sexta-feira, 12 de setembro de 2014

SALOME, A INSACIÁVEL DO MUNICIPAL. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.





O texto bíblico é tema e inspiração de diversas óperas e uma das mais impactantes é Salome. Primeiro virou uma peça teatral de Oscar Wilde para depois se transformar na monumental ópera de Richard Strauss. Ambas sucesso mundial e ambas em cartaz até hoje nos teatros do mundo afora. Os motivos do sucesso são diversos, um dos principais é a densidade dramática dos quatro personagens principais. Cada um a sua maneira impactante, com personalidades fortes e interesses próprios.

É de se estranhar que os dois maiores teatros líricos do Brasil apresentem Salome quase que simultaneamente em produções diferentes. Estranhezas e politicagens a parte a versão do Theatro Municipal de São Paulo que estreou no último dia 06 de Setembro esteve a altura de uma produção internacional onde as qualidades em diversos quesitos foram superlativas.

Por incrível que pareça a direção do teatro escalou uma diretora brasileira para a ópera em um elenco onde os solistas principais são estrangeiros. A competente Livia Sabag sempre mostrou grande criatividade e foi eleita melhor diretora do ano de 2013 desse blog por títulos como L'Enfant et les Sortiléges, O Rouxinol e The Turn of the Screw. Diretora de ópera em evolução permanente sua Salome é marcada pela audácia.




Começou conservadora e atenta aos detalhes, como disse o grande crítico de ópera Marcus Góes "Salome de Strauss dispensa sócios inovadores, nus a la playboy, Herodes bichona, Herodíade sapatona e Salome mostrando tudo e muito mais como se tem visto por aí". Sabag não cai nessas armadilhas modernosas e usa a criatividade. A movimentação e o gestual dos solistas mostram as sutilezas do enredo, como o chefe da guarda cheirando apaixonado o véu de Salome e o sangue que escorre dele até chegar aos pés do rei Herodes.

Os cenários de Nicolás Boni e os figurinos de Veridiana Piovezan são de rara beleza e contribuem para a evolução da direção cênica. Até a Dança dos Sete Véus a direção não apresenta nada de inovador, a audácia da diretora aparece na peça mais famosa da ópera. O palco se abre, aparecem sete mulheres dançando com rostos cobertos por véus em primeiro plano e no segundo plano sete mulheres se banham em uma piscina que lembra um banho turco em uma explosão de sensualidade. No segundo momento sete bailarinos dançam em um nível superior do palco. Coitado do rei Herodes, fica confuso e desnorteado tentando encontrar a Salome em meio a beldades. Inovação sensual em uma cena que todas as demais versões dessa ópera fazem a protagonista somente dançar. A coreografia de André Mesquita é simples e direta sem cambalhotas e frescuras características das demais coreografias da casa.

A Orquestra Sinfônica Municipal regida por John Neschling teve a melhor atuação dos últimos anos. Conseguiu consistência e equilíbrio em uma partitura complexa, sonoridade limpa e coesão entre os naipes. A utilização da versão reduzida para orquestra elaborada pelo próprio compositor ajuda a linha vocal. Os tempos escolhidos por Neschling realçam as melodias e toda a densidade dramática da partitura. Conseguiu soar forte sem ser agressiva, fez da massa orquestral exuberante sem encobrir os solistas. Grande apresentação da Orquestra Sinfônica Municipal, mandou bem Joninho.
  
Salome exige diversos atributos da protagonista: Maturidade vocal, interpretação cênica convincente, resistência física, voz de soprano dramático e intensidade em tudo que faz do início ao fim da ópera. Nadja Michael provou que tem todos esses atributos e muito mais, cantou com voz grande, escura e cavernosa. Soprano dramático no sentido literal da palavra dotada de uma projeção que enche a sala. Conseguiu ser lírica em passagens apaixonadas e forte na medida certa em cenas tensas. Sua Salome é amor e ódio, intensa e explosiva. Dotada de um corpão sensual deixa qualquer Herodes babando. Interpretação moderna com canto e atuação cênica unidos em prol da personagem. Sempre insaciável em busca de seu objetivo e como não consegue ouvir um não como resposta o resultado é posse da cabeça de Jochanaan em uma bandeja.
  
O Herodes de Peter Bronder imprimiu voz com bons agudos e interpretação cênica convincente. Estabeleceu com precisão a vontade oculta de possuir a enteada. Algumas vezes seu gestual pareceu exagerado e espalhafatoso.

Mark Steven fez um Jochanaan de voz com graves enormes e impactantes. Sua voz exprimiu toda a repulsa pela sedução sofrida e sua atuação exibiu qualidades amedrontadoras. Firme em seu propósito de não ceder aos caprichos da protagonista o personagem conseguiu ser convincente vocal e cenicamente.

A Herodias de Iris Vermillion cantou com força máxima e exagerou na dose, sua voz se concentrou na região média com um timbre seco. Muitas vezes agressiva e sem expressão.
  

Uma montagem grandiosa com um primeiro elenco de gabarito internacional. O segundo elenco também é de fora, esse poderia ser composto por cantores brasileiros. Existem vários solistas com capacidade para cantar essa ópera com excelente nível no Brasil e que se aprimorariam mais com essa montagem. Pena que a direção do Theatro Municipal de São Paulo dê sempre preferência aos estrangeiros.

domingo, 7 de setembro de 2014

Joyce DiDonato – Encontro em Nova Iorque / Meeting in New York

(in English below)

Na Metropolitan Opera de Nova Iorque é relativamente frequente haver dias em que um dos grandes cantores dedicam uma tarde ao encontro com o público, promovendo os seus últimos trabalhos.

Desta vez foi Joyce DiDonato. Não foi a primeira vez que me encontrei com ela, pois há alguns anos, em Londres, vi-a acidentalmente, como testemunha esta fotografia, que ela própria tirou (uma selfie) e que lhe mostrei desta vez.


Joyce é uma senhora genuinamente simpática e conhece Lisboa e Sintra. Já em Londres me tinha falado nisso. O encontro hoje foi muito breve, trocam-se habitualmente palavras simpáticas e tira-se a fotografia para a posteridade, que aqui coloco a metade que interessa.


No dia seguinte Joyce DiDonato ofereceu-nos uma magnífica Angelina (La Cenerentola), um papel em que já a ouvi noutras vezes. Sempre ao mais alto nível.


Obrigado Joyce!


JOYCE DiDonato - Meeting in New York / Meeting in New York

At the Metropolitan Opera in New York it is relatively frequent to meet one of the great singers that devote an afternoon to meet with the public, promoting their latest work.

This time was Joyce DiDonato. It was not the first time that I met her, because a few years ago, in London, I saw her accidentally, as witnessed on this picture, taken by herself (a selfie). I showed her the picture this time and we commented about her Cendrillon in London..

Joyce is a genuinely nice lady and she knows Lisbon and Sintra. Already in London she had told me about that. Today’s meeting was very brief, of course. We usually exchange kind words and take a photograph for posterity. Here I reproduce the half that matters.

The next day Joyce DiDonato offered us a magnificent Angelina (La Cenerentola), a role that I had already heard her in other times, always at the highest level.


Thank you Joyce!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

A TÉCNICA REFINADA DE MARIELLA DEVIA E A REGÊNCIA PERDIDA DE SABBATINI. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



Assistir a Joyce DiDonato e Mariella Devia na mesma semana é um privilégio raro. A apresentação de duas cantoras de renome internacional em diferentes fases da carreira mostra que São Paulo faz parte do circuito internacional de grandes espetáculos líricos. Eventos dos mais diversos estilos e artistas de todos os gabaritos passam pela terra da garoa.

O Projeto Grandes Vozes trouxe o soprano Mariella Devia e o tenor que se acha regente Giuseppe Sabbatini para se apresentarem no aconchegante Theatro São Pedro. A condução da Orquestra do Teatro por Sabbatini apresentou diversas falhas, sobraram desencontros entre naipes em diversas passagens. Na abertura da ópera I Capuleti e I Montecchi de Bellini a musicalidade esteve confusa e o Intermezzo da ópera Manon Lescaut de Puccini se mostrou sem brilho. Conduzida por outros regentes a orquestra da casa esteve bem superior e em repertórios mais complexos. Prefiro Sabbatini cantando, reger é uma arte complexa que o simpático tenor  italiano não domina. Será que ele imagina ser um Plácido Domingo?
   
Mariella Devia fez carreira internacional de sucesso, se apresentou em grandes teatros e se especializou no repertório romântico italiano do século XIX. Devia é um soprano correto, segue a partitura com perfeição e mesmo com 66 anos de idade consegue notas inimagináveis devido a uma técnica apurada. Essa mesma técnica conservou a voz dela por décadas. Muitas cantoras jovens nem chegam perto de seus agudos. Sua voz tem excelente projeção, seu fraseado é impecável, seu timbre é consistente e suas coloraturas são impecáveis.

Canta a moda antiga, sua Casta Diva da ópera Norma de Bellini é cópia autenticada da Callas, na Lucia de Lammermoor de Donizetti se sente em casa e exibiu total domínio técnico da partitura esbanjando nas coloraturas e em Chi il bel sogno di Doretta da ópera La Rondinede Puccini soltou uma voz lírica. No repertório francês cantou duas árias inadequadas a sua voz, pesada demais para a Manon de Massenet e para a ária Je veux vivre da ópera Romeo et Juliet de Gounod.


Ali Hassan Ayache

terça-feira, 26 de agosto de 2014

LOHENGRIN, Teatro Real, Madrid, Abril de 2014


(Review in english below)

A encenação de Lukas Hemleb não é nada de especial em termos de cenário. Um ambiente escavado numa rocha, com a imagem de um cavaleiro e alguns buracos, um bloco de gelo que aparece quando o Lohengrin aparece no primeiro acto, mantém no segundo com uma imagem de corpo no interior e que se está à espera que dali saia o irmão de Elsa no final da ópera mas assim não acontece, deixando o Lohengrin um estátua de uma figura disforme em bronze. Não percebi a ideia. O que achei excelente foi a direção de actores. Tudo tem sentido, tudo flui em termos teatrais e em cada personagem e nada é inconsequente. São as tais encenações emocionalmente apaixonantes.




A Orquestra do Teatro Real está muito boa em Wagner mas não escapou a 5 fífias dos metais, felizmente em alturas menos relevantes. O que foi de desmaiar foi o final do segundo acto: excelente a todos os níveis, o primeiro acorde do órgão espectacular com os graves a reverberar por todo o teatro como eu nunca tinha sentido. Era acima de tudo o órgão a brilhar naquela altura e, num instrumento que deve ter só 4 acordes nesta obra e nesta passagem, o homem falha-me as notas do 2o acorde!!! Como é possível!!! Ficou horrível mas lá acertou no final e sempre acabou tudo como escrito. Para lembrar para sempre.



A direção de  Hartmut Haenchen foi segura e experiente e, na minha opinião, acho que podia ter desacelerado mais na marcha da Elsa no 2o acto. Teria ficado ainda mais bonito.

Os cantores:
Duas estrelas brilharam e que foram Christopher Ventris e Thomas Johannes Meier. Ventris fez um Lohengrin fantástico, com uma estabilidade e segurança vocal do início ao fim, com um tom menos angelical e límpido que o Klaus Florian Vogt, mas com aquele toque baritonal que eu prefiro nestes papéis. Deu para ver o quão difícil este papel é em termos vocais e, embora não parecesse em esforço, acredito que não possa cantar muitas vezes este papel sob pena de estragar a voz (e não sei como esta vai ficar quando terminarem as récitas). Deu-nos um Lohengrin muito humano, com muito contacto físico com Elsa, e não o habitual cavaleiro meio sem demonstrar sentimentos e muito distante na pose meio militar. Isto claro, é também da própria encenação. É um Lohengrin que ama, que sofre e passa isso para quem vê e ouve.


Thomas Johannes Meier (Friedrich von Telramund) soberbo vocalmente e na interpretação simplesmente espectacular e sem nada a apontar de negativo. Um actor exímio aliado a uma voz perfeita.

O rei Heinrich foi Franz Hawlata, Gosto de Reis com mais profundidade vocal que este e no início estava com um vibrato irritante mas que se perdeu progressivamente. Cenicamente muito bem.
O arauto (Anders Larsson) foi o mais fraco dos homens, com timbre não muito bonito e sem força requerida.



Nas mulheres dois problemas: Deborah Polaski bem na malvadez de Ortrud mas, se bem no registo médio e baixo, os agudos soam estridentes e onde se perde qualidade vocal.


Catherine Nagelstad esteve talvez melhor no terceiro acto isto porque foi neste que melhor conseguiu "DesBrunnhildizar" a sua interpretação. Não a achei capaz de colocar a inocência de Elsa na voz não obstante ter cenicamente estado excelente. Acho que cantar Wagner tem um rumo e, depois de se cantar várias vezes a Brunnhilde ou a Isolda, por exemplo, já não se pode voltar a personagens mais inocentes como a Elsa, a Elisabeth, a Senta. Consegue-se cantar, claro, mas o efeito de credibilidade vocal não vai com muita probabilidade lá estar. O resultado foi alguma rudeza de timbre que só no terceiro acto me pareceu ser ultrapassada.





Texto de wagner_fanatic.


Lohengrin, Teatro Real, Madrid, April 2014

The staging by Lukas Hemleb is nothing special in terms of scenery. An environment excavated in the rock, with the image of a knight and a few holes, a block of ice that appears when Lohengrin appears in the first act, remains in second with an image of the body on the inside and who is waiting to get out of there the brother of Elsa at the end of the opera, that does not happen. Lohengrin leaves one statue of a shapeless figure in bronze. I did not understand the idea. However, what was excellent was the direction of singers. Everything makes sense, everything flows in theatrical terms and in each character and nothing is inconsequential. It was one of those emotionally enthralling performances.

The Orchestra of the Teatro Real is very good in Wagner but could not escape 5 failures in the metals, fortunately in less relevant parts. What was terrible was the end of the second act: excellent at all levels, the first chord of the great organ with bass to reverberate throughout the theater as I had never felt. It was, above all, the shining of an instrument at that momen,t and an instrument that should have only 4 chords in this work. But in this passage the player fails the second chord notes! How is it possible!!! It was awful but there at the end it finished as it is written. To remember forever.

The musical direction by Hartmut Haenchen was strong and experienced and, in my opinion, I think he could have slowed more the march of Elsa in the second act. It would have been even more beautiful

The singers :
Two stars shone, and were Christopher Ventris and Thomas Johannes Meier . Ventris did a fantastic Lohengrin, with a vocal stability and security from start to finish, with a less angelic and limpid tone than Klaus Florian Vogt, but with that baritonal touch I prefer in these roles. I could see how difficult this role is vocally and, although this seems to work, I believe that he can not sing this role often, with the risk of damaging his voice (and I do not know how this will sound after the performances). He played a very human Lohengrin, with much physical contact with Elsa, and not the usual knight without showing feelings and far away from the military attitude. This is also due to the staging itself. Lohengrin is a loving, suffering being and he passes it to anyone who sees and hears him.

Thomas Johannes Meier (Friedrich von Telramund) was vocally superb and simply had a spectacular performance. An excellent actor combined with a perfect voice.

King Heinrich was Franz Hawlata. I like kings with more vocal depth and in the beginning he had an annoying vibrato that was gradually lost. Very well on stage. 
The Herald (Anders Larsson) was the weakest of men, with a not very beautiful timbre and without the required strength.

In women two problems: Deborah Polaski was well as the wicked Ortrud but, although well in the middle and low registers, the top notes were shrill and vocal quality was lost.

Catherine Nagelstad was perhaps better in the third act because it was in this act that she could sing away from Brunhilde stile in her interpretation . She was not able to put the innocence of Elsa's voice notwithstanding scenically have been excellent. I think singing Wagner has a course and, after singing several times Brunnhilde or Isolde, for example, one can no longer return to more innocent characters like Elsa, Elisabeth or Senta. It is possible to sing, of course, but the effect of vocal credibility will very likely not be there. The result was some harshness of tone that only in the third act seemed to be overcome.


Review by wagner_fanatic.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

PARSIFAL, Deutsche Oper, Berlim, Abril de 2014

(review in english below)

O pior Parsifal a que já assisti... Obviamente que não estou a falar da encenação, de Philipp Stölzl, a qual acho das melhores que já vi da obra juntamente com a do Guth e que foi um prazer rever. O resto é que foi globalmente mau e abaixo das expectativas.
A orquestra esteve nitidamente mal. A secção dos metais deu à vontade umas 10 a 15 fífias, desde entradas a medo e por isso meio desafinadas, até oscilações de intensidade de som. As cordas também tiveram um momento pontual menos bom. Não se sentiu a espiritualidade da música de Wagner e penso que isso também se deveu ao maestro (Axel Kober), alguém que acredito demasiado inexperiente no compositor. No primeiro acto fez demasiadas alterações de pace o que penso não ter contribuído para a coesão dos diversos naipes e as incertezas das entradas sem confiança dos metais. O aspecto geral traduzia uma orquestra "sacádica" ou "sincopada", não obstante algumas passagens em que funcionou bem, apesar da opção geral de um Parsifal rápido. Talvez o segundo acto tenha sido o menos mal conseguido.


Em relação aos cantores:
Gurnemanz de Hans-Peter König não foi brilhante. Primeiro acto com baixa expressividade facial, sempre a olhar para o maestro. No primeiro monólogo deixou transparecer o que viria a ser demasiado evidente no último acto: uma rouquidão e um catarro, por vezes bem disfarçado, mas na maioria não, obrigando (e quero acreditar que foi esse o motivo) a respirações incorrectamente posicionadas nas frases melódicas, frequentemente respirando na última palavra ou na penúltima sílaba (ainda pior) antes do final da frase principalmente quando esta se prolongava no tempo ou era em agudo. O início do terceiro parecia melhor nestes pontos interpretativos e vocais mas, se mais natural na parte interpretativa, o mesmo não se pode dizer da parte vocal. E ele sabe que as coisas não correram bem e acenou no final como quem pede desculpa (mas para este público de hoje tudo pareceu óptimo !?...).


O Amfortas de Bo Skovhus foi melhor no terceiro do que no primeiro acto. No monólogo do primeiro acto, na passagem mais séria do mesmo (quando diz "nahm ihm, nach seinem"...) esteve completamente descoordenado do andamento da orquestra. O seu sofrimento pareceu mais físico que da alma até porque foi bastante "monocórdico" na interpretação. Terceiro acto melhor mas não tocante. Tinha visto nesta encenação o Thomas Johannes Meier e que foi muito superior e muito mais apaixonante de ouvir.



O Parsifal de Stefan Vincke não é bom. Canta o Parsifal como canta o Siegfried e não pode ser. Não tendo uma voz de heldentenor, até se aceita (como o aceitei no anel da Royal Opera House) como Siegfried mas para Parsifal falta-lhe a capacidade de produzir um som menos grosseiro, em que o timbre não mude com as diversas intensidades imprimidas à voz e que seja capaz de modular a expressividade da mesma com fineza e classe. O resultado, embora não estivesse mal do ponto de vista corporal e interpretativo neste sentido, foi um Parsifal com aspecto de velho, onde não se percebeu a transição de tolo para iluminado e que só lhe faltou chamar Brunnhilde à Kundry, se me percebe...


Os melhores foram, sem dúvida o Titurel (Albert Pesendorfer), com o timbre e profundidade que se espera para o papel, a Kundry da Evelyn Herlitzius que é realmente brutal embora o seu estilo e voz inconfundível por vezes façam sentir os seus agudos potentes com gritos, e o Klingsor (Bastiaan Everink) que, não sendo um cantor de nível superlativo, cumpriu sem gaffes.


O coro também não esteve no seu melhor, principalmente no final em que se notou a sobresaírem os tenores, criando um som pouco celestial.

Uma coisa que se nota e que me faz alguma impressão é que há produções em que parece que os cantores não vivem o papel com paixão (não sei se por encararem a ópera apenas como um trabalho, se estão cansados ou se não tiveram tempo de ensaio suficiente) e depois resulta uma produção como esta em que parece que cada um canta o seu papel e pronto, o que transparece não interessa porque haverá quase sempre aplausos do público porque, para muitos dos que ali vão, qualquer coisa serve.
Se comparasse o espectáculo e a paixão interpretativa que foi toda a cena no quarto da Condessa nas Bodas de Figaro dois dias antes com este Parsifal todo, diria que Mozart sorriu e Wagner bufou de raiva onde quer que estejam...



Texto de wagner_fanatic.


PARSIFAL, Deutsche Oper, Berlin, April 2014

The worst Parsifal I have ever seen ... Obviously I'm not talking about Philipp Stölzl’s staging, which is one of the best I've seen (along with Guth’s) and it was a pleasure to review it. The rest was bad and has been generally below expectations.
The orchestra was clearly bad. The metals section made 10-15 mistakes, including bad entries, oscillations of intensity and of tune. The strings were also less well once. I did not feel the spirituality of Wagner's music and I think it was also due to the conductor (Axel Kober), someone who I believe is too inexperienced on the composer. In the first act he made
​​too many changes of pace that have not contributed to the cohesion of the various sections of the instruments. The general appearance represented a "saccadic " or "syncopated " orchestra, despite some parts that worked well, despite the general option of a fast Parsifal. Perhaps the second act was the more acceptable.

Regarding the singers:
Hans-Peter König´s Gurnemanz was not brilliant. In the first act he showed poor facial expressivity, always looking at the conductor. In the first monologue he hinted what would be too obvious in the last act: hoarseness and phlegm, sometimes well disguised, but mostly not, compelling (and I believe that was the reason) the incorrect breaths positioned in melodic phrases often breathing in ultimate or penultimate syllable (even worse) before the end of the phrase, especially when it is prolonged in time or was in a top note. In the beginning of the third act he looked better in these interpretative points but, if more natural interpretation on stage, the same can not be said of the vocal performance. And he knows that things did not go well at the end and waved as apologetic (but for this audience today everything seemed fine? ... ) .

Bo Skovhus’s Amfortas was better in the third than in the first act. In the monologue in the first act, particularly in the more serious part (when it says "nahm ihm, nach seinem" ...) he was completely uncoordinated in tempo with the orchestra. His suffering seemed more physical than of the soul because it was very "monotone" in interpretation. The third act was better but not touching. I had seen Thomas Johannes Meier before and he was far superior and more exciting to hear.

Stefan Vincke’s Parsifal is not good. He sings Parsifal as Siegfried and that can not be done. Not having a heldentenor voice one accepts as Siegfried (as I accepted in the Ring of the Royal Opera House), but as Parsifal he lacks the ability to produce a less coarse sound, where the tone does not change with the different intensities to the voice and that is capable of modulating the expression of the voice with class and finesse. The result, although not bad on the stage performance, was a Parsifal with the appearance of an old person, where you do not notice the transition from silly to illuminate, and that only he lacked to call Brunnhilde to Kundry. I do not understand.

The best were undoubtedly Titurel (Albert Pesendorfer), with the timbre and depth expected for the role, Kundry’s Evelyn Herlitzius which was really excellent, although her unmistakable voice style sometimes make feel her powerful top register hard, and Klingsor (Bastiaan Everink) while not being a superlative level singer, sang without mistakes.

The choir also was not at its best, especially at the end whe the tenors were particularly noted, creating a less heavenly sound.

One thing that strikes me is that there are productions in which it seems that the singers do not live the role with passion (not sure if by envisage the opera just as a job, if they are tired, or if they have not had time to rehearsal).  Then appear productions like this, where it seems that everyone sings their role and that´s it, no matter what message passes, because there will almost always come applause of the audience because, for many who go there, anything goes.
Comparing the performance and interpretative passion that I had seen two days before in the Countess’s room in Marriage of Figaro with all this Parsifal, I would say that Mozart smiled while Wagner huffed in rage, wherever they are ...


Review by wagner_fanatic.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Concertos de Domingo, Fundação Gulbenkian, a propósito do concerto de 2 de Março de 2014


No passado dia 2 de Março assisti, às 11h00, ao primeiro dos Concertos de Domingo da Fundação Gulbenkian destinados, sobretudo, às famílias.
A iniciativa é muito louvável e, mais uma vez, a Fundação Gulbenkian está de parabéns.

O programa incluiu duas obras muito conhecidas, o Concerto para Violino e Orquestra de Mendelssohn e a 5ª Sinfonia de Beethoven. Foi solista no primeiro a violinista Birgit Kolar. A direcção da Orquestra Gulbenkian esteve a cargo do jovem maestro Pedro Neves. Esteve bem nas explicações prévias que deu sobre cada obra, foi claro e conciso. A orquestra, como habitualmente, ofereceu-nos uma bela interpretação.

Na assistência havia, naturalmente, muitas crianças. O que me intriga é o que motiva muitos adultos a levarem a estes concertos crianças de 1, 2 ou 3 anos, que lá estavam em número apreciável. Para elas é  um castigo e disso foi elucidativo o ruído constante que se ouviu. No final do primeiro andamento do concerto de Mendelssohn uma parecia estar a ser torturada, tendo sido levada para fora da sala. Na fila atrás da minha estavam dois irmãos que, para além de terem falado durante todo o concerto, estiveram sempre aos pontapés às costas da minha cadeira e, um deles, até quis conversar comigo várias vezes em pleno concerto, mantendo-se a mãe impávida, como se a situação fosse a mais natural. O que realmente apreciaram foram os aplausos, porque puderam bater palmas.

Por outro lado, à minha frente, estava também um casal com 3 filhas, já nos seus 5 a 9 anos que se comportaram exemplarmente, acompanhando com interesse o desenrolar do concerto e trocando opiniões com os pais sobre os andamentos apenas com gestos, sem o menor ruído.

Em resumo, os Concertos de Domingo da Gulbenkian são louváveis, baratos, com programas de fácil audição e bem interpretados. Contudo, a música é apenas uma das muitas coisas que se ouvem constantemente ao longo do espectáculo.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

AS BODAS DE FIGARO / LE NOZZE DI FIGARO, Teatro Schiller, Berlim, Abril 2014.


(review in english below)

O wagner_fanatic assistiu às Bodas de Fígaro no Teatro Schiller, Berlim. Ópera de WA Mozart, com libretto de Lorenzo da Ponte, foi interpretada sob a direcção musical de Christopher Moulds, numa encenação de Thomas Langhoff. Foram solistas Roman Treke como Counde de Almaviva, Dorothea Röschmann como Coundessa de Almaviva, Anna Prohaska como Susanna, Adam Plachetka como Fígaro, Anna Bonitatibus como Cherubino e Katharina Kammerloher como Marcelina.

Umas Bodas de Fígaro espectaculares!!! Conjugação de excelentes vozes com a direcção de actores mais perfeita e ao meu gosto que já vi. O que foi mais espectacular foi ter aquilo que eu procuro sempre quando vou assistir a um espectáculo de ópera e que é encontrar a perfeita sintonia entre a música e o teatro. Só em algumas vezes senti que assisti a algo praticamente sem falhas e ao meu gosto neste sentido holístico que é a Ópera.

O modo como as pessoas cantam, a sintonia entre elas e aquilo que de mágico conseguem transmitir varia e embora eu reconheça qualidade em muitas coisas que tenho visto, algo só me marca completamente quando transmite aquilo que foi pensado para aquela ópera. Quando falamos em Mozart, este não trabalhou para um lado e o da Ponte para outro e depois misturaram música e texto e as Bodas, o Don Giovanni e o Cosi fan tutte saíram como são. A música tem ideias que apoiam o texto, o texto tem ideias que acompanham a música e os cantores e encenadores tem de conhecer bem o que estão a dizer, conhecer para onde a música os leva, e saber transmitir isso a quem está a ver. Se isso não acontecer, não temos ópera.

Houve homogeneidade em todos os solistas mas verdadeiramente excelente foi Adam Plachetka!




The Marriage of Figaro / Le Nozze Di Figaro, Schiller Theater, Berlin, April 2014.

Wagner_fanatic attended The Marriage of Figaro at the Schiller Theatre, Berlin. An opera by WA Mozart with libretto by Lorenzo da Ponte, was performed under the musical direction of Christopher Moulds. The stage director was Thomas Langhoff. Soloists were Roman Treke as Count Almaviva, Dorothea Röschmann as Countess Almaviva, Anna Prohaska as Susanna, Adam Plachetka as Figaro, Anna Katharina Bonitatibus as Cherubino and Katharina Kammerloher 
as Marcelina.

A spectacular Marriage of Figaro! Combination of excellent voices to perfect actor and singers direction I've ever seen. What was most amazing was having what I always look for when I watch an opera performance and that is to find the perfect harmony between music and play. Only a few times I felt that I saw something almost flawless in my holistic perception of what is the Opera.

The way people sing, the line between them and what is magic that they can transmit varies, and although I recognize quality in many things I have seen before, something only touches me totally when transmitting what was thought to that opera. When we talk about Mozart, he did not work for one side, and da Ponte for another, and then they mixed music and text, and Le Nozze, Don Giovanni, and Cosi fan tutte just came as they are. Music has ideas that support the text, the text has ideas that accompany the music and the singers and directors have to know well what they are performing, to know where the music takes them, and to transmit it to who is watching. If not, we do not have opera.

There was homogeneity in all singer soloists but truly excellent was Adam Plachetka!