Quando
pensamos em ópera o que nos vem à mente é música, teatro, emoções.
Quando este
tripé encontra em cada suporte uma força firme temos aquilo que podemos chamar
de perfeição ou, como eu gosto de pensar, ficamos mais próximos da perfeição
porque esta não existe simplesmente porque o que para um ser humano pode ser
perfeito, para outro o pode não ser.
Foi isto que
senti na segunda ópera do ciclo do anel de Londres, a mais famosa de todas: Die
Walküre.
Assisti à melhor recita da obra até ao dia de hoje e por
força de um tripé forte.
O leque de
cantores foi exímio.
Simon
O'Neill subiu pontos na minha consideração, eu que já o tinha em boa estima.
Finalmente, ou por ele ou por orientação de encenador, cantou com a emoção e a
garra que o herói Siegmund deve possuir e, desculpem bater sempre na mesma
tecla, que Plácido Domingo transparecia. Os seus Wälse, além de fortíssimos e seguros, prolongaram-se na duração
perfeita para o efeito emotivo desejado. A voz talvez pudesse ter um tom mais
baritonal, e que o colocasse mais à vontade no registo mais grave mas são
variantes de gosto e que em nada devem diminuir a opinião sobre a sua
interpretação da personagem nesta noite. Sendo o “understudy” de Plácido
Domingo, acho que demonstrou aqui que, não sendo igual, captou do mestre o que
de melhor pode trazer ao herói.
Eva Maria
Westbroek esteve espectacular, como sempre.
John
Tomlinson esteve sublime como Hunding. Os graves ainda são cavernosos e
transmitem o sentimento maléfico da personagem de forma apaixonante, acoplado a
uma presença de palco e maneirismos vocais e de postura característicos e
singulares de Tomlinson.
Susan
Bullock, mais anafada do que quando cantou Brünhilde no Teatro Nacional de São
Carlos, mantém as mesmas características vocais. Não devemos cair no excesso de
querer sempre comparar todas as Brünhildes a Birgit Nilsson e claro que
Bullock não e uma Nilsson mas tem voz suficientemente firme para a personagem.
Apesar de tudo, posso concordar com aqueles que acham que Lisa Gasteen foi
melhor em 2007…
Sarah
Connolly continuou a surpreender com uma Fricka emotiva e quase à beira de um
ataque de nervos. E incrível a plasticidade interpretativa da mesma e a voz
sublime, encaixando como dedo em luva na personagem.
Bryn Terfel
atingiu uma maturidade no papel de Wotan na idade cronológica perfeita,
esperando-se que continue por pelo menos mais dez anos a oferecermos a sua
presença de palco e a sua sentida vivência de toda a problemática do Deus a
qual atinge a sua maior intensidade em “A Valquiria”.
Também aqui,
o melhor leque de Valquirias que já ouvi.
Mas se já
falei da música, faltam os componentes Teatro e Emoção. Esta reposição atinge a
perfeição, ou a quase perfeição, pela excelente direcção de actores e pelos
pormenores cénicos respeitando o texto e os leitmotivs. Como exemplos: é
visível Sieglinde deitar soporífero na bebida de Hunding sem este ver
seguindo-se, da parte deste, um desenrolar de acção até sair de cena para
descanso com cambalear e quase um deixar-se dormir em cena; antes, quando chega
a casa, a sincronia do espetar o machado que traz na mão em cima da mesa com a
música; agarra os cabelos de Sieglinde quando chega e vê Siegmund na sala;
aperta a mão a Siegmund quando diz que é bem vindo à sua casa. Fricka quando
diz para Wotan lhe olhar nos olhos e dizer que a Valquiria não vai ajudar
Siegmund, toca na cara de Wotan que está a olhar para o outro lado e força-o a
olhar para ela; o juramento de Wotan “Nimm den Eid” foi brutal, expirado em
raiva, ficando depois Wotan a passar a mão direita sobre a esquerda como que
querendo afastar de si a maldição do anel (foi nessa mão que o colocou no Ouro
do Reno) e ao mesmo tempo a tentar tirar enojado o juramento a Fricka (é com
essa mão na dela que o faz). Durante o monólogo, Brünnhilde encontra no meio dos destroços do palco uma cabeleira
azul, a mesma que foi colocada na cabeça de uma mulher em Niedelheim no Ouro do
Reno (mulher em cima de marquesa ginecológica e onde Alberich, no Ouro do Reno,
insinua movimentos fecundadores) isto quando Wotan fala do filho de Alberich.
Siegmund só olha para Brünnhilde na passagem do texto quando
lhe diz que ela é bonita. Brünnhilde promete a Siegmund proteger
Sieglinde e é curioso ver que na luta final do segundo acto ela começa logo a
fazê-lo. Isto porque Hunding entra em cena, da de caras com Sieglinde, e afasta-a
empurrando-a e vai direito a ela como que para a matar primeiro e depois
Siegmund. Brünnhilde desvia o machado de Hunding da direcção de Sieglinde,
com a sua lança, enquanto diz a Siegmund para confiar na espada. Tanto e tanto
mais em pormenores que enriquecem a naturalidade da obra e que contou com a
excelente capacidade cénica destes cantores!!...
Momento alto
para a História da Ópera em Covent Garden, testemunhada pelos aplausos efusivos
e os bravi sinceros.
Die Walküre - Royal Opera House, London - October 28, 2012
When we think of Opera what that comes to mind is music,
drama, emotions.
When this tripod is a firm force in each bracket we have
what we call perfection or, as I like to think, we are closer to perfection
because it does not exist – what is perfection for one human being could not be
perfect for another one.
This is what I felt
in the second opera of the London Ring Cycle, the most famous of all: Die
Walküre. I attended the best performance of the work until that day and under a
strong tripod.
The range of singers was eminent.
Simon O'Neill ascended points in my account, and I already
had him in good esteem. Finally, either by him or director’s guidance, he sang
with the emotion and strenght that the hero Siegmund must have and I am sorry
for saying always the same but it was this Plácido Domingo did. His Wälse, very
strong and secure, lasted for the perfect duration for the desired emotional
effect. The voice could perhaps have a more baritonal tone, and this might put
him more at ease in lower range but this is a matter of personal taste and
should in no way diminish the opinion on his interpretation of the character
that night. Being the "understudy" of Plácido Domingo, he shown here that
he managed to catch the best that he can bring to the hero, without being a
copy of the master.
Eva Maria Westbroek was spectacular, as always.
John Tomlinson as Hunding was sublime. His low notes are
still cavernous and convey the feeling of an evil character in such a fascinating
way, coupled with a stage presence and vocal mannerisms and posture that are
unique and characteristic of Tomlinson.
Susan Bullock, with a bit more weigth than when she sang the
role at the Teatro Nacional de São Carlos, maintains the same vocal
characteristics. We must not fall in excess of always wanting to compare all
Brünhildes to Birgit Nilsson and it is clear that Bullock is no Nilsson but her
voice is firm enough for the character. I agree with those who think Lisa
Gasteen was better in 2007...
Sarah Connolly continued to surprise with an emotive
Fricka and almost on the verge of a nervous breakdown. It is amazing the plasticity
of her sublime voice, fitting as finger in glove in the character.
Bryn Terfel has reached a maturity in the role of Wotan in
perfect chronological age. We hope he continues for at least another ten years
to offer his stage presence and his deep experience of the whole issue of the God
which reaches its greatest intensity in "The Valkyrie".
Also here, the best range of Valkyries I've ever heard.
But now, having talked about music, we are missing the components
Theatre and Emotion. This reinstalment reaches perfection, or near perfection,
in the excellent direction of the actors and scenic details respecting the text
and leitmotifs. Examples: we can see Sieglinde pouring a soporific in Hunding’s
drink without him seeing this, followed by his physical response to the drug. Before
this, when he arrives at home, the stabing the ax on the table is syncronous
with the orchestra chord; he grabs the hair of Sieglinde when he arrives and
sees Siegmund in the room; shakes hands with Siegmund when he says he is
welcome to his home. When Fricka tells Wotan to look into her eyes and say that
the Valkyrie will not help Siegmund, she touches Wotan’s face a makes him turn
his head to her and look to her eyes; the oath of Wotan "Nimm den
Eid" was brutal, expired in anger, leaving Wotan passing his right hand
over the left as if wanting to get away from the curse of the ring itself (it
was on this hand he used the Ring on Das Rheingold) while also trying to take
the oath (is this hand he gives to Fricka for the oath). During the monologue,
Brünnhilde found in the wreckage of the stage a blue wig, the same as it was
placed on the head of a woman in the Niedelheim on Das Rheingold (woman on top
of a gynecological marquise and where Alberich insinuates sexual movements in
Das Rheingold) when Wotan talks about the son of Alberich. Siegmund only looks to
Brünnhilde at the passage of the text when he says she's beautiful. Brünnhilde
promises to Siegmund to protect Sieglinde and is curious to see the fight at the
end of the second act when she begins to do so. This comes into play when
Hunding arrives and deviates Sieglinde from the way in order to reach Siegmund
and he walks towards her as if to kill her with the ax. Brünnhilde deviates
Hunding’s ax with her spear, while saying Siegmund to trust in the sword. So
much and so much more on details that enrich the naturalness of the work and that
it was possible due to the excellent ability of these singers!...
A memorial night for the History of Opera in Covent Garden,
witnessed by effusive applause and sincere bravo.