segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

SIEGFRIED – Royal Opera House – 31 Outubro 2012




O Siegfried continuou a minha excelente impressão sobre este Ciclo da Royal Opera.

O detalhe, a direcção de actores, a preocupação cénica com os leitmotivs e a sincronia entre acções de palco e a música impressionaram bastante, revelando árduos ensaios e, talvez, a experiência acumulada dos três ciclos anteriores.

Gerhard Siegel oferece um Mime sublime onde a matreirice transpira na voz e na postura.


Bryn Terfel faz de forma excelente a transição entre Wotan e o Wanderer. Menos imponente na postura e vocalmente talvez um pouco mais reservado, aos olhos e ouvidos dos mais desatentos, pode parecer deficitário do cantor, mas não, consistindo sim na sua caracterização inteligente da personagem.


Na curta aparição de Alberich, Wolfgang Koch foi brilhante. Aguardo com expectativa o seu Wotan em Bayreuth em 2013 (para ouvir na rádio, claro e infelizmente apenas na rádio…).

Maria Radner, possuidora de voz de mezzo segura e profunda, sem os “erres metralhados da sua aparição em o Ouro do Reno, esteve muito bem como Erda.


Susan Bullock esteve muito bem como Brunnhilde e foi tocante voltar a ver a sua integração com Stefan Vinke depois do excelente trabalho que fizeram no Anel do São Carlos.


Stefan Vinke esteve muito bem como Siegfried. Consegue transmitir na voz e na sua postura em palco, a jovialidade e a inocência da personagem, mantendo uma frescura e força vocal impressionantes até ao final.


De destacar o excelente trabalho da orquestra e um especial apreço pela secção dos metais. Não sei se são outros músicos ou se são os mesmos mas, se são os mesmos, a revelarem um bom trabalho de treino desde 2007.




 SIEGFRIED – Royal Opera House – October 31, 2012


The Siegfried continued my excellent impression on this Ring Cycle at the Royal Opera.

The detail, the direction of actors, scenic concern with leitmotifs and sync actions between stage and music quite impressed, revealing strenuous training and perhaps the experience of the three previous cycles.

Gerhard Siegel offers a sublime Mime where evilness transpires in his voice and posture.


Bryn Terfel does a superb transition between Wotan and the Wanderer. With a less vocally imposing posture and perhaps a little more reserved, to the eyes and ears of the inattentive, the singer may seem deficient, but no, consisting rather in his intelligent characterization of the character.


In the short appearance of Alberich, Wolfgang Koch was brilliant. I look forward to his Wotan at Bayreuth in 2013 (on to the radio, of course and unfortunately only on the radio ...)

Maria Radner, possessing a deep and safe mezzo voice without the strafed “R’s” as in her appearance in Das Rheingold, made a very good Erda.


Susan Bullock as Brunnhilde was fine and it was touching to see again her integration with Stefan Vinke after the excellent job they did in the Ring at the Teatro Nacional de São Carlos in Lisbon a few years ago.


Stefan Vinke as Siegfried did very well. His voice and his posture on stage can transmit the playfulness and innocence of the character, maintaining a freshness and impressive vocal strength until the end.


A final word to highlight the excellent work of the orchestra and a special appreciation for the metals section. I do not know if they were the same musicians of 2007 or if they were new ones but, if they are the same, they revealed a pretty god training job since 2007.



sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A VALQUÍRIA (DIE WALKÜRE) – Royal Opera House, Londres – 28 Outubro 2012



Quando pensamos em ópera o que nos vem à mente é música, teatro, emoções.

Quando este tripé encontra em cada suporte uma força firme temos aquilo que podemos chamar de perfeição ou, como eu gosto de pensar, ficamos mais próximos da perfeição porque esta não existe simplesmente porque o que para um ser humano pode ser perfeito, para outro o pode não ser.

Foi isto que senti na segunda ópera do ciclo do anel de Londres, a mais famosa de todas: Die Walküre. 

Assisti à melhor recita da obra até ao dia de hoje e por força de um tripé forte.

O leque de cantores foi exímio.

Simon O'Neill subiu pontos na minha consideração, eu que já o tinha em boa estima. Finalmente, ou por ele ou por orientação de encenador, cantou com a emoção e a garra que o herói Siegmund deve possuir e, desculpem bater sempre na mesma tecla, que Plácido Domingo transparecia. Os seus Wälse, além de fortíssimos e seguros, prolongaram-se na duração perfeita para o efeito emotivo desejado. A voz talvez pudesse ter um tom mais baritonal, e que o colocasse mais à vontade no registo mais grave mas são variantes de gosto e que em nada devem diminuir a opinião sobre a sua interpretação da personagem nesta noite. Sendo o “understudy” de Plácido Domingo, acho que demonstrou aqui que, não sendo igual, captou do mestre o que de melhor pode trazer ao herói.



Eva Maria Westbroek esteve espectacular, como sempre.


John Tomlinson esteve sublime como Hunding. Os graves ainda são cavernosos e transmitem o sentimento maléfico da personagem de forma apaixonante, acoplado a uma presença de palco e maneirismos vocais e de postura característicos e singulares de Tomlinson.


Susan Bullock, mais anafada do que quando cantou Brünhilde no Teatro Nacional de São Carlos, mantém as mesmas características vocais. Não devemos cair no excesso de querer sempre comparar todas as Brünhildes a Birgit Nilsson e claro que Bullock não e uma Nilsson mas tem voz suficientemente firme para a personagem. Apesar de tudo, posso concordar com aqueles que acham que Lisa Gasteen foi melhor em 2007…


Sarah Connolly continuou a surpreender com uma Fricka emotiva e quase à beira de um ataque de nervos. E incrível a plasticidade interpretativa da mesma e a voz sublime, encaixando como dedo em luva na personagem.


Bryn Terfel atingiu uma maturidade no papel de Wotan na idade cronológica perfeita, esperando-se que continue por pelo menos mais dez anos a oferecermos a sua presença de palco e a sua sentida vivência de toda a problemática do Deus a qual atinge a sua maior intensidade em “A Valquiria”.



Também aqui, o melhor leque de Valquirias que já ouvi.


Mas se já falei da música, faltam os componentes Teatro e Emoção. Esta reposição atinge a perfeição, ou a quase perfeição, pela excelente direcção de actores e pelos pormenores cénicos respeitando o texto e os leitmotivs. Como exemplos: é visível Sieglinde deitar soporífero na bebida de Hunding sem este ver seguindo-se, da parte deste, um desenrolar de acção até sair de cena para descanso com cambalear e quase um deixar-se dormir em cena; antes, quando chega a casa, a sincronia do espetar o machado que traz na mão em cima da mesa com a música; agarra os cabelos de Sieglinde quando chega e vê Siegmund na sala; aperta a mão a Siegmund quando diz que é bem vindo à sua casa. Fricka quando diz para Wotan lhe olhar nos olhos e dizer que a Valquiria não vai ajudar Siegmund, toca na cara de Wotan que está a olhar para o outro lado e força-o a olhar para ela; o juramento de Wotan “Nimm den Eid” foi brutal, expirado em raiva, ficando depois Wotan a passar a mão direita sobre a esquerda como que querendo afastar de si a maldição do anel (foi nessa mão que o colocou no Ouro do Reno) e ao mesmo tempo a tentar tirar enojado o juramento a Fricka (é com essa mão na dela que o faz). Durante o monólogo, Brünnhilde encontra no meio dos destroços do palco uma cabeleira azul, a mesma que foi colocada na cabeça de uma mulher em Niedelheim no Ouro do Reno (mulher em cima de marquesa ginecológica e onde Alberich, no Ouro do Reno, insinua movimentos fecundadores) isto quando Wotan fala do filho de Alberich. Siegmund só olha para Brünnhilde na passagem do texto quando lhe diz que ela é bonita. Brünnhilde promete a Siegmund proteger Sieglinde e é curioso ver que na luta final do segundo acto ela começa logo a fazê-lo. Isto porque Hunding entra em cena, da de caras com Sieglinde, e afasta-a empurrando-a e vai direito a ela como que para a matar primeiro e depois Siegmund. Brünnhilde desvia o machado de Hunding da direcção de Sieglinde, com a sua lança, enquanto diz a Siegmund para confiar na espada. Tanto e tanto mais em pormenores que enriquecem a naturalidade da obra e que contou com a excelente capacidade cénica destes cantores!!...


Momento alto para a História da Ópera em Covent Garden, testemunhada pelos aplausos efusivos e os bravi sinceros.




Die Walküre - Royal Opera House, London - October 28, 2012


When we think of Opera what that comes to mind is music, drama, emotions.

When this tripod is a firm force in each bracket we have what we call perfection or, as I like to think, we are closer to perfection because it does not exist – what is perfection for one human being could not be perfect for another one.

This is what I felt in the second opera of the London Ring Cycle, the most famous of all: Die Walküre. I attended the best performance of the work until that day and under a strong tripod.

The range of singers was eminent.

Simon O'Neill ascended points in my account, and I already had him in good esteem. Finally, either by him or director’s guidance, he sang with the emotion and strenght that the hero Siegmund must have and I am sorry for saying always the same but it was this Plácido Domingo did. His Wälse, very strong and secure, lasted for the perfect duration for the desired emotional effect. The voice could perhaps have a more baritonal tone, and this might put him more at ease in lower range but this is a matter of personal taste and should in no way diminish the opinion on his interpretation of the character that night. Being the "understudy" of Plácido Domingo, he shown here that he managed to catch the best that he can bring to the hero, without being a copy of the master.



Eva Maria Westbroek was spectacular, as always.


John Tomlinson as Hunding was sublime. His low notes are still cavernous and convey the feeling of an evil character in such a fascinating way, coupled with a stage presence and vocal mannerisms and posture that are unique and characteristic of Tomlinson.



Susan Bullock, with a bit more weigth than when she sang the role at the Teatro Nacional de São Carlos, maintains the same vocal characteristics. We must not fall in excess of always wanting to compare all Brünhildes to Birgit Nilsson and it is clear that Bullock is no Nilsson but her voice is firm enough for the character. I agree with those who think Lisa Gasteen was better in 2007...



Sarah Connolly continued to surprise with an emotive Fricka and almost on the verge of a nervous breakdown. It is amazing the plasticity of her sublime voice, fitting as finger in glove in the character.



Bryn Terfel has reached a maturity in the role of Wotan in perfect chronological age. We hope he continues for at least another ten years to offer his stage presence and his deep experience of the whole issue of the God which reaches its greatest intensity in "The Valkyrie".




Also here, the best range of Valkyries I've ever heard.



But now, having talked about music, we are missing the components Theatre and Emotion. This reinstalment reaches perfection, or near perfection, in the excellent direction of the actors and scenic details respecting the text and leitmotifs. Examples: we can see Sieglinde pouring a soporific in Hunding’s drink without him seeing this, followed by his physical response to the drug. Before this, when he arrives at home, the stabing the ax on the table is syncronous with the orchestra chord; he grabs the hair of Sieglinde when he arrives and sees Siegmund in the room; shakes hands with Siegmund when he says he is welcome to his home. When Fricka tells Wotan to look into her eyes and say that the Valkyrie will not help Siegmund, she touches Wotan’s face a makes him turn his head to her and look to her eyes; the oath of Wotan "Nimm den Eid" was brutal, expired in anger, leaving Wotan passing his right hand over the left as if wanting to get away from the curse of the ring itself (it was on this hand he used the Ring on Das Rheingold) while also trying to take the oath (is this hand he gives to Fricka for the oath). During the monologue, Brünnhilde found in the wreckage of the stage a blue wig, the same as it was placed on the head of a woman in the Niedelheim on Das Rheingold (woman on top of a gynecological marquise and where Alberich insinuates sexual movements in Das Rheingold) when Wotan talks about the son of Alberich. Siegmund only looks to Brünnhilde at the passage of the text when he says she's beautiful. Brünnhilde promises to Siegmund to protect Sieglinde and is curious to see the fight at the end of the second act when she begins to do so. This comes into play when Hunding arrives and deviates Sieglinde from the way in order to reach Siegmund and he walks towards her as if to kill her with the ax. Brünnhilde deviates Hunding’s ax with her spear, while saying Siegmund to trust in the sword. So much and so much more on details that enrich the naturalness of the work and that it was possible due to the excellent ability of these singers!...



A memorial night for the History of Opera in Covent Garden, witnessed by effusive applause and sincere bravo.