segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

TOSCA de Giacomo Puccini — MET Live in HD, Culturgest, 01.12.2013

(Review in English below)


Giacomo Puccini (1858-1924) apresentou pela primeira vez a ópera Tosca em Roma a 14 de Janeiro de 1900. Esta muito famosa ópera em 3 actos com libreto de Luigi Illica e Guiseppe Giacosa é das mais queridas no mundo da ópera e é nela que pontificam árias como Recondita armonia, Tre sbirri, una carroza, Vissi d’arte e E luceven le stelle.


A ópera gira em torno do trio formado pela bela e ciumenta soprano Floria Tosca, pelo rebelde pintor Mario Cavaradossi e pelo abominável chefe de polícia Scarpia. É uma história política que se passa na Roma das ocupações napoleónicas de 1800. E é nessa Roma de medo e crime, de amor e traição, de tortura e tragédia que se desencadeia um dos mais interessantes dramas da ópera italiana. O libreto é excepcional na forma como encadeia as cenas e a música é da mais vibrante e bela que a história da ópera conhece, resultado de um trabalho inspiradíssimo do maestro italiano Puccini. Poderão ler uma sinopse aqui.

A encenação de Luc Bondy é uma desilusão.


O primeiro acto passa-se numa igreja que mais parece um atelier mal arranjado e em construção do que uma igreja romana: está suja, não tem símbolos religiosos e não tem o peso necessário de uma igreja católica de Roma. Além disso, tem inúmeras falhas claras que não vão de encontro às muito precisas indicações cénicas inscritas na pauta. Por exemplo, a chave que se encontraria debaixo da pia está no cimo de umas frias e desajeitadas escadas de ferro. E que dizer do tom de comédia que se atribui ao primeiro acto, sempre à procura de provocar risos na plateia? Esta ópera é sempre trágica e séria! A postura que atribuem a Tosca também não é a mais adequada: Tosca é ciumenta e está verdadeiramente zangada, não é uma histérica de sorriso fácil.


O segundo acto começa com 3 prostitutas de baixo nível com um aspecto (perdoem a expressão) badalhoco enroladas com Scarpia. Essa cena de mau gosto tem o seu expoente máximo no minuto em que uma delas está de rabo espetado com uma lingerie curta à espera de levar uma mais do que previsível palmada na região glútea... Creio que a personagem de Scarpia não precisava delas para ser vil e odiável


O terceiro acto é aquele em que a encenação menos compromete: os cenários são pobres, frios e feios, mas cumprem com o que se espera. Em suma, é uma encenação que nada acrescenta de novo em termos interpretativos, que limita de alguma maneira o verdadeiro carácter das personagens e que não tem o peso majestático que a tragédia impõe. O Metropolitan pede e pode mais e melhor do ponto de vista estético.


Quanto às interpretações, penso que a Orquestra do MET dirigida por Riccardo Frizza esteve uns furos abaixo no que respeita à intensidade, energia e brilho que esta música exige, além de que, na minha opinião, adoptou um ritmo demasiado rápido. Esteve bem, mas não deslumbrou.


George Gagnidze tem uma voz muito adequada ao papel de Scarpia e esteve bem do ponto de vista do desempenho vocal. Mas não me cativou interpretativamente, quer vocal, quer cenicamente. Não me conseguiu criar o asco que intrinsecamente a personagem provoca, talvez um pouco pela própria encenação, mas, sobretudo, por adoptar uma postura que em tudo pareceu forçada. Não é definitivamente um Scarpia e nem vibrei com o seu Tre sbirri, una carroza.


Roberto Alagna, apesar de já ter sido mais vibrante do ponto de vista vocal, foi um Cavaradossi muito convincente. Tem um timbre muito seu, agudos fácies e uma boa projecção. O seu E luceven le stelle foi de muito elevada qualidade.


A melhor da récita foi Patricia Racette como Tosca. A sua voz tem um timbre muito bonito e agradável, mas o seu ponto forte são mesmo as interpretações vocal e cénica. Foi extremamente convincente: uma mulher ciumenta, insegura, mas destemida e, acima de tudo, emotiva. O seu Vissi d’arte foi muito bom e cresceu do primeiro ao último acto: na sua cena final, o seu Presto su! Mario! foi arrepiante.

Os restantes intérpretes Richard Bernstein (Angelotti), John del Carlo (Sacristão), Eduardo Valdes (Spoletta) e James Courtney (Sciarrone) cumpriram bem os seus pequenos papéis, sem que, todavia, algum tenha estado em evidência. Uma palavra para o soprano Seth Ewing-Crystal que foi o Pastor que cantou Io de’ sospiri: a interpretação foi boa, embora não tenha gostado especialmente do timbre ou da dicção do italiano.

Não posso dizer que tenha saído encantado desta récita, muito por culpa da encenação pobre de gosto discutível e das múltiplas gravações disponíveis de absoluta referência desta que é uma das mais belas, trágicas e tocantes óperas e uma das minhas preferidas.

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(Review in English)

Giacomo Puccini (1858-1924) first presented the opera Tosca in Rome on January 14, 1900. This very famous opera in 3 acts with libretto by Giuseppe Giacosa and Luigi Illica is fondest of the world of opera and have arias as Recondita armonia, Tre sbirri , una carroza , Vissi d'arte and E le luceven stelle.

The opera plays out around the trio formed by beautiful and jealous soprano Floria Tosca, the rebel painter Mario Cavaradossi and the abominable police chief Scarpia. It is a political story set in the Napoleonic occupation of Rome in 1800. And that Rome of fear and crime, love and betrayal, torture and tragedy that triggers one of the most popular dramas of Italian opera. The libretto is exceptional in how chains the scenes and the music is the most vibrant and beautiful of opera history, as result of a most inspired work of the Italian maestro Puccini. You can read a synopsis here.

The Luc Bondy staging is disappointing. The first act takes place in a church that looks more like a poorly arranged and in construction atelier than a Roman church: it is dirty, has no religious symbols and has not the required weight of a Catholic church in Rome. Additionally, it has numerous clear flaws that not meet the very precise scenic indications given in the socre. For example, the key that would be found under the sink is perched on a cold and clumsy iron stairs. And what about the tone of comedy of the first act, always looking to provoke laughter in the audience? This opera is always tragic and serious! The attitude he attribute to Tosca is also not the most appropriate: Tosca is jealous and really angry with her lover. She is not a hysterical and easy smile woman. The second act begins with 3 prostitutes with bad aspect enrolled with Scarpia. This scene distasteful has its pinnacle with an entire minute one of them has her bum with a short lingerie waiting to take a more than likely slap on the buttock... I think the character of Scarpia did not need them to be vile and hateful... The third act is one in which the staging fewer compromises: the scenarios are poor, cold and ugly, but comply with what is expected. In short, it is a scenario that adds anything new in terms of interpretation, which limits somewhat the true nature of the characters and does not have the majestic weight that this tragedy requires. The Metropolitan may ask for more and better on aesthetic point of view.

As for interpretations, I think the MET Orchestra conducted by Riccardo Frizza has been few holes below regarding the intensity, energy and brilliance that this music demands and, beyond that, in my opinion, director adopted a too fast pace. It was good, but not dazzling.

George Gagnidze has a voice well suited to the role of Scarpia and did well in terms of vocal performance. But he do not captivated me interpretively, whether vocal or scenically. He could not create the disgust that inherently the character causes, maybe a little by the staging itself, but, above all, by he posture he adopted that seemed always forced in everything. He is not definitely a Scarpia and he even not touched me with his Tre sbirri, una carroza.

Roberto Alagna, despite he had in the past a more vibrant voice, was a very convincing Cavaradossi. He has a very own timbre, good and easy sharp tone and excellent projection . His E le luceven stelle was of very high quality.

The best of the interpreters was by far Patricia Racette as Tosca. Her voice has a very beautiful and pleasant timbre, but her strength are the vocal and scenic interpretation performances. She was extremely convincing: a jealous woman, insecure, but fearless, and above all, emotional. Her Vissi d'arte was very good and she grew from the first to the last act: in her final scene, her Presto su! Mario! was creepy .

The remaining interpreters Richard Bernstein (Angelotti), John del Carlo (Sexton), Eduardo Valdes (Spoletta) and James Courtney (Sciarrone) fulfilled well their small roles, without, however, some have been in evidence. A word to the soprano Seth Ewing-Crystal who was the Pastor who sang Io de' sospiri: the interpretation was good, though I did not especially like his timbre or the Italian diction.


I can not say that has left this recitation enchanted, much by fault of the poor staging of questionable taste and the multiple recordings available of absolute reference of this opera that is one of the most beautiful, tragic and heartbreaking operas and one of my favorites.

4 comentários:

  1. Assisti a esta produção no Scala em 2012, com outro maestro, outra Tosca e outro Cavaradossi. O Scarpia era o mesmo. A encenação e a cenografia são muito más. A igreja de tão escura que era mais parecia estarmos numa adega que numa Igreja e o dramatismo da procissão para o Te Deum perdeu-se na confusão da cena.
    Scarpia não me parece ser um devasso como o fazem no 2º acto, mas antes um lascivo e hipócrita. O TV dinner em substituição de uma ceia capaz, que mal tinha uma faca suficiente para o assassinato, era quase risível.
    Valeram as interpretações e a música.

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  2. Também lá estive ontem. Já conhecia esta encenação. É má e quando a vi o início do 2º acto foi ainda pior!

    No espectáculo de ontem achei que o Gagnidze fez um Scarpia bom mas aquém dos melhores, o Alagna não comento porque é um cantor de que, de facto, não gosto e a Racette foi uma Tosca muito boa, mas teria sido melhor se tivesse menos 20 anos, menos 20 quilos e se gritasse menos alguns agudos.

    A cereja no topo do bolo foram as legendas!! (Não estive no Nariz, por isso foi a novidade e não fui previamente avisado).

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  3. As legendas em português são, de facto, de péssima qualidade, além de que tem partes que nem são traduzida. Era de tal maneira que, apesar de conhecer perfeitamente o texto e de não precisar delas, as inúmeras falhas distraíram bastante. A qualidade geral das legendas em inglês era superior. Já n'O Nariz as legendas foram em português do Brasil: a qualidade não foi brilhante, mas como só tinha lido o libretto em inglês e o conto de Gógol em português não quis formar uma opinião definitiva. Não tem nada que ver com o facto de ser em português do Brasil (ainda que, como falante de português continental não goste expressões como grudar ou você), mas sim com a qualidade da tradução.

    Outra nota relevante são as falhas técnicas frequentes que acontecem no auditório da Culturgest: ainda não percebi se o defeito é da Culturgest ou se é mesmo do ficheiro que o MET fornece para exibição. De qualquer modo, um aspecto a melhorar.

    E estou ansioso por que o auditório da Fundação reabra, pois o conforto e, sobretudo!, a qualidade de som é incomparavelmente superior.

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  4. Como sempre, o Autor, numa linguagem literária, faz uma apreciação da récita, tendo em conta outras a que já assistiu. Com este método torna credível a objectividade quer dos pontos positivos, quer dos negativos que salienta.
    O que, porventura faltava no texto inicial sobre a transmissão fica referido no seu comentário, posterior. De facto, à falta de gosto, como refere a propósito do segundo acto, por exemplo, juntam-se as legendas de muito má qualidade.
    Quero salientar a crítica mordaz do Autor sempre de nível elevado e com uma acentuação trocista considerável. Parabéns!

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