terça-feira, 4 de junho de 2013

OTELLO de Giuseppe Verdi — FCG, 02.06.2013


(Review in English below)


A FCG apresentou a ópera Otello de Giuseppe Verdi em versão de concerto. A ópera Otello é baseada no drama A tragédia de Otello, o Mouro de Veneza de William Shakespeare sublimemente adaptada pelo escritor e libretista italiano Arigo Boito. Foi a penúltima ópera de Verdi e a primeira após um intervalo de 17 anos sem compor novas óperas após a conclusão da sua muito emblemática Aida. E é absolutamente estratosférica desde todos os pontos de vista.


Otello é um drama em 4 actos cuja história (ver link) se passa em torno de Otello (comandante mouro e governador de Chipre), Desdemona (esposa de Otello) e Iago (capitão das tropas de Otello). Otello é um homem poderoso que se vê atormentado pela perfídia satânica de Iago que lhe induz dúvidas acerca da fidelidade de Desdemona. Otello, perdido de ciúme, mata Desdemona e, ao descobrir a verdade, suicida-se cheio da culpa que o inundava e o sufocava de morte.

A Orquestra Gulbenkian foi dirigida por Lawrence Foster. A sua direcção foi de qualidade em qualquer dos 4 actos. Conseguiu transmitir os diversos efeitos melódicos da obra com mestria.
De notar que foi a última apresentação de Foster como director musical da FCG após uma longa colaboração de 11 anos. Obrigado Maestro!


O Coro da Orquestra Gulbenkian apresentou-se em bom nível como é seu habitual: foi magnífico o seu 3.º acto. O Viva il Leon di San Marco foi arrepiante. 


Também a participação do Coro de Câmara Infantil da Academia de Música de Santa Cecília foi de muita qualidade.


O tenor georgino Badri Maisuradze foi Otello. A sua voz não tem uma beleza particular: o timbre é escuro e tem pouca vivacidade. A sua capacidade de projecção foi, por vezes, ligeiramente defeituosa com a voz pouco funda e agudos pouco vivos. Não é, certamente, o tenor heróico que Otello merece: O Esultate não foi perfeito porque lhe falta um agudo com vida. A sua postura, muitas vezes de braços cruzados, não o favoreceu. Quanto à sua interpretação foi muito inconstante: houve momentos em que foi pouco convincente e nunca foi suficientemente desesperado. Ainda assim, o nível global teve qualidade e foi um Otello digno.


O soprano russo Dina Kuznetsova foi Desdemona. A sua voz tem um timbre bonito e muito metálico. Conseguiu não falhar qualquer pianíssimo, foi melódica e expressiva, e teve sempre com uma óptima projecção vocal. A sua prestação foi em crescendo até ao seu último acto em que se apresentou em excelente nível no Salce, Salce, Salce!, bem como no Ave Maria. Foi, pois, uma óptima Desdemona.


O barítono norte-americano Lester Lynch foi Iago. Esteve em grande nível. A sua voz é potente, tem um timbre bonito e uma óptima projecção. O seu Credo foi excelente com uma forte e satânica gargalhada final. Em termos interpretativos foi um Iago mau e insidioso. Para mim, foi o melhor da récita.


O tenor sérvio Ivan Momirov foi Cássio. Já o conhecia do Trovatore do TNSC. Esteve melhor, mas mantenho a minha opinião: tem uma potência vocal inegável com boa projecção, mas o timbre e o ataque aos agudos não é especialmente agradável por ser demasiado lamurioso. A sua postura é talvez demasiado confiante a roçar o arrogante. Apesar disso tudo, cumpriu bem o papel.

O meio-soprano norte-irlandesa Zandra McMaster foi Emília e cumpriu bem.
O tenor austríaco Dietmar Kerschbaum foi Roderigo e esteve em bom plano.
O baixo português Nuno Dias foi Ludovico e foi sempre bem audível, apresentando-se em bom nível.


O barítono português Luís Rodrigues foi um excelente Montano: a sua voz tem um timbre belíssimo e uma projecção óptima. Apesar de colocado atrás da orquestra a sua voz sobrevoou-a na perfeição. Está claramente a pedir papéis mais extensos: merece!


Assistiu-se a uma récita de qualidade elevada quer no que respeita aos cantores, quer à orquestra. Foi, pois, uma óptima maneira de concluir a temporada da FCG e uma despedida em alta do maestro norte-americano Lawrence Foster. A batuta passa agora para o britânico Paul McCressh. Aguardamos ansiosamente a próxima temporada.

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(Review in English below)

The FCG presented the opera Otello by Giuseppe Verdi in a concert version. The opera Otello is based on the drama The Tragedy of Othello, the Moor of Venice by William Shakespeare sublimely adapted by writer and Italian librettist Arigo Boito. It was the penultimate Verdi’s opera and the first after an interval of 17 years without writing new operas after the completion of its very iconic Aida. Otello is a drama in four acts whose story (see link) goes around Otello (Moorish commander and governor of Cyprus), Desdemona (Otello's wife) and Iago (Otello captain of troops). Otello is a powerful man who finds himself tormented by treachery satanic Iago that will induce doubt about Desdemona's fidelity. Lost of jealousy, Otello kills Desdemona, and discovering the truth, suicide himself seeking the salvation of his soul.

Lawrence Foster conducted the Gulbenkian Orchestra. His direction was of quality in any of the four acts. He managed to convey the various melodic effects of the work with mastery.
Note that it was the last performance of Foster as music director of FCG after a 11 yearlong collaboration. Thank you Maestro!

The Gulbenkian Choir performed in good level, as usual: it was magnificent in the third act. Viva il Leon di San Marco was creepy. The participation of the Music Academy of Santa Cecilia Chamber Children’s Choir was of high quality.

The Georgian tenor Badri Maisuradze was Otello. His voice has no particular beauty: the timbre is dark and has little liveliness. His projection capacity was sometimes slightly defective with a shallow voice and high note not sufficiently alive. He is not certainly the heroic tenor Otello deserves: The Esultate was not perfect because he lacks vivid sharps. His posture, often idly, not favored him. As for his interpretation was very inconsistent: there were times when it was unconvincing and was never desperate enough. Still, the overall quality was decent and he was a worthy Otello.

The Russian soprano Dina Kuznetsova was Desdemona. Her voice has a beautiful tone and very metallic. She did not fail any pianissimo, was melodic and expressive, and always had a great vocal projection. Her exibition was growing until its final act that she performed at an excellent level in Salce, Salce, Salce!, and the Ave Maria. She was therefore a great Desdemona.

The American baritone Lester Lynch was Iago. He was a great. His voice is powerful, has a beautiful tone and great projection. His Credo was excellent with a strong and satanic laughter end. In terms of his interpretation Iago was a wicked and insidious. For me he was the best of the recitation.

The Serbian tenor Ivan Momirov was Cassio. Already knew from the TNSC’s Trovatore. Despite been better, I stand by my opinion: he has an undeniable vocal power with good projection, but the timbre and the acute notes attack is not especially nice because it is too whimpering. His posture is perhaps too confident and slightly arrogant. Despite all this, he fulfilled the role.

The Northern Irish mezzo-soprano Zandra McMaster was Emilia and served well.
The Austrian tenor Dietmar Kerschbaum was Roderigo and was in good plan.
The Portuguese bass Nuno Dias was Ludovico and was always very audible, performing at a good level.
Portuguese baritone Luís Rodrigues was an excellent Montano: his voice has a beautiful tone and excellent projection. Although placed behind the orchestra his voice flew perfectly over it. He is clearly asking for more extensive roles: he surely deserves!

There has been a high quality performance both regarding singers and orchestra. It was therefore a great way to finish the FCG’s 2012/13 season and a beautiful way to farewell American conductor Lawrence Foster. The baton now passes to the Briton Paul McCressh. We look forward to next season.

3 comentários:

  1. Mais uma vez leio com avidez uma crônica com a marca dos fanáticos! O texto esteve audível todo o tempo. Fiquei com muita vontade de assistir um OTELO!
    Um grande abraço do Brasil

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  2. Pesenciei esta récita no dia 30/5, 5ª feira. Devo dizer que, apesar de ter sido versão concerto e com todo o respeito pelas outras produções em Portugal, a melhor récita do ano em território nacional. Excelente orquestra, coro e casting.
    Concordo em relação ao tenor. O "Esultate" foi fraco, mas estamos mal habituados com as maravilhosas gravações e vídeos do grande Mario Del Monaco desta ópera, mas no entanto no ponto de vista global esteve bem, estando muito bem na cena final.
    Lester Lynch já em Falstaff tinha demonstrado estar num patamar acima, e já o conhecia do youtube o papel de Asmonaro, em Aida ( www.youtube.com/watch?v=zV2t1ryt-w8 ). Voz fantástica, incansável e sem dificuldades quer dos graves aos agudos, nunca se escondendo atrás da orquestra.
    E acho que a soprano esteve divinal. Grande extensão e projecção vocal.
    O melhor para o fim: a orquestra e coro estiveram fantásticos: sempre com óptimas nuances, afinadíssimos e de um virtuosismo fantástico.

    Cumprimentos

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  3. Também estive presente na primeira das récitas e concordo com a sua apreciação camo_opera. Esta é uma das melhores óperas de Verdi (para mim) e é sempre um privilégio ouvi-la bem cantada e bem tocada, como foi o caso. Apenas achei o soprano Dina Kuznetzova um pouco dura no início, faltando-lhe suavidade e doçura na voz, mas a interpretação foi em crescendo e foi fantástica no último acto. Terminou em beleza a minha presente temporada na Gulbenkian.
    O mesmo não poderei dizer da minha temporada operática, mas isso ficará para mais tarde.

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