A última ópera do
Anel de Londres foi talvez a melhor. A encenação manteve a linha
desinteressante. As Nornas no início vão manipulando as cordas vermelhas do
destino já vistas anteriormente, numa abordagem muito convencional.
A sala dos
Gibichung está enquadrada por paredes que imitam o Tarnhelm, mas nada mais há digno de nota. Aparecem umas estátuas
douradas dos deuses evocados, Freia, Fricka, Froh e Donner.
Na cena de caça,
é morto um antílope que é posteriormente desmembrado e distribuído por vários
figurantes, mas o animal continua intacto quando sai de cena. O Siegfried,
depois de morto pelo Hagen, fica caído no palco, sozinho, e durante a marcha
fúnebre nada acontece, para além de o palco recuar um pouco. Depois é
totalmente embrulhado em panos brancos e assim permanece num barco.
No final os 3
quadrados que aparecem na base do cenário (onde anteriormente era o Reno)
incendeiam-se e as estátuas dos deuses já referidas são içadas por cordas e
neles introduzidas. A Brünhilde atira-se às chamas e a ópera termina com ela a
ser içada numa estrutura metálica, depois de tudo ser consumido pelo fogo.
A Orquestra esteve quase sempre muito
bem, mas achei que a marcha fúnebre, talvez o momento mais belo e solene da
ópera, esteve aquém do desejável. Houve algumas entradas tardias dos metais e o
andamento imposto pelo Antonio Pappano
não foi o melhor. E foi uma pena.
Já o Coro esteve ao mais alto nível. Quanto
aos solistas, houve de tudo, desde o aceitável ao transcendental.
As 3 Nornas foram
muito uniformes e vocalmente irrepreensíveis (Primeira Norna, Claudia Huckle; Segunda Norna, Irmgard Vilsmaier; Terceira Norna, Lise Davidsen).
Também as 3
Filhas do Reno estiveram muito bem, Lauren
Fagan (Woglinde),
Christina Bock (Wellgunde) e Angela Simkin (Flossilde).
O Siegfried do Stefan Vinke teve boa presença cénica
mas foi irregular na linha de canto, alternando períodos em que quase se não
ouvia com outros em que cantava muito alto. O 3º acto foi a sua melhor
prestação em todo o Anel.
Johannes Martin Kränzle manteve uma óptima actuação como Alberich, embora
o papel seja pequeno nesta ópera, mas ainda assim foi suficiente para o encenar
de forma ridícula, num barco e com máscara de oxigénio.
Karen Cargill foi uma excelente Waltraute de voz grave e
poderosa, e timbre bonito e cativante.
O Gunter do Markus Butter esteve muito aquém do
desejável num elenco destes. O desempenho cénico até foi bom, mas o cantor tem
uma voz pequena, mal projectada e foi frequentemente afogado pela orquestra.
Também a Emily Magee (Sieglinde na Valquíria) voltou
a decepcionar como Gutrune. Muito exuberante em palco mas a voz ouviu-se mal e
foi algo monocórdica em toda a actuação.
Fantástico foi o
baixo Stephen Milling como Hagen.
Voz muito bonita, forte, sempre audível sobre a orquestra e uma presença cénica
irrepreensível no papel cínico e malévolo da ópera. O melhor de entre os homens.
Finalmente a Brünhilde
da Nina Stemme. Foi excelente nos
dois primeiros actos, o diálogo com a Waltraute foi marcante, mas no final da
ópera foi arrasadora! Os últimos 20 minutos foram os melhores de todo o Anel. A
Stemme esteve ao nível da sua compatriota Birgit Nilsson e cantou com uma
intensidade dramática comovente, como raramente se tem oportunidade de ver e
ouvir. Não tenho palavras para descrever com fidelidade aqueles momentos
transcendentais a que assistimos.
A Royal Opera só
vendeu bilhetes para o Anel inteiro. No final, o público, maioritariamente
conhecedor (um anel completo não é nem para curiosos, nem para amadores, nem
para principiantes) brindou a Nina Stemme, e apenas ela, com uma explosão de
aplausos que a casa quase veio abaixo. E esta expressão aqui aplica-se
literalmente porque a pateada, gigantesca e demorada, é rara e apenas surge
quando a coisa é excepcional, ao contrário do que se passa em Portugal (onde é
sinal de desagrado). Estive no balcão e o chão literalmente tremeu durante uns
largos minutos. Grande Stemme!!
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GÖTTERDÄMMERUNG
/ THE TWILIGHT OF THE GODS, Royal Opera House, November 2018
The last
opera of the Ring of London was perhaps the best. The production kept
uninteresting. The Norns at the beginning manipulate the red strings of fate
previously seen in a very conventional approach.
The room of
the Gibichungs is framed by walls that imitate the Tarnhelm, but nothing else is worth noting. Some golden statues of
the evoked gods Freia, Fricka, Froh and Donner appear.
In the
hunting scene, an antelope is killed and is later dismembered and distributed
by several people, but the animal remains intact when it is removed from the
scene. Siegfried, after being killed by Hagen, lies on the stage alone, and
during the funeral march nothing happens, in addition to the stage retreating a
little. Then he is totally wrapped in white cloths and so stays in a boat.
At the end
the three squares that appear at the base of the scene (where previously it was
the Rhine) are set fire and the statues of the already mentioned gods are
lifted by ropes and introduced in them. Brünhilde throws herself into the
flames, and the opera ends with her being hoisted into a metal frame, after everything
is consumed by fire.
The Orchestra was almost always very well,
but I thought that the funeral march, perhaps the most beautiful and solemn
moment of the opera, was far from desirable. There were some late innings of
the metals and the tempo imposed by Antonio
Pappano was not the best. And it was a pity.
In
contrary, the Choir was at the
highest level. As for the soloists, there was everything from the acceptable to
the transcendental.
The 3 Norns
were very uniform and vocally irreproachable (First Norn, Claudia Huckle, Second Norn, Irmgard
Vilsmaier, Third Norn, Lise Davidsen).
Also the 3
Daughters of the Rhine were very good, Lauren
Fagan (Woglinde),
Christina Bock (Wellgunde) and Angela Simkin (Flossilde).
Stefan Vinke's Siegfried had a good stage presence but was
irregular on the singing line, alternating periods when he almost was not
listened to others in which he sang very loudly. The 3rd act was his best
performance throughout the Ring.
Johannes Martin Kränzle maintained a great performance as
Alberich, although the role is small in this opera, but was still enough to stage
him ridiculously, in a boat and with an oxygen mask.
Karen Cargill was an excellent Waltraute with a powerful low
voice, and a beautiful and captivating timbre.
Markus Butter's Gunter was far from desirable in a cast such
as these. The scenic performance was even good, but the singer had a small
voice, poorly projected and was often drowned by the orchestra.
Also Emily Magee (Sieglinde in Valkyrie)
again disappointed as Gutrune. Very exuberant on stage but the voice was badly heard
and was something monoric throughout the performance.
Fantastic
was bass Stephen Milling as Hagen.
Very beautiful voice, strong, always audible over the orchestra and an
irreprehensible stage presence in the cynical and malicious role of the opera.
The best singer among men.
Finally Nina Stemme’s Brünhilde. She was
excellent in the first two acts, the dialogue with Waltraute was remarkable,
but at the end of the opera she was devastating! The last 20 minutes were the
best of the entire Ring. Stemme was at the level of her compatriot Birgit
Nilsson and sang with dramatic intensity, as we rarely get a chance to see and
hear. I have no words to faithfully describe those transcendental moments we
have witnessed.
The Royal
Opera only sold tickets for the entire Ring. In the end, the mostly
knowledgeable audience (a complete ring is neither for the curious, nor for
amateurs, nor for beginners) offered Nina Stemme, and only her, with an
explosion of applause that the house almost came down. And this expression here
applies literally because the gigantic and long foot kick is rare and only
comes when the thing is exceptional, unlike what happens in Portugal (where it
is a sign of displeasure). I was on the balcony and the floor literally shook
for long minutes. Great Stemme!!
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