sábado, 31 de maio de 2014

SINFONIA N.º 9 DE BEETHOVEN na Fundação Gulbenkian, 30.05.2014

(Review in English below)

A Fundação Calouste Gulbenkian apresentou ontem uma das mais mais emblemáticas obras da música — Sinfonia n. º 9, op. 125, “Coral”, de Ludwig van Beethoven —, um verdadeiro património imaterial da humanidade, não apenas pela qualidade artística inegável de uma genialidade e inovação ímpares, como pela mensagem que o poema An die Freude (“À Alegria”) de Friedrich Schiller transmite e que deveria ser um mote para esta nossa Europa em cisão económico-política. De referir, que esta sinfonia assinala este ano os 190 anos da sua estreia.

(foto internet)

Sublinhar, uma vez mais, que Beethoven e a sua Sinfonia n.º 9 são geniais é desnecessário e revelar-se-ia um exercício tautológico desgastante para o leitor. Por isso, passemos à análise do concerto.

(fotos da FCG)

A primeira parte foi constituída por uma obra de Daan Janssens com o nome (...revenir dans l’oubli...), encomenda da FCG em estreia mundial. Não é particularmente interessante, explora uma sonoridade no vazio, éterea, com alguma estridência e angústia misturada.


A Sinfonia de Beethoven foi dirigida pelo maestro titular da FCG — o britânico e fleumático Paul McCreesh. Confesso, novamente, que, no meu entender limitado, é um maestro que transmite muito pouca energia e que parece pouco envolvido, o que se transmite à orquestra que, por regra, tem interpretações suficientes (Pedro Ribeiro em oboé esteve em destaque — é um dos melhores músicos da Orquestra!). Foi o que ontem se verificou: foi apenas suficiente. Não ajudaram em nada os solistas que se apresentaram a um nível manifestamente insuficiente para a dimensão da obra e qualidade exigível numa casa com a tradição da FCG.


Florian Boesch, barítono e o melhor dos quatro, teve algumas dificuldades no registo agudo; Noah Stewart, tenor, mal se ouviu; Virpi Raisanen, meio-soprano, não se ouviu de todo; e Ann-Helen Moen, soprano, fez soar as notas mais agudas de modo audível. O Coro Gulbenkian (maestro Jorge Matta) esteve, como lhe é habitual, em muito bom nível, tendo sido, o elemento artístico em destaque do concerto.


O público aplaudiu, pois, Beethoven!

Terminada que está a temporada de estreia de Paul McCreesh, lamento fazer um balanço negativo: não vi qualquer crescimento desta Orquestra, antes vi uma involução. Veremos o que nos reserva a temporada 2014/15...

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(Review in English)

The Calouste Gulbenkian Foundation presented one of the most emblematic works of music history - Symphony no. 9, op. 125 by Ludwig van Beethoven - a true heritage of humanity, not only because of the undeniable artistic quality of a genius and its unmatched innovation, but also by the message that the poem An die Freude ("To Joy ") by Friedrich Schiller conveys and that should be a motto for our Europe in fission. It should be noted that this symphony marks this year the 190 years of its premiere.

Emphasize once again that Beethoven and his Symphony no. 9 are remarkable is unnecessary and would prove to be an exhausting tautological exercise for the reader. So we move to the analysis of the concert.

The first part consisted of a work of Daan Janssens named (...revenir dans l' oubli…), an order of FCG in world premiere. It is not particularly interesting, explores an emptiness sound, ethereal, with some stridency and mixed anxiety.

Principal conductor of FCG - British phlegmatic Paul McCreesh - led the Symphony of Beethoven. I admit, once again, that, in my limited understanding, he is a conductor that transmits very little energy and seems not very involved, which is transmitted to the orchestra that, as a rule, have only sufficient interpretations (Pedro Ribeiro on oboe was particularly at good level and he is one of the best musicians of the Orchestra!). That's what yesterday was found: it was just enough. Did not help the soloists who presented a grossly inadequate quality for the size of the work and required quality in a hall with the tradition of FCG. Florian Boesch, baritone and the best of the four, had some difficulties in the high register; Noah Stewart, tenor, was barely heard; Virpi Raisanen, mezzo-soprano, was not heard at all; and Ann-Helen Moen, soprano, sounded the higher notes audibly. The Gulbenkian Choir (conductor Jorge Matta) was, as usual, in very good level, being the artistic element highlight of the concert. I think the audience applauded Beethoven’s music!


Now that Paul McCreesh debut season is ended, I regret making a negative balance: not seen any growth in this orchestra but an involution. We'll see what the next 2014/15 season is bringing...

quinta-feira, 29 de maio de 2014

IPHIGÉNIE EN TAURIDE, Theatro de São Pedro, São Paulo

NÃO É TODO DIA QUE SE COMEMORA 300 ANOS, GLUCK E SUA IPHIGÉNIE EM TAURIDE. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA EBALLET.   


 Cena de Iphigéne en Tauride, foto Internet
                                         
  A comemoração dos 300 anos do nascimento de Christoph Willibald Gluck pelo Theatro São Pedro se deu com um título menos conhecido do compositor. Um melômano mais atento esperava ver uma de suas óperas mais famosas: Orfeu e Euridice ou Ifigénie en Aulide. Corretamente o teatro da Barra Funda muda o foco e apresenta Iphigénie en Tauride, última ópera composta por Gluck e com certeza uma das mais completas musicalmente.

   Compositor revolucionário e com estilo próprio, Gluck consegue em Iphigénie em Tauride uma fusão de estilos: o dramático, o sensual e o lírico se juntam em árias de força extraordinária, com uma escrita orquestral de rara beleza onde a coesão das cenas se encontra com música de qualidade ímpar. Teatro e canto unidos em cenas na medida exata sem os exageros do passado barroco. A ópera é um resumo de todas as virtudes musicais do compositor. Esses motivos enaltecem a ideia da direção do teatro de dar vida a esse título, uma raridade nas terras brasilis.

A direção cênica de Gustavo Tambascio usa elementos modernos da dramaturgia atual, explora o palco em sua plenitude deixando quase sempre e ação com dois níveis. Transpõe o libreto para o século XX e ao fundo mantém elementos da Grécia clássica. Usa painéis para realçar o cenário e os figurinos estão a contento. Tudo sintonizado com o que há de mais moderno na ópera mundial do século XXI. O problema é o público entender o enredo, quando a cortina sobe muito da ação já ocorreu, a história de Iphigénie en Tauride é apenas um trecho de um longo ciclo mitológico. O espectador menos informado fica perdido e a direção não ajuda em nada na descrição dos fatos. A montagem consegue ser harmônica: visagismo, luz, figurinos e cenários estão em harmonia onde ninguém aparece mais que ninguém.


 Cena de Iphigéne en Tauride, foto Internet  
   
As vozes oscilaram, a protagonista Monica Ferracani mostrou desequilíbrio vocal, soprano com agudos sem brilho que pecou e muito no fraseado e sempre apresentou um timbre áspero. Sua Iphigénie consegue fazer uma interpretação cênica mediana, vocalmente se mostra menor que a personagem desfilando uma voz opaca que não empresta credibilidade e que vai cansando com o tempo.

O Orestes de Luciano Garay teve bons momentos vocais, manteve a postura do início ao fim com graves e médios satisfatórios. Uma voz limpa e estável nas passagens complexas. Pena não poder dizer o mesmo de Flávio Leite, o rapaz penou para fazer Pílades, conseguiu pouco em suas intervenções com técnica deficiente e agudos fracos. Até no pequeno Theatro São Pedro sua voz se mostrou pequena e com um timbre abafado que assusta pelas emissões irregulares.

O personagem Thoas para Lício Bruno foi uma barbada, o calejado barítono tirou de letra e mais uma vez mostrou enorme talento vocal e cênico. Outra que não teve a menor dificuldade foi Luciana Bueno, sua Diana é um arraso, ela encarna a deusa grega em todos os sentidos. Em sua curta apresentação desfilou graves portentosos em timbre que sempre encanta pelo brilho.
  
A Orquestra do Theatro São Pedro nas mãos de Alessandro Sangiorgi mostrou musicalidade volumosa chegando a encobrir os solistas, no geral esteve adequada ao estilo da ópera embora se mostrasse romântica demais em diversos momentos. Um ou outro desencontro entre solistas e orquestra é natural e eles ocorreram em quantidade razoável. Destaco a atuação do coro feminino, conseguiram excelente musicalidade com sopranos e mezzos cantando em grande estilo.

sábado, 24 de maio de 2014

WRITTEN ON SKIN de George Benjamin — FCG, 23.05.2014

(Review in English below)

(Fotos da internet)

A FCG apresentou a ópera Written on Skin de George Benjamin. O compositor britânico compô-la em 2012 para o Festival Aix-en-Provence e recebeu uma óptima recepção da crítica especializada. Saíram críticas com frases como «a melhor ópera dos últimos 20 anos» ou descrições como «apaixonada, sensualmente bela, terrivelmente dramática». O libreto ficou a cargo de Martin Crimp que se baseou num manuscrito anónimo do século XIII.

O texto é rico e interessante, tratando temáticas como o poder, o género, a mulher como objecto, a submissão ou a fuga para a libertação. Mas também trata do amor, da arte, da morte, da violência física e verbal, ou do suicídio. É uma obra que se divide em Primeira, Segunda e Terceira partes sem intervalo, podendo ler-se uma sinopse e um interessante texto introdutório de Susana Duarte nesta ligação.


A Orquestra Gulbenkian apresentou-se num nível muito elevado sob direcção do próprio compositor — George Benjamin. A música é, no meu entender, interessante, explorando várias tonalidades harmónicas e com um elevado sentido dramático. É música contemporânea de inegável qualidade e que merece uma audição atenta e despreconceituosa. Penso que o pouco público presente lhe soube dar valor.

Os cantores estiveram num plano muito elevado. O canto não era tecnicamente fácil e a expressividade e dramatismo constantes exigiam uma presença e entrega totais. Isto para não falar de que, apesar de em muitos momentos o volume sonoro da orquestra não ser fácil de combater, os cantores revelaram sempre facilidade em ouvir-se.


Christopher Purves, barítono inglês, esteve num nível elevadíssimo. Expressividade dramática vocal e corporal excelentes, voz de colocação e potência magníficas, além de um timbre muito agradável. O melhor do trio de personagens principais.


Elin Rombo, soprano sueca foi uma Agnès também excepcional. Voz com um timbre bonito, óptima amplitude vocal, projecção de nível (a soar sempre por cima da orquestra: destaque para o final da Segunda parte). Tem, também, uma excelente expressividade corporal e ofereceu uma interpretação dramática intensa.


Tim Mead, contratenor inglês, fez de Anjo 1 e de Rapaz. A voz surpreendeu-me pela qualidade e timbre de beleza muito invulgar. Teve uma interpretação de muito elevada qualidade. Aliás, este trio esteve brutal!


Depois, em papéis mais pequenos, tivemos o meio-soprano Victoria Simmonds como Anjo2/Marie e o tenor Rupert Charlesworth como Anjo3/John em bom plano.


Foi, pois, uma récita bem interessante com destaque para a qualidade da Orquestra FCG e para o trio Purves, Rombo e Mead, além, obviamente, do compositor Benjamin.

Fica uma pequena entrevista do compositor para a ROH.



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(Review in English)

The FCG presented the opera Written on Skin by George Benjamin. The British composer presented it in 2012 for the Festival Aix-en-Provence and received a great reception from critic. There were critics saying "the best opera of the last 20 years” or descriptions as "passionate, sensuously beautiful, terribly dramatic". Martin Crimp that was based on an anonymous manuscript of the thirteenth century did the libretto.

The text is rich and interesting, dealing with themes such as power, gender, woman as object, submission or escape to freedom. But comes to love, art, death, physical and verbal violence, or suicide. It is a work that is divided into First, Second and Third parties without intermission, and you can read a synopsis and an interesting introductory text by Susana Duarte at this link.

The Gulbenkian Orchestra has performed at a very high under the direction of the composer himself — George Benjamin. The music is, in my view, interesting, exploring various harmonics and high dramatic sense tonalities. It is contemporary music of undeniable quality and deserves an attentive and unprejudiced hearing. I think the little audience in the hall knew to value it.

The singers were on a very high level. The singing was not technically easy and dramatic expressiveness required a constant presence and total giving. Not to mention that, although many times the loudness of the orchestra were not be easy to surpass, the singers always proved easier to hear.

Christopher Purves, English baritone, was on a very high level. Excellent dramatic vocal and corporal expressiveness, and voice placement and magnificent power, plus a very nice timbre. He was the best singer within the main characters’ trio.

Elin Rombo, Swedish soprano was an Agnès equally exceptional. Voice with a beautiful timbre, great vocal range, projection of high level quality (always soar above the orchestra: highlight to the end of the Second Part). She also has a great body expressiveness and offered an intense dramatic interpretation

Tim Mead, English countertenor, did Angel 1 and Boy. The voice surprised me by the quality and timbre. He had an interpretation of very high quality. Indeed, this trio was amazing!

Then, in smaller roles, had at good level the mezzo-soprano Victoria Simmonds as Angel 2/Marie and tenor Rupert Charlesworth as Angel3/John.

It was therefore a very interesting recitation highlighting the quality of FCG Orchestra and the trio Purves, Rombo and Mead, besides, obviously, the composer Benjamin.                                       

domingo, 18 de maio de 2014

LA GIOCONDA, Teatro de São Carlos, Maio de 2014

(review in english below)

La Gioconda, de A. Ponchielli com libreto de Arrigo Boito, esteve em cena, em versão concerto, no Teatro Nacional de São Carlos.


O Maestro Antonio Pirolli dirigiu superiormente a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos. Ambos tiveram desempenhos de grande qualidade, contribuindo significativamente para a elevada qualidade do espectáculo.


 Elisabete Matos foi La Gioconda. Um luxo! Desempenho dramático sensacional associado a uma interpretação vocal fabulosa ao longo de toda a récita, mas com um último acto de referência. Sim, o Suicidio foi brilhante, mas tudo o resto também. Ponchielli, onde quer que esteja, sabe que, no início do Séc XXI, La Gioconda é La Matos!


 No final da récita a que assisti, Elisabete Matos emocionou-se com os aplausos calorosos (e justíssimos) do público. Os Grandes são assim!

O barítono espanhol Luis Cansino foi um Branaba excelente. Voz bonita, de grande potência e musicalidade, impressionou pela segurança e consistência ao longo de toda a récita.




 Maria Luísa de Freitas foi La Cieca, mãe de Gioconda. Também teve uma interpretação vocal muito agradável.


 Laura foi interpretada pelo mezzo búlgaro Mariana Pentcheva. Outra voz poderosa e escura, com boa projecção. Por duas vezes achei que faltou fôlego à cantora para terminar as notas.


 Alvise foi o baixo brasileiro Luiz-Ottavio Faria que se impôs vocalmente, oferecendo-nos uma voz segura, forte, bonita e afinada.


 O tenor italiano Mario Malagnini foi Enzo. Teve uma interpretação irregular, alternando períodos de bom nível vocal com outros em que a voz soava pequena e perdia qualidade no registo mais agudo.


 Deixaram boa impressão João Oliveira como Zuàne/piloto, Marco Alves dos Santos como Isépo e Manuel Rebelo como cantor.



 Lamento muito que a ópera não tenha sido encenada. Para mim, que tenho visto muitas encenações péssimas (algumas em São Carlos e muitas mais no estrangeiro), continuo a achar que uma ópera em versão concerto é uma ópera amputada. E hoje, mais uma vez, assim foi.
Houve uma tentativa de incluir algum movimento cénico. Mas faltaram muitos gestos e objectos essenciais e simples de usar, mesmo nesta abordagem (por exemplo o punhal). Maria Luísa de Freitas tentou comportar-se como mãe cega de Gioconda, mas esteve constantemente a olhar para a partitura. E que dizer da “Dança das Horas”? E poderia continuar, mas não acho necessário…
A terminar saliento que, apesar de em versão concerto, foi um dos melhores espectáculos a que assisti nos últimos anos no nosso único teatro nacional de ópera.






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La Gioconda, Teatro de São Carlos, May 2014

La Gioconda by A. Ponchielli with libretto by Arrigo Boito was on stage, in concert version, at the Teatro Nacional de São Carlos, Lisbon.

Maestro Antonio Pirolli superiorly directed the Portuguese Symphony Orchestra and Chorus of the Teatro Nacional de São Carlos. Both performances were of great quality and contributed significantly to the high quality of the performance.

Elisabete Matos was La Gioconda. A luxury! Phenomenal dramatic performance associated with a fabulous vocal performance throughout the performance, but with a final act of reference. Yes, Suicidio was brilliant, but everything else too. Ponchielli, wherever he may be, knows that at the beginning of XXI century, La Gioconda is La Matos!
At the end of the performance I attended, Elisabete Matos was emotionally touched by the warm (and deserved!) applause from the audience.
The grand ones are like that!

Spanish baritone Luis Cansino was an excellent Branaba. Beautiful voice, with great power and musicality, he impressed by the security and consistency throughout the performance.

Maria Luisa de Freitas was La Cieca, Gioconda 's mother. She also had a very nice voice performance.

Laura was interpreted by the Bulgarian mezzo Mariana Pentcheva. Another powerful and dark voice, with good projection. Twice I thought she lacked breath to finish the notes.

Alvise was interpreted by the Brazilian bass Luiz-Ottavio Faria. Self-imposed vocally, offering us a secure, strong, beautiful and refined voice.

Italian tenor Mario Malagnini was Enzo. HehHad an irregular performance, alternating periods of good vocal level with others in that the voice sounded small and lost quality in the upper register.

João Oliveira was OK as Zuane, Marco Alves dos Santos and Manuel Rebelo as Isépo and as a singer.

I regret that the opera has not been staged. I have seen many bad stagings of operas (some in São Carlos Opera House and many more abroad), but I still think that an opera in concert version is an amputee opera. And this time, once again, it was so.
An attempt was made to include some scenic movement. But it lacked many essential gestures and objects simple to use, even in this approach (eg the dagger) . Maria Luisa de Freitas tried to behave like blind, but she was constantly looking at the score  And what about the "Danze delle Ore" ? And I could go on...
Finally I note that, although in concert version, this was one of the best performances I have seen in recent years in our single national opera house.


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quarta-feira, 14 de maio de 2014

CARMEN, Teatro Ademir Rosa, Florianópolis, Abril e Maio de 2014


 Lucas Andrade de Florianópolis  (https://www.facebook.com/lucasandradesilva) volta a presentear-nos com um magnífico texto sobre a Carmen. Os "Fanáticos da Ópera" agradecem novamente a contribuição, que muito enriquece este blogue.

(Fotos de Deise Rathge)

Há pouco mais de cinco meses, A Cia Ópera de Santa Catarina e a Camerata Florianópolis estrearam sua produção da ópera Carmen de Bizet na capital do estado de Santa Catarina, com grande sucesso de público nas quatro noites de apresentação. O Fanáticos da Ópera resenhou o espetáculo em novembro passado. Atendendo à solicitações, a montagem tomou, novamente, o palco do Teatro Ademir Rosa nos dias 30 de abril e 2 de maio passados, com praticamente o mesmo elenco principal. A saber, Fernando Portari no papel de Don José, Luciana Bueno interpretando o papel principal, Masami Ganev (30 de abril) e Claudia Ondrusek (2 de maio) mais uma vez alternaram o papel de Micaëla e o barítono Douglas Hahn cantou  Escamillo no lugar de Sebastião Teixeira do espetáculo no ano anterior. Assisti à ambas apresentações, sendo, pois, meus comentários relativos as duas noites.


 Na resenha da produção anterior elogiei a iniciativa de todos os envolvidos em montar um espetáculo deste porte em Florianópolis e quero aqui, publicamente, parabenizar, mais uma vez, toda a produção, a equipe técnica e o elenco que proporcionaram duas noites da mais alta qualidade musical.


 Vocalmente o que era bom ficou ainda melhor! Fernando Portari esbanjou segurança em todos os agudos com um timbre que casa perfeitamente ao papel. Sua atuação é sempre impressionante, extremamente concentrado e profissional. Seu Don José enciumado é assustador! Quem deveria cantar “si je t'aime prend garde à toi” era ele! Prova da qualidade de sua performance vocal e dramática são os comentários de quem assistiu a uma ópera pela primeira vez!


 Luciana Bueno esteve ainda melhor do quem em 2013. A familiaridade com o palco do teatro permitiu que fosse um pouco mais solta cenicamente, o que me agradou ainda mais. Sem querer me repetir, tem beleza, físico e sensualidade de sobras para o papel! Seus graves foram penetrantes em Carreau, pique...la mort! e sua química com Fernando Portari foi ainda maior!


 Douglas Hahn, barítono catarinense, tem uma excelente emissão em todo o registro e um belíssimo timbre. Projetou muito bem todas as notas na acústica pouco favorável à ópera do teatro. Gostaria de ouvi-lo em um papel verdiano, como Renato de Un Ballo in Maschera, por exemplo, parte que cantou na Argentina. Como curiosidade, assisti a sua estreia há dezoito anos atrás e fui uma grande satisfação ouvir seu Escamillo.


 Claudia Ondrusek, mais uma cantora local, no papel de Micaëlla do dia 2 de maio, também esteve melhor do que no ano passado, mais envolvida com o papel, mais tranquila, talvez e com agudos belos e potentes. O teatro não ajudou sua região grave quando se colocava na parte de trás do palco, infelizmente. No dia 30 de abril, a japonesa Masami Ganev foi uma Micaëlla impressionante. Muita potência e qualidade vocal. Uma rocha de segurança e uma força dramática que me levou às lágrimas em um papel que nunca havia me chamado a atenção do ponto de vista teatral. Tive o prazer de conhecê-la no ano passado, mas não tive a chance de ouvi-la. Meu espanto com seu talento só me faz querer ouvir urgentemente sua Madame Butterfly, papel com que vem conquistando os amores do público e da crítica. Aliás, o soprano que adotou o Brasil desde o final dos anos 90 cativa a todos por onde passa. Sua Micaëlla passou-me uma impressão inovadora de sofrimento ao invés de coitada que geralmente tenho. 


 As companheiras de Carmen, Frasquita e Mercédès, foram muito bem reprisadas por Grasiele Fachini e Débora Almeida, respectivamente. Grasiele venceu a orquestra e o coro facilmente em todas as vezes exigidas com seus agudos cortantes e Débora tem além de um belo timbre grave, muita postura no palco. Foram duas parceiras de competência para a excelente Carmen.


 O coro foi, mais uma vez, excelente. Difícil destacar as vozes masculinas ou femininas com cantores muito jovens e envolvidos em cada cena.


 O maestro Jeferson Della Roca tem todo o meu respeito pelo seu bom gosto e uso dos tempos. Destaquei as madeiras na resenha anterior e merecem novamente a citação! A orquestra esteve um pouco inconsistente nos Atos I e II da primeira noite, com uma pequena falha de comunicação no dueto “Parle-moi de ma mère”, mas não comprometeu a experiência final. Os intermezzos nas duas noites foram prejudicados pelas conversas do público que ainda não sabe que estas breves peças instrumentais fazem parte da partitura. Precisamos ter mais espetáculos para que a audiência também seja instruída, não é mesmo?



 Mais duas noites fundamentais para o currículo operístico da capital catarinense e que já deixou saudades no público! Aguardemos agora que venha a montagem de Le Nozze di Figaro no final do ano! Bravi tutti!

quinta-feira, 8 de maio de 2014

LA CENERENTOLA, METropolitan OPERA, Nova Iorque, Maio de 2014 / New York, May2014

(review in English below)

La Cenerentola de G Rossini é uma ópera que já vi várias vezes, não que a procure activamente, mas por que está ocasionalmente em cena em cidades onde me desloco profissionalmente (mas nesta situação a medalha de ouro vai, destacada, para o Rigoletto!).


 A encenação de Cesare Lievi foi a pior que vi até à data. É muito feia e desinteressante. Os cenários têm mobilidade fácil mas esta não leva a nada. A comicidade é excessivamente exagerada e quase nunca conseguida. Uma falta de ideias confrangedora. Como não havia nada interessante para ver, poderia ouvir-se de olhos fechados.



 O maestro foi Fábio Luisi que, mais uma vez, nos ofereceu uma óptima sonoridade e também um notável respeito pelos cantores.


 As irmãs Clorinda  (Rachelle Durkin) e Tisbe (Patrícia Risley) tiveram interpretações banais, muito prejudicadas pela encenação.


 Don Magnifico, interpretado pelo experiente barítono italiano Alessandro Corbelli, esteve bem, sem impressionar. Atrapalhou-se nas partes vocalmente mais exigentes e não projectou a voz como seria necessário.


 O baixo-barítono venezuelano Luca Pisaroni foi muito bom como Alidoro. Boa presença cénica, voz segura, bonita e sempre sobre a orquestra.


 A estreia do barítono italiano Pietro Spagnoli não poderia ter corrido melhor. Foi excelente como Dandini. Voz poderosa, afinada e interpretação sempre controlada e de bom gosto.


 O Don Ramiro de Juan Diego Flórez foi, mais uma vez, excelente. Os leitores deste blogue sabem que tenho uma enorme admiração por este cantor e não vou repetir aquilo que já escrevi várias vezes sobre ele. Tenho tido a sorte de o ouvir ao vivo com regularidade e nunca me desiludiu. Não há ninguém como ele capaz de cantar estes papeis rossinianos. Nesta noite repetiu o final da sua ária Si, ritrovarla io giuro, para deleite do público, que o aplaude sempre com enorme generosidade.


 Joyce DiDonato, a Angelina de serviço, foi a melhor da noite. Também ela canta Rossini como poucas e, mais uma vez, não desiludiu. DiDonato associa a qualidade superior do canto à da representação, pertencendo àquele grupo escasso de intérpretes que cantam e representam de forma excepcional. Foi óptima ao longo de toda a récita e arrasadora no final Nacqui all’affanno que, nesta ópera, é mesmo o grande momento do mezzo soprano.




 Uma Cenerentola com solistas de primeiríssima água mas com uma encenação deplorável.









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LA CENERENTOLA, Metropolitan Opera, New York , May 2014 

La Cenerentola by G. Rossini is an opera I've seen several times, not that I look for it actively, but because it is occasionally on stage in cities where I travel professionally (but in this situation the gold medal goes, by far, for Rigoletto!) .

The staging of Cesare Lievi was the worst I've seen to date. It is very ugly and uninteresting. The scenarios have easy mobility but this leads nowhere. The comic playing is overly exaggerated and almost never achieved. An appalling lack of ideas. Since there was nothing interesting to see, one could hear with the eyes closed.

Conductor Fabio Luisi, once again, offered us a great sound and a remarkable respect for the singers.

Sisters Clorinda (Rachelle Durkin) and Tisbe (Patricia Risley) had banal performances, not at all helped by the staging.

Don Magnifico, played by experienced Italian baritone Alessandro Corbelli was ok but not impressive. He lost the pace in the vocally more demanding part and the voice ws not projected as expected.

Venezuelan bass-baritone Luca Pisaroni was a very good as Alidoro. He had good stage presence, and the voice was firm, beautiful and always above the orchestra.

The debut of the Italian baritone Pietro Spagnoli could not have been better. He was . great as Dandini. Powerful, controlled and refined voice, and an impressive performance on stage.

Juan Diego Flórez was Don Ramiro. Again he was excellent. The readers of this blog know that I have a huge admiration for this singer and I will not repeat here what I've written several times about him. I have been lucky enough to hear him live regularly and he never disappointed me. There is no one able to sing these rossinian roles like him. This night he repeated the end of his great aria Si, ritrovarla io giuro, to the delight of the audience, who always applauds him with great generosity.

Joyce DiDonato was the best of the night as Angelina. She also sings Rossini as few others are able to, and again she did not disappoint. DiDonato joins the superior quality of her singing to na identical acting capability, belonging to that small group of opera singers who sing and play at an outstanding level. She was excellent throughout the performance and astonishing at the end, Nacqui all’affanno ,that is the greatest moment of the mezzo soprano in this opera.


A Cenerentola with soloists of the highest quality but with a deplorable staging.

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