou seja, não vimos Lady Macbeth: vimos a Netrebko explicitando por gestos e posturas o ódio e vingança de Lady Macbeth, mas dizendo-nos no sorriso involuntário "vejam como consigo representar e cantar muito bem este papel".
    E pelo menos cantar muito bem, consegue.

    De modo algum isto significa menorizar o valor da Netrebko: pelo contrário, ela canta tão bem que, apesar de a voz não estar ainda no momento ideal para o papel (e o texto de Fanático_Um, em 5/10, justamente menciona esse facto, mas nós compreendemos quão irrecusável deve ser para um cantor um convite do MET), consegue ultrapassar com brilho não apenas as dificuldades técnicas daí decorrentes, mas também as tropelias a que o encenador/ensaiador a obriga.

    Sobre estas não vamos alongar-nos, percebo que concordamos todos. Curiosamente, as fotografias de Marty Sohl colocadas por Fanático_Um no texto de 5/10 ilustram na perfeição algumas dessas tropelias.

    Na primeira (cena 2 do primeiro acto) fiquei rendido à forma como a Netrebko canta a sua ária inicial naquela dificílima posição de sentada na cama com uma perna completamente flectida: é difícil imaginar postura mais dificultadora de uma boa emissão vocal.

    Ao contrário, o único momento da ópera em que me pareceu notar alguma hesitação e menor à vontade vocal da Netrebko foi precisamente o ilustrado na segunda dessas fotos, a cena de sonambulismo, em que o encenador entendeu por bem fazer a Netrebko passear sobre uma fila de cadeiras.

    Pudera, digo eu. O justificado receio de cair (pois a cantora não deve olhar para ver onde põe os pés) nota-se em toda a cena, mas sobretudo no seu final, e transparece do fácies e postura da Netrebko. A emissão vocal parece reflectir esse temor.

    A marcha dela é assim o oposto do que se passa no sonambulismo, em que o sonâmbulo não tem medo de cair pois no seu sonho vê.

    Comparemos com o desempenho de René Pape, também um óptimo actor/cantor com ainda maior traquejo de palco do que a Netrebko.

    Banquo é mesmo Banquo enquanto vivo, sem precisar de gesticular (sobriedade absoluta de gestos traduzindo a intensa profundidade do momento na sua ária).
    Passa a ser um fantoche ridículo, um zombie, depois da doravante antológica cena do assassinato, e eu tive pena do cantor (não de Banquo) quando vi o seu ar no trajecto atravessando o palco encharcao em tinta vermelha.
    JAM

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  6. Acho que essa montagem será lembrada não por seus eventuais acertos e erros de encenação e sim pela devastadora performance da Anna Netrebko.

    Eu não sei se ela teve direção cênica ou não. O que sei é que desde a primeira cena ela foi a própria encarnação do mal, um súcubo loiro que destrói os escrúpulos e a identidade de Macbeth e que seduz também a todos nós.

    Para mim, a personagem que ela forja nos três primeiros atos é tão convincente em sua ambição e falta de remorsos que simplesmente não consegui engolir a cena da loucura. Nem de forma inconsciente aquela mulher sentiria culpa pelo que fez. Fizeram de tudo para fazê-la mais frágil, cabelo molhado, olhar aturdido, mas a Atriz não conseguiu acreditar no que estava fazendo.

    Para mim, foi uma performance inesquecível. Acho que nenhuma outra cantora poderá fazer esse papel sem ser comparada a Netrebko.

    Eduardo Vieira

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  7. Assisti à transmissão Met na FCG e gostaria de deixar aqui algumas notas.
    1. Quanto à encenação, acho que foi bastante convencional. Não obstante estar deslocalizada temporalmente da época em que o libretto a coloca, tal actualização acabou por não se materializar em nada senão na substituição das espadas e punhais por metralhadoras, pois todo o restante cenário acaba por ser perfeitamente compatível com a literalidade do libretto. É óbvio que estas deslocalizações temporais acarretam necessárias incongruências entre o que se passa em palco e o que está no libretto e é cantado pelas personagens, pelo que penso ser excessivo dirigir críticas à encenação nesta base.
    2. Não gostei nada das bruxas, que pareciam umas costureiras ridículas. Introduziram um toque burlesco que penso ser deslocado nesta ópera.
    3. Não obstante, penso que houve um pormenor interessante: mesmo no final, quando Malcolm é proclamado rei, surge novamente a criança que fez de filho de Banquo, para quem Malcolm olha com desconfiança, traduzindo a ideia, penso eu, que Malcolm não será diferente de Macbeth e que provavelmente tudo se irá repetir.
    4. Reconheço que a realização foi bastante intrusiva e focou-se demasiado nos grandes planos. Contudo, com a Netrebko naquele estado, seria difícil não o fazer, convenhamos...
    5. Penso que, indiscutivelmente, a Netrebko dominou a cena. Foi um regalo para os ouvidos e para os olhos. É impressionante ver a evolução da sua voz, que me parece já perfeitamente adequada ao papel da Lady Macbeth. A seguir este rumo, não tardará a cantar a Tosca. O único problema pareceu-me o topo agudo, onde a voz está a perder algum corpo.
    6. O Lucic é, a par de Hvorostovsky, um dos grandes barítonos verdianos da actualidade. Achei que esteve muito bem, quer no plano vocal, quer no plano cénico.
    7. O Calleja não me convenceu. Não sou muito apreciador do seu timbre e no único momento relevante que o papel de Macduff tem (a ária Ah, la paterna mano) não me pareceu muito convincente. Verdade seja dita que o maestro não ajudou, pois o tempo foi excessivamente rápido, na minha opinião.

    João Pedro Baptista

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