quarta-feira, 26 de novembro de 2014

RIGOLETTO, Coliseu do Porto, Novembro de 2014





 Mais uma contribuição de José António Miranda que muito enriquece o blogue e que, mais uma vez, agradecemos ao autor o magnífico contributo.

Rigoletto de Guiseppe Verdi é uma opera em três actos com libreto de  Francesco Maria Piave, segundo Le roi s’amuse de Victor Hugo

Direcção musical: José Ferreira Lobo
Encenação: Giulio Ciabatti
Cenografia: Platon Bardhi
Roupas: Carla Soveral e Berta Cardoso
Luzes: Platon Bardhi
Coreografia: Cátia Esteves
O Duque de Mântua: Sang-Jun Lee
Rigoletto: Luís Rodrigues
Gilda: Cristiana Oliveira
Sparafucile: Rui Silva
Maddalena: Cátia Moreso
O Conde Monterone: Pedro Telles
Marullo: Diogo Oliveira
Borsa: Samuel Vieira
O Conde de Ceprano: João Oliveira
A Condessa de Ceprano: Sara Cruz
Giovanna: Leila Moreso
Guarda: Tomé Santos
Pagem: Ana Isabel Santos
Orquestra do Norte
Coro da Orquestra do Norte
Produção: AACP

Uma oportunidade de ver em papeis principais alguns dos cantores nacionais que em Lisboa surgem frequentemente em papeis secundários, e julgar.

E ao mesmo tempo uma oportunidade de ver como se concretiza hoje o esforço dos que, no Porto, têm persistido teimosamente em manter viva a chama da ópera.


Quanto ao segundo ponto, no conjunto o espectáculo ultrapassou aquilo que seria de esperar num teatro de província sem tradição de apresentar ópera. Mas a ultrapassagem foi pela tangente, e a diferença principal estará sobretudo na questão da tradição, que embora seja reduzida no Porto, existe.

A minha escassíssima experiência na Coruña mostra uma realidade infinitamente mais reconfortante, e surpreendeu-me por isso ver que no público do Coliseu havia um notável número de galegos.

A encenação de Giulio Ciabatti teve duas características principais. Em primeiro lugar trata-se de uma proposta de um total convencionalismo, sem qualquer intuito de nos fazer minimamente entrar no drama, para além da escolha da actualidade (?)  como contexto cénico. Mesmo assim alguns pormenores, como os jornais en inglês (News) manuseados pelos elementos do coro nas cenas de corte, ou o chapéu tricórnio dourado envergado por vezes pelo bobo parecem gratuitos ou no mínimo fora de contexto, dada a opção realista escolhida. E depois, a completa ausência de um trabalho dramatúrgico é óbvia. Os cantores, os figurantes, as bailarinas, todos deambulam pelo vasto palco claramente seguindo as marcações atribuídas, e visivelmente preocupados com isso… e nada mais.

O resultado é um espectáculo de grande monotonia dramática. Os personagens são claras ficções teatrais, plácidas mesmo quando, como por vezes acontece com a Gilda de Cristiana Oliveira, ultrapassam a fase de figuras inertes cantando. Cenografia e luzes acompanham na indigência a encenação.


Quanto aos cantores, a melhor prestação coube a Pedro Telles (Monterone), que aparentemente poderia com vantagem ter sido o Rigoletto da noite.

Luís Rodrigues, talvez por excesso de nervosismo, mostrou muita dificuldade na respiração e cantou quase sempre em esforço, com terríveis consequências ao nível da extensão, dimensão (muitas vezes inaudível), fraseado, e mesmo por vezes timbre vocal.

Cristiana Oliveira fez uma Gilda quase perfeita, sendo deste vez evidente a melhoria no registo agudo, em que raramente foi estridente.

O Duque (Sang-Jun Lee) foi como um toro de madeira a cantar, apesar do timbre bonito. Raramente assisti a uma La donna e mobile sem palmas, e aqui isso aconteceu.

Nos restantes papéis apreciei o desempenho vocal de Cátia Moreso.

A direcção de José Ferreira Lobo foi muito deficiente, com frequentes desacertos com os cantores, completa inoperância com o coro, e grande dificuldade em controlar o entusiasmo da orquestra.

Esta orquestra, aparentemente sem treino de ópera, parece muito incipiente enquanto formação de conjunto. O mesmo problema afecta aparentemente o coro. Gostaria de os ver noutro contexto para poder julgar melhor.
José António Miranda

domingo, 23 de novembro de 2014

GASTON RIVERO na Fundação Gulbenkian, 21.11.2014


Gaston Rivero, tenor uruguaio, esteve num recital com a Orquestra Gulbenkian na Sexta-feira. Apresentou-se em substituição de tenor de maior renome internacional Joseph Calleja que cancelou o espectáculo por motivos de saúde.

O reportório apresentado foi fundamentalmente o das óperas italiana e francesa dos séculos XIX e XX, intercalados por peças sinfónicas extraídas de óperas.

A Orquestra Gulbenkian apresentou-se sob a direcção viva do enérgico e simpático maestro Frédéric Chaslin. Apresentaram peças de Tchaikovsky (Polonaise de Eugene Onegin), Gounod (Música de Bailado de Faust), Offenbach (Prelúdio do 2.º acto de Les contes d’Hoffmann), Verdi (Abertura de I vespri siciliani) e Puccini (Intermezzo do 3.º acto de Manon Lescaut). As interpretações foram de muita qualidade e bem integradas no programa de árias apresentado.



Destaque para a prestação sublime da clarinetista Esther Georgie no E lucevan le stelle. Magnífica!


Gaston Rivero é um tenor com uma voz de timbre agradável e uma boa capacidade de projecção vocal com uma coluna de som que (penso) se terá feito ouvir em toda a sala (a sala da FCG é, na minha opinião, um pouco ingrata para o canto lírico). Tem um registo médio muito seguro e uma boa capacidade interpretativa, o que ficou bem patente nas árias que cantou com brilhantismo. Foi apanhado de surpresa e, querendo manter o reportório de Calleja, teve de recorrer à pauta na ária de Les contes d’Hoffmann Il étai une fois à la cour d’Eisenach! Ainda assim cantou-a bem, embora tivesse ficado patente o seu mau sotaque francês. Cantou, também, La fleur que tu m’avais jetée de Bizet e Ah, lève-toi soleil de Gounod. O seu registo é mais o da ópera italiana e aqui ofereceu muito boas interpretações de Verdi (Celeste Aida, Questa o quella e Ah, la paterna mano), Tosti (Ideale), Cilea (È la solita storia del pastore) (naquela que foi, para mim, a sua melhor interpretação) e Puccini (E lucevan le stelle).


Ainda nos brindou com os encores da zarzuela No puede ser, a canção napolitana O sole mio e a emblemática ária de Puccini Nessum dorma que bisou (cheio de folego e com a colaboração do público no coro intermédio).

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Fanáticos da Ópera / Opera Fanatics – 5º Aniversário / 5th Anniversary



(text in english below)

O Fanáticos da Ópera completa hoje 5 anos de existência! Tem actualmente 174 seguidores, recebe cerca de 300 visitas diárias e mais de 2500 comentários publicados.


 No último ano o espaço foi enriquecido com magníficos textos de novos autores, incluindo Lucas Andrade, De Moura MC, João Baptista, Francisco Casegas e José António Miranda. Devo salientar a continuação da participação regular de Ali Hassan Ayache que nos tem mostrado como o Brasil se está a afirmar no panorama operático. A todos o nosso Muito Obrigado pelos contributos e por ajudarem a manter viva a chama do blogue.

Para nós, portugueses, não está fácil assistir a espectáculos de ópera em número e qualidade que desejaríamos. Isso tem-se reflectido no blogue, não só pelo mais escasso número de textos publicados, como pela menor (ou ausência de) participação de alguns dos colaboradores.



Salva-nos a Fundação Calouste Gulbenkian que, substituindo o Ministério da Cultura (que já nem ministério é!), continua a proporcionar-nos muitos e excelentes espectáculos, embora poucas óperas ao vivo e estas, só em versão concerto. Mas é também lá que podemos assistir às transmissões MetLive.



Embora já tenhamos vivido tempos mais estimulantes, enquanto houver ânimo, continuaremos a manter este espaço, apesar das circunstâncias adversas. Pelo menos para alguns de nós, é um local de relato de prazeres que, quando partilhados, comentados e criticados, são muito mais recompensadores do que quando fruídos solitariamente.


Fanatics of the Opera / Opera Fanatics - 5th Anniversary

The Fanaticos da Ópera / Opera Fanatics today complete five years of existence! Currently it has 174 followers, gets about 300 hits a day and has more than 2,500 comments posted.

In the last year the blog was enriched with magnificent texts of new authors, including Lucas Andrade, De Moura MC, João Baptista, Francisco Casegas and José Antonio Miranda. I must stress the continuation of the regular participation of Ali Hassan Ayache who has shown us how Brazil is taking affirm the operatic scene. To all our Thank You for the input and for helping to keep alive the flame of the blog.

For us Portuguese, is not easy to watch opera performances in number and quality we would wish. This has been reflected in the blog, not only by the scarce number of published texts, but also by the lower (or lack of) participation of some of the collaborators.

What save us in Portugal is Calouste Gulbenkian Foundation, replacing the Ministry of Culture (that is not a Ministry now!), It continues to provide us many excellent performances, though few operas live, and these only in concert version. But it is also there where we can see MetLive transmissions.


Although we have already lived most enthusiastic times, we will try to continue to keep this space live, despite the adverse circumstances. At least for some of us, it is a place where we report performances that were pleasant to us that when shared, commented and criticized, are much more rewarding than when enjoyed solitarily.

sábado, 15 de novembro de 2014

SAIMIR PIRGU, encontro em Zurique / meeting in Zürich


 (text in english below)

Na minha mais recente deslocação a Zurique, onde assisti a três óperas extraordinárias num fim de semana frio de Fevereiro e 2014 fui, mais uma vez, contemplado pela sorte. Encontrei, inesperadamente, um dos melhores tenores da actualidade, o jovem albanês Saimir Pirgu, que cantou de forma magistral o Duque no Rigoletto.


O custo de vida na Suiça é quase proibitivo e os hotéis não são excepção. Escolhi um dos “menos caros” perto do teatro de ópera. No dia seguinte ao Rigoletto, no pequeno almoço no hotel, senta-se ao meu lado um jovem que me é familiar. Poucos instantes passados pergunto à minha companheira se o conhece, dizendo-lhe que me parece ser o Duque de Mântua da ópera Rigoletto. Ela concorda, mas ambos achámos que o hotel onde estávamos não seria o escolhido por um cantor daquele calibre. Mas estávamos enganados!

Corri ao quarto para buscar o programa de sala e a máquina fotográfica. Enchi-me de coragem e perguntei-lhe se era o Saimir Pirgu. Abriu um sorriso e confirmou. Disse-lhe que éramos portugueses e que muito o tínhamos apreciado na récita da véspera.


 Recordou-nos que já tinha estado em Lisboa duas vezes, a cantar o Ferrando do Cosi fan tutte em 2006 e o Duque do Rigoletto em 2007. Assisti às duas óperas e recordo como fiquei muito bem impressionado com a sua prestação. (Veio pela mão de Paolo Pinamonti, a última pessoa com responsabilidade no nosso único teatro de ópera que nos proporcionou a possibilidade de desfrutar decentemente desta forma superior de arte nos últimos anos).
Quando ou se voltará a Lisboa, não sabe…



 Saimir Pirgu revelou uma simplicidade e simpatia enormes e dispôs-se de imediato a ser fotografado connosco. Até pediu à funcionária do hotel para nos tirar a fotografia mas, infelizmente, a senhora fê-lo da forma mais desastrada que se possa imaginar porque conseguiu, com uma máquina totalmente automática, que a imagem ficasse completamente desfocada. Valeu-nos outra fotografia tirada por mim à minha companheira com o Pirgu, essa sim, que ficará parta a posteridade (aqui mostrada a metade que interessa), recordando um fim de semana operático inesquecível, com este bónus inesperado.


 Obrigado Saimir Pingu!


Saimir Pirgu, meeting in Zurich

On my most recent trip to Zurich, where I attended three extraordinary operas in a cold weekend in February I was, once again, contemplated by luck. I met, unexpectedly, one of the best tenors of present times , the young Albanian Saimir Pirgu, who sang superbly the Duke in Rigoletto.

The cost of living in Switzerland is almost prohibitive and hotels are no exception. I chose one of the "least expensive" near the Opera House. The day after the performance of Rigoletto, during breakfast at the hotel, sitting next to me was a young man who looked familiar. I told my wife that he seemed to be the Duke of Mantua from Rigoletto. She agreed but we both thought that this kind of hotel would not be chosen by an artist of that caliber. But we were wrong!

I ran to the bedroom to fetch the opera program and the camera. Filled with courage I asked him if he was Saimir Pirgu. He smiled and confirmed. I told him that we were Portuguese, and that we were very impressed by his performance of the day before. .

He rminded us that he had been in Lisbon twice to sing Ferrando in Cosi fan tutte in 2006 and the Duke of Rigoletto in 2007. I attended the two operas and remember how well impressed I was at the time.

.When or if  he will return to Lisbon, he does not know…

Saimir Pirgu revealed a huge sympathy and simplicity and agreed to be photographed with us immediately. He even asked the employee of the hotel to take a picture of us but, unfortunately, the lady did it in the most awkward way because she could, with a fully automatic camera, take a totally blurred picture. At least the picture I took of my wife with Pirgu was ok and will be the testimony for posterity (I shown here the half that matters), recalling an unforgettable operatic weekend, with this unexpected bonus .

Thank you Saimir Pingu!

domingo, 9 de novembro de 2014

REQUIEM de Mozart e algo mais, Fundação Gulbenkian, Novembro de 2014


Mais uma excelente contribuição de João Baptista, que muito enriquece este blogue e que, em nome dos Fanáticos da Ópera, muito agradecemos.


O concerto do passado dia 6 de Novembro inseriu-se nas comemorações dos 50 anos do Coro Gulbenkian.
Por essa razão, o programa foi concebido para mostrar a qualidade e polivalência dessa formação, quer através da escolha de obras de índole bastante diversa, quer através da entrega da direcção aos seus três actuais maestros: Paulo Lourenço (maestro assistente), Jorge Matta (maestro adjunto) e Michel Corboz (maestro titular).
O concerto abriu com uma obra encomendada pela FCG ao compositor português Eurico Carrapatoso, com o título “Pequeno poemário de Pessanha”. Trata-se de uma obra dedicada ao Coro Gulbenkian, para coro a cappella (embora com a intervenção de um pequeno tambor), composta sobre quatro poemas de Camilo Pessanha: “Inscrição”, San Gabriel”, “Castelo de Óbidos” e “Água Morrente”.
Avançar com uma opinião minimamente fundada sobre uma obra que apenas se ouviu uma única vez constitui acto algo temerário. Nessa medida, direi apenas se trata de uma obra com sonoridades bastante agradáveis, com linhas vocais claras e simples, sem polifonias complexas, não melismática, permitindo ao coro, em formação reduzida, mostrar a pureza e precisão dos seus quatro naipes vocais.
A obras mereceu aplauso entusiasta do público, quer ao Coro e maestro Paulo Lourenço, quer ao compositor, que agradeceu em palco.
Após, já sob a direcção de Jorge Matta, foram ouvidas duas obras de Handel, de carácter mais jubilatório: o hino “The King shall Rejoice”, composto para a coroação de Jorge II, em 1727, e o famoso “Hallelujah”, da oratória “Messiah”.
Acompanhado por uma orquestra mais reduzida, o Coro Gulbenkian, em formação de cerca de 80 coralistas, interpretou com brilho esta peça de grande efeito. Para o “Hallelujah”, juntou-se ao Coro um conjunto de antigos coralistas, para um apoteótico encerramento da primeira parte do concerto, perante um público que, correspondendo à tradição iniciada pelo próprio monarca inglês, ouviu de pé. Só foi pena que os aplausos tenham terminado rapidamente, obstando a um merecido e esperado “bis”.

Na segunda parte do concerto Michel Corboz surgiu em palco para dirigir o Requiem de Mozart.
Trata-se, como já se escreveu neste blog, de uma das mais geniais peças de Mozart, dotada de um poder dramático único e que constituiu o seu canto do cisne.
Foi tocada a versão completada por Süssmayr, que corresponde àquela que mais comummente é interpretada, quer em concerto, quer em disco.
Sendo este Requiem uma das peças que mais admiro, tinha uma expectativa particularmente alta para esta récita, designadamente por se tratar de um concerto comemorativo dos 50 anos do Coro Gulbenkian.
Porém, essas expectativas nem sempre se concretizaram, embora o nível da actuação tenha sido bastante alto.
Há muito tempo que não ouvia Michel Corboz, pelo que antecipava uma interpretação inscrita na tradição mais romântica de um Karl Böhm, de um Karajan ou de um Kempe. Daí que tenha logo estranhado a pequena dimensão da orquestra, especialmente nos naipes graves de cordas, com (se contei bem), contrabaixos a 3 e violoncelos a 4. Isto especialmente se tivermos em consideração que o coro integrava cerca de 80 coralistas.
Os tempos escolhidos por Corboz foram, no geral, rápidos, excepto nas passagens corais mais difíceis, como o “Kyrie” (retomado no “Cum sanctis tuis”), em que os tempos foram mais convencionais. Privilegiou, em termos orquestrais, uma articulação bastante marcada, ataques incisivos, o uso de baquetas rígidas para os timbales, tudo na linha das mais recentes «interpretações historicamente informadas».
De entre os solistas, destacaria o baixo Markus Fink, com uma voz profunda e escura, muitíssimo adequada ao relevante papel que desempenha, especialmente no “Tuba Mirum” (com intervenção perfeita do trombone). Destacaria igualmente a meio-soprano Clémentine Margaine, que esteve igualmente muito bem estilisticamente e vocalmente. A sua entrada no “Recordare” foi magnífica, com a voz etérea surgindo como que a pairar sobre a orquestra. Um momento sublime. O tenor Christophe Einhorn cumpriu com sobriedade e a soprano Rachel Harnisch esteve, na minha opinião, um pouco apagada.
A leitura de Corboz pareceu-me, no geral, mais serena do que dramática. As massas sonoras foram sempre mais transparentes e, ao nível dinâmico, os contrastes foram contidos. Em particular, o “Lacrimosa” pareceu-me algo asséptico. O planger dos violinos foi pouco convincente e faltou ao Amen final a carga dramática que penso ser pedida pela música. No “Confutatis” acho que faltou uma maior pureza no voca me cum benedictus, supostamente cantado pelos anjos e o “Rex tremendae” não teve o impacto que esperava.

Em todo o caso, penso que foi uma leitura bastante gratificante, que permitiu ao Coro Gulbenkian demonstrar que está em boa forma e que continua a ser a grande referência coral portuguesa.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

WERTHER de Jules Massenet — Teatro Nacional de São Carlos, 1.11.2014

(Review in English below)

Werther é uma ópera em quatro actos composta por Jules Massenet (1842-1912) em 1887. O libreto é de Édouard Blau, Paul Milliet e Georges Hartmann a partir do romance Werther, expoente do romantismo alemão, de J. W. Goethe.


Também esta ópera é um dos expoentes do romantismo francês da grand ópera. A música é genial, a acompanhar inspiradamente um texto de enorme qualidade que tornou poesia a sua versão epistolar original. Trata de amor, do dever, do confronto entre dois bens ou quereres, do desespero romântico, da culpa e do suicídio.


Poderão ler uma sinopse a partir de uma entrada anterior do Werther do Metropolitan.

A encenação de Graham Vick é uma reposição de 2004. Trata-se de uma encenação que coloca a acção nos anos 50 anos, mostrando, ao levantar do pano, como que uma fotografia em que as personagens estáticas e 3 pequenas casas atrás de um relvado onde as pessoas brincam, namoram, ou fazem avançar lentamente o tempo da sua vida.


O primeiro acto está bem conseguido e apresenta uma direcção de actores adequada. O segundo acto, surge num relvado em frente ao cemitério onde se instala a tenda onde se comemoram as bodas de ouro do pastor. O terceiro acto traz a acção para o interior da casa de Charlotte e Albert. Charlotte lê as cartas e surge Werther algo dessperado. Surge aqui uma certa incoerência entre o texto e a acção, pois Charlotte, ao mesmo tempo que pede piedade e que não a deixem cair em tentação, entrega-se abertamente nos braços de Werther, tirando, inclusive, o robe. A outra é na entrega das armas. Albert manda e Charlotte cenicamente obedece sem pestanejar... Até aqui tudo convencional.


Mas é no quarto acto que surge a novidade: o encenador faz avançar o tempo e surge-nos uma casa com parabólica e uma Charlotte grisalha, com ligeira corcunda, uma bengala e um tremor parkinsónico. Sai de casa em delirium como se visse o jovem Werther de cujo amor recusara, ostentando a marca de sangue do tiro que deu no osso frontal sobre o olho esquerdo. Faz-se assim um diálogo entre um Werther morto que lhe surge em sonho. A novidade é a perspectiva: não só põe em evidência o impacto das escolhas que invariavelmente tomamos ao longo da vida e que se tornam pontos sem retorno, como nos confronta com as suas consequências. Esta encenação deixa também patente a forma como o suicida marca indelevelmente a vida daqueles que lhe são mais próximos e a forma como essa marca é transportada como culpa por aqueles que, castigados por uma acção de responsabilidade individual, a assumem como sua. O próprio Werther reforça esta forma de suicídio como castigo: podendo suicidar-se em reclusão, opta por, de forma passivo-agressiva, castigar Charlotte. Escreve a Albert a pedir as armas e este, não menos sádico, obriga-a a ser ela a entregar as armas fatais ao mensageiro. Trata-se, pois, de uma interpretação válida e que, gostando-se ou não, acaba por resultar muito bem e acrescentar uma linha interpretativa às encenações convencionais que colocam em confronto uma Charlotte desesperada e um Werther agonizante.


A Orquestra Sinfónica Portuguesa sob direcção de Cristóbal Soler apresentou-se com um nível bom, acertada no tempo e oferecendo uma interpretação que, sem ser brilhante e cristalina, funcionou bem. Também o Coro Juvenil de Lisboa se apresentou em muito bom nível, inclusive do ponto de vista cénico.

O Werther de Fernando Portari foi, igualmente, de qualidade. O tenor brasileiro tem uma voz bonita e potência de sobra, tendo oferecido uma interpretação vibrante e convincente. Pena que o seu francês não seja o melhor e que apresente umas pequenas falhas na técnica que o impedem de ser mais perfeito. A opção de, sobretudo no primeiro acto, cantar de mão no bolso é infeliz, mas pode ser um pormenor da direcção de actores. De qualquer modo, foi uma prestação de qualidade muito acima da média do que têm  sido os tenores a apresentar-se no TNSC.

Charlotte foi, desta vez, Wendy Dawn Thompson. Possui uma voz de timbre escuro muito bonito que usou com eficácia e segurança, a que aliou uma presença em palco de muita qualidade. A sua interpretação foi em crescendo até ao 4.º acto onde foi particularmente convincente vocalmente.


O Albert de Luís Rodrigues foi, igualmente, mais uma interpretação de qualidade com uma voz bonita e técnica segura. Pena que tenha adoptado uma postura cénica que, no meu ver, foi a roçar o cómico, o que não achei adequado para o drama em questão.

O Bailio de Pierre-Yves Pruvot foi muito bom. Tem uma voz muito bonita e uma projecção sem mácula.
Cristiana Oliveira foi uma Sophie de muita qualidade: a sua voz é muito agradável, sustentou bem as notas e foi melodiosa, oferecendo-nos uma interpretação jovial e decidida.

João Merino foi um Johann de muita qualidade, com muito boa projecção vocal e a beleza de timbre a que já nos habitou. Já o Schmidt de Mário João Alves esteve longe da perfeição, mas cumpriu bem cenicamente.


Foi, pois, uma récita de qualidade a provar que é possível fazer bem no TNSC. Cantores em evidência e uma encenação que acrescenta valor à obra. Para quem não viu, fica a recomendação de não deixar de ir ouvir uma das óperas mais marcantes do reportório francês.

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(Review in English)

Werther is an opera in four acts by Jules Massenet (1842-1912) composed in 1887. The libretto is by Édouard Blau, Paul Milliet and Georges Hartmann from the Goethe’s novel Werther, an exponent of German romanticism.

This opera is also one of the exponents of French grand opera. The music is great accompanying a text of great quality that transforms inspiringly in poetry an original epistolary version. It is about love, duty, the confrontation between two goods or wants, romantic despair, guilty and suicide.

You can read a synopsis from a previous post about Metropolitan’s Werther.

The staging by Graham Vick is a replacement from the one of 2004. It places the action in the 50s showing a scenario, when the cloth is lifted, that is pretty much like a photograph where the static characters and three small houses behind a graveyard are playing, dating, or are slowly expecting their life time to move forward. The first act is well done and provides a suitable direction of actors. The second act comes at a lawn in front of the graveyard where settles the tent where they celebrate the golden anniversary of the pastor. The third act brings the action into the home of Charlotte and Albert. Charlotte reads the letters and Werther appears in despair. Here arises a disconnection between the text and action, as Charlotte while asking for mercy and do not let her fall into temptation, lay openly in the arms of Werther, even taking the robe. The other is the surrender of weapons. Albert orders Charlotte and she scenically obeys without blinking... So far, so conventional. But it is the fourth act that arises novelty: the director makes time move forward and comes to us with a home with a satellite dish and a graying Charlotte, with slight hunchback, a cane and parkinsonian tremor. She leaves home in delirium as if she saw the young Werther whose love she refused, bearing the marks of blood shot that he gave in his frontal bone over the left eye. Thus makes a dialogue between a dead Werther that comes to her in dreams. The novelty is the outlook: not only highlights the impact of the choices we invariably take in our lifes, but also confronts us with its consequences. This scenario also makes clear how the suicidal indelibly mark the lives of those closest to him and the way this brand is carried as guilt by those who, punished for an act of individual responsibility, tend to assume it as his own responsibility. The Werther himself reinforces this form of suicide as punishment: being able to kill himself in seclusion opts, passive-aggressively, to punish Charlotte. Writes to Albert asking for weapons and this, no less sadistic, forces her to deliver the fatal weapons to the messenger. It is, therefore, a valid interpretation and, liking it or not, results very well and add an interpretive approach to conventional scenarios posing in a desperate clash Charlotte and Werther agonizing.

The Portuguese Symphony Orchestra under the direction of Cristóbal Soler presented a good level, right on time and offering an interpretation, without being bright and clear, that worked well. Also the Youth Choir of Lisbon presented in very good level, including the scenic viewpoint.

The Werther of Fernando Portari was also of good quality. The Brazilian tenor has a beautiful voice and power to spare, having offered a vibrant and compelling interpretation. Pity that his French is not the best and to make some small flaws in technique that prevents him from being more perfect. The option, especially in the first act, of sing with a hand in pocket is unfortunate, but it could be a detail of the direction of actors. Anyway, his interpretation was of a quality far above the average of what have been the one of the tenors appearing recently in TNSC.

Charlotte was, this time, Wendy Dawn Thompson. Her voice has a beautiful dark timbre she used effectively and safely, to what she allied a presence on the scene of excellent quality. Her interpretation was growing up till the 4th act which was particularly convincing vocally.

The Albert of Luís Rodrigues was also another interpretation of quality with his beautiful voice and safe technique. Nevertheless, he has taken a scenic posture that, in my view, was to skim the comic, which I do not found suitable for the drama in question.

The Baili of Pierre-Yves Pruvot was very good. He has a very beautiful voice and a projection unblemished. Cristiana Oliveira was a Sophie of great quality: her voice has a beautiful timbre and she managed very well the technically difficult and melodious notes of her role, giving us a youthful and convincing interpretation. João Merino was a Johann of quality, with very good vocal projection and the beauty of timbre that he accustomed us. Mário João Alves was a Schimdt far from perfect, but served well theatrically.


It was therefore a quality performance to prove that it is possible to do it well at TNSC. The singers were in evidence and the staging adds value to Massenet’s masterpiece. For those who have not seen Werther yet, I do recommend to go listen to one of the most memorable operas of the French repertoire.