De Vicenzo Bellini, um dos meus compositores favoritos (confesso-me um grande apreciador do belcanto), La sonnambula é a sua ópera que já tive oportunidade de ver mais vezes, muitas delas fruto do acaso, mas quase sempre com excelentes intérpretes. E, novamente, foi isso que aconteceu em Viena.
As minhas expectativas estavam no nível mais elevado, pois teria a oportunidade de ver juntos dois dos meus cantores favoritos, Natalie Dessay e Juan Diego Flórez. E, seguramente, não era o único pois qualquer destes artistas mas, sobretudo, Florez, faz esgotar todas as récitas em que actua, tal a expectativa que cria, sem nunca, até à data e que seja do meu conhecimento, defraudar.
A encenação de Marco Arturo Marelli é moderna, não particularmente excitante, mas decente e passada, toda ela, num cenário de festa de casamento (num hotel de montanha). Enfim, afinal esse é o enredo principal…
O maestro foi, novamente, Marco Armiliato que voltou a não estar bem, criando algumas dificuldades aos cantores, mas menores que no Rigoletto que vira na véspera. Dito isto, passo não tanto a uma crítica, mas mais a um exercício laudatório.
Natalie Dessay foi, como sempre, uma artista estupenda. No difícil papel de Amina, esteve cenicamente irrepreensível e vocalmente ao nível que esperava. A figura, pequena, magra e frágil, é inversamente proporcional à voz, pujante e segura. Não sendo já uma menina, faz um papel convincente, enche facilmente uma sala grande como esta, canta e representa com enorme credibilidade e emoção, e comove qualquer apreciador do estilo. Confesso que, por vezes, me pareceu ter ligeiras dificuldades vocais mas, se assim foi, foram superadas com maestria técnica e, no compto final, deu-nos uma interpretação magnífica da personagem.
Elvino foi interpretado por Juan Diego Flórez, um dos artistas que persigo sempre que posso e que nunca me desiludiu, como referi. Mais uma vez foi sublime! Já vai sendo um lugar comum, mas acho que esta foi a sua melhor interpretação que presenciei. A técnica vocal é prodigiosa, o talento extraordinário, a musicalidade única, o timbre belíssimo, os agudos fáceis e luminosos, o fraseado perfeito e o trinar na estratosfera surge com uma naturalidade que o faz parecer trivial. É, em minha opinião, a perfeição no belcanto, para a qual não há rival na actualidade, que provoca uma emoção e entusiasmo no público como raramente se vê. Conto-me entre os admiradores incondicionais de Juan Diego Flórez e a minha admiração não sofre qualquer beliscadura pelo facto de o artista não ter uma voz enorme (mas tem uma técnica perfeita) nem ser, do ponto de vista teatral, um óptimo actor, apesar de manter uma figura excelente para os papeis que representa.
Se as duas personagens principais foram excepcionais, o mesmo direi dos restantes artistas. Michele Pertusi foi um conde Rodolfo seguro, convincente e de voz potente e muito agradável. A jovem Theodora Gheorghiu foi uma Lisa brilhante, cénica e vocalmente, mostrando uma frescura e suavidade na voz que penso que lhe trarão grandes interpretações no futuro. Também Janina Baechle como Teresa e Tae Joong Yang como Alessio estiveram em grande forma.
Tive o privilégio de assistir a um superior espectáculo de ópera, um daqueles que nos fazem sentir que vivemos uns momentos mágicos onde, para além dos cantores principais terem estado ao seu melhor nível, todos os restantes foram óptimos e poderiam ter sido solistas em qualquer espectáculo de ópera. Um espanto!
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O PÚBLICO EM VIENA
Viena é seguramente um dos melhores teatros do mundo para ver ópera. É uma sala grande, não particularmente bonita no auditório principal, mas magnífica em todos os outros recantos.
O público, maioritariamente austríaco mas com muitos estrangeiros, sobretudo japoneses, veste-se a rigor, o que não deixa de ser interessante e nos recorda que, mesmo na Austria, assistir a um espectáculo de ópera não é uma trivialidade do dia a dia. As tosses são escassas e não ouvi quaisquer ruidos perturbadores à minha volta. Contudo, disse-me um amigo que lá encontrei numa das récitas que, uma mulher russa sentada atrás de si, atendeu e falou ao telemóvel mais de uma vez!! (Só pode ser a excepção que confirma a regra!).
Aqui ouve-se verdadeiramente tudo o que os compositores escreveram. Muito conhecedor das obras em cena, não há aplausos intempestivos em nenhum momento, podendo apreciar-se a música até ao fim. É um dos raros teatros de ópera de primeira grandeza onde tal acontece. Uma maravilha! Quando é altura de aplaudir, se os intérpretes são bons (o habitual neste teatro), não se poupam a demonstrar satisfação que, quando os cantores são excepcionais, para além dos aplausos, dos bravos, dos assobios, das flores e de outras manifestações de júbilo, também surgem pateadas que, entre nós, teriam significado oposto.
Neste teatro, aliás como em tudo na Austria, os horários cumprem-se ao minuto. Apenas para se ter uma ideia do que pode acontecer, na récita da Sonambula que vi, e que deveria terminar às 22h00, a prestação da Natalie Dessay e, sobretudo, do Juan Diego Flórez foi de tal qualidade que, com os aplausos que lhes foram presenteados, o espectáculo terminou próximo das 22h45m!
O que verdadeiramente me surpreendeu e pensava ser impossível é o mercado negro da venda de bilhetes. É à descarada, à porta do teatro, ou mesmo dentro dele quando chove, pedindo-se quantias exorbitantes (e há sempre quem pague, pois as récitas estão esgotadas há muito). Não compreendo como isto é permitido num local destes, mas foi assim nas 4 récitas que vi.