(Review in English below)
Werther é uma ópera em quatro actos composta por Jules Massenet (1842-1912) em 1887. O
libreto é de Édouard Blau, Paul Milliet e Georges Hartmann a partir do romance Werther, expoente do
romantismo alemão, de J. W. Goethe.
Também esta ópera é um dos expoentes do
romantismo francês da grand ópera. A música é genial, a acompanhar
inspiradamente um texto de enorme qualidade que tornou poesia a sua versão
epistolar original. Trata de amor, do dever, do confronto entre dois bens ou
quereres, do desespero romântico, da culpa e do suicídio.
A encenação de Graham Vick é uma reposição de 2004. Trata-se de uma encenação que
coloca a acção nos anos 50 anos, mostrando, ao levantar do pano, como que uma
fotografia em que as personagens estáticas e 3 pequenas casas atrás de um
relvado onde as pessoas brincam, namoram, ou fazem avançar lentamente o tempo
da sua vida.
O primeiro acto está bem conseguido e apresenta uma direcção de
actores adequada. O segundo acto, surge num relvado em frente ao cemitério onde
se instala a tenda onde se comemoram as bodas de ouro do pastor. O terceiro
acto traz a acção para o interior da casa de Charlotte e Albert. Charlotte lê
as cartas e surge Werther algo dessperado. Surge aqui uma certa incoerência
entre o texto e a acção, pois Charlotte, ao mesmo tempo que pede piedade e que
não a deixem cair em tentação, entrega-se abertamente nos braços de Werther,
tirando, inclusive, o robe. A outra é na entrega das armas. Albert manda e
Charlotte cenicamente obedece sem pestanejar... Até aqui tudo convencional.
Mas
é no quarto acto que surge a novidade: o encenador faz avançar o tempo e
surge-nos uma casa com parabólica e uma Charlotte grisalha, com ligeira
corcunda, uma bengala e um tremor parkinsónico. Sai de casa em delirium como se
visse o jovem Werther de cujo amor recusara, ostentando a marca de sangue do
tiro que deu no osso frontal sobre o olho esquerdo. Faz-se assim um diálogo
entre um Werther morto que lhe surge em sonho. A novidade é a perspectiva: não
só põe em evidência o impacto das escolhas que invariavelmente tomamos ao longo
da vida e que se tornam pontos sem retorno, como nos confronta com as suas
consequências. Esta encenação deixa também patente a forma como o suicida marca
indelevelmente a vida daqueles que lhe são mais próximos e a forma como essa
marca é transportada como culpa por aqueles que, castigados por uma acção de
responsabilidade individual, a assumem como sua. O próprio Werther reforça esta
forma de suicídio como castigo: podendo suicidar-se em reclusão, opta por, de
forma passivo-agressiva, castigar Charlotte. Escreve a Albert a pedir as armas
e este, não menos sádico, obriga-a a ser ela a entregar as armas fatais ao
mensageiro. Trata-se, pois, de uma interpretação válida e que, gostando-se ou
não, acaba por resultar muito bem e acrescentar uma linha interpretativa às
encenações convencionais que colocam em confronto uma Charlotte desesperada e
um Werther agonizante.
A Orquestra
Sinfónica Portuguesa sob direcção de Cristóbal
Soler apresentou-se com um nível bom, acertada no tempo e oferecendo uma
interpretação que, sem ser brilhante e cristalina, funcionou bem. Também o Coro Juvenil de Lisboa se apresentou em
muito bom nível, inclusive do ponto de vista cénico.
O Werther de Fernando Portari foi, igualmente, de qualidade. O tenor brasileiro
tem uma voz bonita e potência de sobra, tendo oferecido uma interpretação
vibrante e convincente. Pena que o seu francês não seja o melhor e que
apresente umas pequenas falhas na técnica que o impedem de ser mais perfeito. A
opção de, sobretudo no primeiro acto, cantar de mão no bolso é infeliz, mas
pode ser um pormenor da direcção de actores. De qualquer modo, foi uma
prestação de qualidade muito acima da média do que têm sido os tenores a apresentar-se no TNSC.
Charlotte foi, desta vez, Wendy Dawn Thompson. Possui uma voz de timbre escuro muito bonito
que usou com eficácia e segurança, a que aliou uma presença em palco de muita
qualidade. A sua interpretação foi em crescendo até ao 4.º acto onde foi
particularmente convincente vocalmente.
O Albert de Luís Rodrigues foi, igualmente, mais uma interpretação de qualidade
com uma voz bonita e técnica segura. Pena que tenha adoptado uma postura cénica
que, no meu ver, foi a roçar o cómico, o que não achei adequado para o drama em
questão.
O Bailio de Pierre-Yves Pruvot foi muito bom. Tem uma voz muito bonita e uma
projecção sem mácula.
Cristiana Oliveira
foi uma Sophie de muita qualidade: a sua voz é muito agradável, sustentou bem
as notas e foi melodiosa, oferecendo-nos uma interpretação jovial e decidida.
João Merino foi um Johann de muita
qualidade, com muito boa projecção vocal e a beleza de timbre a que já nos
habitou. Já o Schmidt de Mário João
Alves esteve longe da perfeição, mas cumpriu bem cenicamente.
Foi, pois, uma récita de qualidade a provar que
é possível fazer bem no TNSC. Cantores em evidência e uma encenação que
acrescenta valor à obra. Para quem não viu, fica a recomendação de não deixar
de ir ouvir uma das óperas mais marcantes do reportório francês.
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(Review in English)
Werther is an opera in four acts by Jules Massenet (1842-1912) composed in
1887. The libretto is by Édouard Blau,
Paul Milliet and Georges Hartmann from the Goethe’s novel
Werther, an exponent of German romanticism.
This opera is also one of the exponents of French
grand opera. The music is great accompanying a text of great quality that
transforms inspiringly in poetry an original epistolary version. It is about
love, duty, the confrontation between two goods or wants, romantic despair,
guilty and suicide.
You can read a synopsis from a previous
post about Metropolitan’s Werther.
The staging by Graham Vick is a replacement from the one of 2004. It places the
action in the 50s showing a scenario, when the cloth is lifted, that is pretty
much like a photograph where the static characters and three small houses behind
a graveyard are playing, dating, or are slowly expecting their life time to
move forward. The first act is well done and provides a suitable direction of
actors. The second act comes at a lawn in front of the graveyard where settles
the tent where they celebrate the golden anniversary of the pastor. The third
act brings the action into the home of Charlotte and Albert. Charlotte reads
the letters and Werther appears in despair. Here arises a disconnection between
the text and action, as Charlotte while asking for mercy and do not let her
fall into temptation, lay openly in the arms of Werther, even taking the robe.
The other is the surrender of weapons. Albert orders Charlotte and she scenically
obeys without blinking... So far, so conventional. But it is the fourth act
that arises novelty: the director makes time move forward and comes to us with
a home with a satellite dish and a graying Charlotte, with slight hunchback, a
cane and parkinsonian tremor. She leaves home in delirium as if she saw the young
Werther whose love she refused, bearing the marks of blood shot that he gave in
his frontal bone over the left eye. Thus makes a dialogue between a dead
Werther that comes to her in dreams. The novelty is the outlook: not only
highlights the impact of the choices we invariably take in our lifes, but also confronts
us with its consequences. This scenario also makes clear how the suicidal
indelibly mark the lives of those closest to him and the way this brand is
carried as guilt by those who, punished for an act of individual
responsibility, tend to assume it as his own responsibility. The Werther
himself reinforces this form of suicide as punishment: being able to kill
himself in seclusion opts, passive-aggressively, to punish Charlotte. Writes to
Albert asking for weapons and this, no less sadistic, forces her to deliver the
fatal weapons to the messenger. It is, therefore, a valid interpretation and,
liking it or not, results very well and add an interpretive approach to
conventional scenarios posing in a desperate clash Charlotte and Werther
agonizing.
The Portuguese Symphony Orchestra under the
direction of Cristóbal Soler
presented a good level, right on time and offering an interpretation, without
being bright and clear, that worked well. Also the Youth Choir of Lisbon presented in very good level, including the
scenic viewpoint.
The Werther of Fernando Portari was also of good quality. The Brazilian tenor has
a beautiful voice and power to spare, having offered a vibrant and compelling
interpretation. Pity that his French is not the best and to make some small
flaws in technique that prevents him from being more perfect. The option,
especially in the first act, of sing with a hand in pocket is unfortunate, but
it could be a detail of the direction of actors. Anyway, his interpretation was
of a quality far above the average of what have been the one of the tenors
appearing recently in TNSC.
Charlotte was, this time, Wendy Dawn Thompson. Her voice has a beautiful
dark timbre she used effectively and safely, to what she allied a presence on
the scene of excellent quality. Her interpretation was growing up till the 4th
act which was particularly convincing vocally.
The Albert of Luís Rodrigues was also another interpretation of quality with his
beautiful voice and safe technique. Nevertheless, he has taken a scenic posture
that, in my view, was to skim the comic, which I do not found suitable for the
drama in question.
The Baili of Pierre-Yves Pruvot was very good. He has a very beautiful voice and
a projection unblemished. Cristiana
Oliveira was a Sophie of great quality: her voice has a beautiful timbre
and she managed very well the technically difficult and melodious notes of her
role, giving us a youthful and convincing interpretation. João Merino was a Johann of quality, with very good vocal
projection and the beauty of timbre that he accustomed us. Mário João Alves was a Schimdt far from perfect, but served well
theatrically.
It was therefore a quality performance to
prove that it is possible to do it well at TNSC. The singers were in evidence
and the staging adds value to Massenet’s masterpiece. For those who have not
seen Werther yet, I do recommend to go listen to one of the most memorable
operas of the French repertoire.