quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

L’ORFEU, Monteverdi, Gulbenkian, Fevereiro de 2013 / February 2013


(review in english below)

L’Orfeu de Claudio Monteverdi, com libretto de Alessandro Striggio, segundo Euridice de Ottavio Rinuccini, é uma das mais antigas obras musicais no género ópera. Foi estreada em Fevereiro de 1607 no Palácio Ducal dos Gonzaga, em Mântua.

É composta por um prólogo e 5 actos e baseia-se no mito de Orfeu que tenta resgatar a sua amada Euridice do mundo dos mortos.


A obra inicia-se com uma toccata para trompete e é uniformizada por um ritornello. No prólogo La Musica celebra o poder da música e apresenta Orfeo. No 1º acto celebra-se a união de Orfeo com Euridice. No 2º acto um mensageiro informa que Euridice morreu, picada por uma cobra. Orfeo decide ir resgatá-la. No 3º acto Speranza conduz Orfeo ao limiar do inferno, onde entra depois de adormecer Caronte e atravessar o rio Styx. No 4º acto Prosperina convence o marido Plutone a deixar Euridice voltar a viver. Ele acede, com a condição de Orfeo não olhar para ela. Ao regressar ao mundo dos vivos, Orfeo não cumpre a condição e vê Euridice desaparecer. No 5º acto, Orfeo é resgatado pelo pai, Apollo, e sobem ao céu.

Numa apresentação semi-encenada, o espectáculo oferecido pela Gulbenkian começou de forma sui generis. As portas abriram muito tarde e a primeira tocatta foi ouvida quando a maioria dos espectadores ainda não tinha entrado na sala. O jardim estava visível no início mas, quando Orfeu desceu ao inferno, subiu a protecção. Só quando regressou ao mundo dos vivos se voltou a ver o jardim. Uma excelente ideia.

(programa de sala)

O agrupamento Divino Sospiro e o Coro Gulbenkian (em versão reduzida) foram dirigidos por Enrico Onofri. Tiveram uma interpretação excelente.

Quanto aos solistas, houve uma presença portuguesa assinalável, o que é sempre bom. Mas a noite foi das Senhoras.

O barítono Fulvio Bettini não brilhou no papel de Orfeo porque estava doente, mas ainda assim foi estóico em ter aguentado até final.

Tiveram interpretações dignas o tenor Fernando Guimarães como Apollo, o baixo António Abete como Caronte e, sobretudo, o barítono Hugo Oliveira como Plutone.

O mezzo Romina Basso impressionou como Speranza e Prosperina.

Sensacionais foram o mezzo Luciana Mancini como Messagera e o soprano Ana Quintans como La Musica e Euridice

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L'Orfeu, Monteverdi, Gulbenkian, February 2013

L'Orfeo by Claudio Monteverdi, with libretto by Alessandro Striggio, according to Euridice of Ottavio Rinuccini, is one of the oldest musical works in opera. It was premiered in February of 1607 in the Ducal Palace of Gonzaga in Mantua.

It consists of a prologue and five acts and is based on the myth of Orpheus trying to rescue his beloved Eurydice from the dead.

The work begins with a toccata for trumpet and is unified by a ritornello. In the prologue La Musica celebrates the power of music and presents Orfeo. In the 1st act the union of Orfeo and Euridice is celebrated. In the 2nd act a messenger informs that Euridice died, bitten by a snake. Orfeo decides to rescue her. In the 3rd act Speranza leads Orfeo the hell, where he enters after putting Caronte into sleep and crossing the river Styx. In the 4th act Prosperina convinces her husband Plutone to put Euridice back to life. He accedds, on condition that Orpheus does not look at her. Returning to the living, Orfeo does not meet the condition and sees Euridice disappear. On the 5th act, Orfeo is rescued by his father, Apollo, and both ascend to heaven.

In a semi-staged presentation, the show offered by the Gulbenkian Foundation had a sui generis strart. The doors opened too late and the first tocatta was heard when most of the public had not yet entered the room. The garden was visible at first but when Orpheus descended into hell, the wall protection rose. Only when he returned to the living world we could see the garden again. An excellent idea.

Divino Sospiro and the Gulbenkian Choir (in a shorter version) were directed by Enrico Onofri. They had an excellent performance.

As for the soloists, there was a remarkable Portuguese presence, which is always good.
But the night was of the ladies.

Baritone Fulvio Bettini did not impress in the role of Orfeo because he was sick, but still he was stoic about having sung until the end.

Tenor Fernando Guimarães as Apollo, bass Antonio Abete as Caronte, and especially baritone Hugo Oliveira as Plutone. all had decent performancesa.

Mezzo Romina Basso impressed as Speranza and Prosperina.

Mezzo Luciana Mancini as Messagera and soprano Ana Quintans as La Musica and Euridice were sensational 


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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

GABRIELA MONTERO na Fundação Calouste Gulbenkian – 25.02.2013

(Review in English bellow)

A FCG recebeu, no ciclo de piano, a pianista venezuelana Gabriela Montero. Nascida em Caracas (Venezuela), deu o primeiro concerto público aos 5 anos e teve o seu concerto de estreia no Teatro Nacional de Caracas aos 8 anos, onde interpretou o Concerto para piano em Ré Maior de Haydn sob direcção de José Antonio Abreu, pai do famoso El Sistema. Estudou em Londres e recebeu diversos prémios, nomeadamente o Echo para Melhor Instrumentista do Ano em 2006.

(Fotos de Colin Bell - www.opus3artists.com)

Apresenta-se, regularmente, nos grandes palcos internacionais e tem como particularidade o facto de fazer, nos seus concertos e recitais, improvisações a pedidos do público. Esta faceta devemo-la, em parte, ao incentivo de Martha Argerich: “Quando improviso, estabeleço uma ligação única com o público. Uma vez que a improvisação é uma boa parte daquilo que sou, é a forma mais natural e espontânea de me expressar. Comecei a improvisar desde a primeira vez que toquei um teclado, mas por muitos anos mantive esta faceta secreta. Depois, um dia Martha Argerich ouviu-me improvisar e ficou em êxtase. De facto, foi a Martha quem me persuadiu de que é possível combinar uma carreia de artista clássico ‘sério’ com este meu lado mais único.”

A pianista não esquece as suas origens e tem divulgado a música de vários compositores da américa latina. O site opus3artists.com disponibiliza algumas peças por ela interpretadas e uma muito interessante entrevista seguida da interpretação de uma peça da sua autoria “ExPatria” que Gabriela Montero dedica ao povo venezuelano, aos 19.336 assassinados na Venezuela em 2011 e a 3 amigos presos políticos.


Ouvimos peças de Brahms (Intermezzi, op. 117), Chopin (Scherzo n.º 3) e os latino-americanos Ernesto Lecuona (Malagueña), Alberto Ginastera (Danza Criolla e Sonata n.º 1, op. 22), Ernesto Nazareth (Odeon; Brejeiro) e Moisés Moleiro (Joropo). Estes últimos têm, de facto, peças de elevadíssima qualidade que, infelizmente, não entram no reportório de muitos dos melhores pianistas da actualidade. Poderão ler o interessante texto de Luís Raimundo no programa de sala que a FCG preparou para o concerto e que disponibiliza em português aqui.
Devemos realçar a excelência das interpretações, sempre cheias de coloridos e ritmos. Gostámos particularmente de Malagueña e Danza Criolla.


(Fotos de Colin Bell - www.opus3artists.com)


A segunda parte foi reservada às improvisações. Num jeito muito simpático, Gabriela Montero convidou o público a ajudá-la no seu processo criativo. Pediu, primeiro, um tema português e aí surgiu 'Tia Anica de Loulé' ao qual se seguiram Quadros de uma exposição de Mussorgsky e Fur Elise de Beethoven. As três improvisações foram muito interessantes e notaram-se diversas influências, desde Beethoven e Chopin a Rachmaninov entre muitos outros. Depois pediu um tema abstracto e alguém sugeriu 'O sol de Lisboa': a sua improvisação foi excelente e ofereceu-nos uma peça muito melódica e intensamente cheia de matizes, onde se ouviram a frescura do amanhecer e o calor do sol de Verão. A terminar ouviu-se variações sobre um tema de Orfeu nos Infernos de Jacques Offenbach onde nos deu muito Piazola, Tico-tico de Zequinha de Abreu e toques de jazz.
É de realçar o seu virtuosismo, improviso fácil e imediato e a sua capacidade de apresentar diversos estilos, de onde sobressai um ritmo muito latino-americano.

Em suma, foi um concerto de elevadíssimo nível onde se exibiu uma pianista de enorme sensibilidade artística e técnica, simpatia profunda e brilhante capacidade de improvisação.
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(Review in English)

The FCG received the Venezuelan pianist Gabriela Montero in its Piano Cycle. Born in Caracas (Venezuela), she gave the first public concert the age of 5 and had her concert debut at the Teatro Nacional de Caracas when she was only 8 years old, where she performed Haydn’s Piano Concerto in D Major under the direction of José Antonio Abreu, father the famous El Sistema. She studied in London and received numerous awards, including the Echo for Best Instrumentalist of the Year in 2006.


She presents herself regularly on international stages and has on improvisation one great particularity as she, in her concerts and recitals, ask public to gave her musical themes for her to improvise. This facet owes it in part to the encouragement of Martha Argerich: "When improvising," Montero says, "I connect to my audience in a completely unique way – and they connect with me. Because improvisation is such a huge part of who I am, it is the most natural and spontaneous way I can express myself. I have been improvising since my hands first touched the keyboard, but for many years I kept this aspect of my playing secret. Then Martha Argerich overheard me improvising one day and was ecstatic. In fact, it was Martha who persuaded me that it was possible to combine my career as a serious ‘classical’ artist with the side of me that is rather unique."

The pianist does not forget her roots and has released music by various Latin-american composers. The site opus3artists.com  offers some pieces interpreted for her and a very interesting interview followed by the interpretation of a piece of her own "ExPatria" who Gabriela Montero dedicated to the Venezuelan people, to 19.336 murdered in Venezuela in 2011 and 3 friends that are political prisoners.


We heard pieces by Brahms (Intermezzi, op. 117), Chopin (Scherzo no. 3) and Latin Americans Ernesto Lecuona (Malagueña)Alberto Ginastera (Danza Criolla; Sonata n.º 1, op. 22)Ernesto Nazareth (Odeon; Brejeiro) e Moisés Moleiro (Joropo). The latter ones have, in fact, pices of the highest quality which, unfortunately, do not enter in the repertoire of many of contemporary best pianists. It is interesting to read the text of Luís Raimundo in the program room that FCG prepared for the concert despite it is in Portuguese. We should highlight the excellency of her interpretations always full of colors and rhythms. We liked specially Malagueña and Danza Criolla.


The second half was reserved for improvisations. In a very friendly way, Gabriela Montero invited the public to help her in her creative process. She asked, first, a Portuguese theme and there arose 'Tia Anica de Loulé' which was followed by Pictures at an exhibition by Mussorgsky and Beethoven's Fur Elise. The three improvisations were very interesting and were noted various influences from Beethoven to Chopin, Rachmaninov and many others. Then she asked a abstract theme and someone suggested 'The sun of Lisbon': her improvisation was excellent and offered us a very melodic and full of nuances theme, where we heard the freshness of an early morning and the warmth of the summer sun. To finish we heard variations on a theme of Orpheus in the Hells by Jacques Offenbach which gave us a lot Piazola, Tico-tico of Zequinha de Abreu and touches of jazz.
It is to highlight her virtuosity, improvisational instant ease and her ability to manage many styles, from which emerges very Latin American rhythm.

In short, it was a concert of very high level where we heard a pianist of enormous artistic sensibility and technique, deep sympathy and brilliant improvisational skills.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O CREPÚSCULO DOS DEUSES (GÖTTERDÄMMERUNG), Bayerische Staatsoper, Munique, Janeiro de 2013 / Munich, January 2013



(review in English below)

O Crepúsculo dos Deuses (Götterdämmerung) é a quarta e derradeira ópera do ciclo do Anel do Nibelundo de Richard Wagner. A encenação foi de Andreas Kriegenburg

Reparem no pormenor da capa do programa de sala, parcialmente queimada!


 Kriegenburg opta por uma abordagem cénica radicalmente diferente da que usou nas três óperas anteriores, retratando o comportamento humano nas sociedades capitalistas actuais.

No Prólogo, as três Nornas tecem os fios de ouro do destino, recordam os acontecimentos passados mais relevantes e prevêem o crepúsculo dos deuses. Em palco estão várias pessoas sós, perdidas, apáticas e desesperadas, cada uma sentada sobre uma mala de viagem. São os sobreviventes de um ataque nuclear. Observam fotografias dos seus entes queridos. Surgem funcionários totalmente protegidos por fatos isolantes, uns pedem a identificação a cada uma das pessoas (algumas não a têm) e outros, com contadores Geiger, verificam que as fotografias estão contaminadas e, por isso, têm que ser lançadas num recipiente de lixo radioactivo. Assim, as mulheres e homens sobreviventes perdem a única ligação que lhes restava ao seu passado e aos familiares e amigos que morreram no ataque. A cena é magnífica, de uma intensidade dramática brutal, quase sufocante.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Siegfried dá o Anel a Brünhilde, como prova do seu amor, no momento em que abandona o rochedo. Brünhilde retribui, dando-lhe o seu cavalo Grane.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Noutro efeito cénico espectacular, Siegfried atravessa o Reno num barco a remos, onde a água agitada é reproduzida pelos figurantes, vestidos de azul e encurvados.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

No 1º Acto o palácio dos Gibichungs (o rei Gunther, meio irmão de Hagen, e a irmã Gutrune) é um imponente e moderníssimo edifício de escritórios dos nossos dias (um banco?) que ocupa todo o palco. Tem 4 andares, paredes de vidro e pontes horizontais que se movem na vertical e, suspensas a várias alturas, atravessam o palco de lado a lado. Há muitos funcionários impecavelmente vestidos de escuro, ora circulando com pastas, ora trabalhando em laptops. No piso térreo estão uns sofás e um bar modernos. Nas paredes envidraçadas aparece projectada em vários locais a palavra lucro (Gewinn) e Gutrune escreve a palavra luxúria (lust).
Siegfried chega vestido de forma muito rústica e desconhece totalmente este mundo. Choca com os vidros das portas, não sabe apertar a mão, estranha um cocktail sofisticado que lhe é oferecido para beber. Mais uma cena de belo efeito que consegue evitar o ridículo ou a graçola fácil. Depois de beber a poção, apaixona-se por Gutrune, uma mulher sofisticada que surge montada no símbolo do Euro.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Siegfried faz um pacto de sangue com Gunther. Hagen planeia que Siegfried case com Gutrune e Gunther com Brünhilde.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

No rochedo, a valquíria Waltraute visita a irmã Brünhilde e avisa-a que o desastre está próximo e só pode ser evitado se devolver o anel às Filhas do Reno. Brünhilde recusa-se a fazê-lo porque o anel é o símbolo do seu amor por Siegfried, que é mais importante que o bem-estar dos deuses.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Aproxima-se um estranho do rochedo (é Siegfried transformado em Gunther por efeito do elmo mágico), arranca o anel a Brünhilde e dorme com ela, embora separado pela espada, por respeito ao pacto de sangue que fez com Gunther.

No 2º acto, Hagen ouve o pai Alberich pedir-lhe que reconquiste o anel. Gunther chega com Brünhilde ao palácio e Siegfried não a reconhece. Quando vê o anel no dedo de Siegfried, Brünhilde acusa-o de traição. Os figurantes e os elementos do coro aparecem espalhados por todo o palco, vestidos de escuro e a falar ou mandar mensagens nos telemóveis, sem nunca olharem ou falarem entre si.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Hagen convence Brünhilde e Gunther que Siegfried tem que morrer.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Preparam-se os casamentos de Gunter com Brünhilde e de Gutrune com Siegfried. Os figurantes são os convidados que ficam espalhados pelo chão, adormecidos, com os fatos parcialmente desapertados e entre numerosas garrafas de champanhe vazias.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

No 3º acto Siegfried vai caçar. As Filhas do Reno avisam-no da sua morte próxima.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Siegfried conta a Gunther e a Hagen a sua história, depois de beber nova poção com que recupera a memória e recorda o seu amor por Brünhilde. Gunther sente-se traído e Hagen mata Siegfried. Levam o corpo para o palácio.
Ao constatarem a morte de Siegfried, todos os funcionários rasgam e desfazem-se de centenas de documentos, falam apressadamente aos telemóveis ou enviam mensagens. Hagen quer tirar o anel do dedo de Siegfried e mata Gunther.
Brünhilde recupera o anel e, para acabar com a maldição, sacrifica-se na pira funerária de Siegfried que arde por detrás da grande estrutura de vidro, agora vazia.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

 As Filhas do Reno recuperam o anel e afogam Hagen. A ópera termina com tudo destruído.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Apenas Gutrune sobrevive e aparecem os figurantes, novamente vestidos de branco, como no início do Ouro do Reno, agrupando-se compactamente em seu redor.

Terminou a música, caiu o pano e Kent Nagano manteve os braços no ar durante cerca de um minuto – uma eternidade numa ocasião como esta. O silêncio foi absoluto. Só quando os baixou explodiram os aplausos. Sim… estávamos na Alemanha!



 Nina Stemme, soprano sueco, foi a Brünhilde nesta noite. Faltam-me palavras para a qualificar, no seio de tantos cantores de excepção. Mas ela é, sem qualquer dúvida, o melhor soprano dramático da actualidade e, como tal, a melhor Brünhilde. Tem uma voz gigante, uma extensão vocal enorme e um timbre de grande beleza. É também uma excelente actriz. Foi alegre no início, firme no diálogo com a irmã e desesperada no final. Só ouvindo e vendo se acredita que há uma cantora assim. Assombrosa!



 Siegfried foi interpretado pelo tenor norte-americano Stephen Gould. Ofereceu-nos uma interpretação que não destoou ao lado da Stemme. Tem um poderio vocal assinalável e cantou sempre afinado e bem audível, sem quebrar até ao fim. A figura do cantor não é favorável à personagem (em contraste total com Lance Ryan) e a agilidade em palco também foi menor.




 O barítono escocês Iain Paterson foi um Gunther muito perspicaz e com óptima presença em palco. A voz é notável, bem projectada, mas não tem o poderio dos cantores com quem contracenou.


Gutrune foi interpretada pelo soprano alemão Anna Gabler. Tem também uma voz de assinalável beleza e frescura. A cantora é jovem e tem uma excelente figura, o que ajudou muito a toda a acção em palco.


 Hans-Peter König, baixo alemão, foi um Hagen fabuloso. A voz é poderosíssima, escura, bonita. O cantor ofereceu-nos uma interpretação cínica e malévola, bem apropriada à personagem.


 A Waltraute do mezzo alemão Michaela Schuster foi excepcional. A cantora tem uma voz de grande beleza e expressividade, a par de uma potência invulgar. O diálogo com Stemme foi um dos grandes momentos da noite.

O excelente baixo-baritono polaco Tomasz Konieczny foi novamente Alberich, embora o papel e a interpretação tenham sido mais discretos aqui que na ópera Siegfried.

As 3 Nornas Okka von der Damerau, Jennifer Johnston e Anna Gabler foram intérpretes à altura da exigência da récita, tal como também o foram as 3 Filhas do Reno Hanna-Elisabeth Müller, Angela Brower e, novamente, Okka von der Damerau.


 Uma palavra final para o Coro da Opera Estatal da Baviera que só intervém nesta derradeira ópera do Anel, mas que teve uma interpretação superlativa.









 E assim terminou um Anel inesquecível em Munique.
Bravo Bayerische Staatsoper!!

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Götterdämmerung, Bayerische Staatsoper, Munich, January 2013

Götterdämmerung is the fourth and final opera of the Nibelung’s Ring cycle of Richard Wagner. The staging was of Andreas Kriegenburg. Notice the detail of the cover of the program, partially burned!

Kriegenburg takes a radically different scenic approach from that used in the three previous operas, now portraying human behavior in capitalist societies today.

In Prologue the three Norns weave the golden string of fate, recall more relevant past events and predict the twilight of the gods. On stage are there are several lonely persons, looking lost, desperate and apathetic, each sitting on a suitcase. They are the survivors of a nuclear attack. They look at photographs of their loved ones. Officials appear fully protected by uniforms, ask identification documents to each person (some have none) and others, with Geiger counters, note that the photographs are contaminated and therefore must be discharged into a container of radioactive waste . Thus, these survivors loose the only connection they have left to their past and relatives and friends who died in the attack. The scene is magnificent, of a brutal, almost suffocating, dramatic intensity.

Siegfried gives Brünhilde the ring as proof of his love when he leaves the mountain. Brünhilde gives Siegfried her horse Grane. In another spectacular scenic effect, Siegfried crosses the Rhine in a rowboat, where the stirred water is played by curved supernumeraries dressed in blue.

In 1st Act the palace of Gibichungs (king Gunther, Hagen's half-brother, and his sister Gutrune) is an impressive and very modern office building of our days (a bank?) which occupies the entire stage. It has 4 floors, glass walls and mobile suspended corridors at various heights, crossing the stage from side to side. There are many employees impeccably dressed in dark, sometimes carrying folders, or working on laptops. On the ground floor there are a few sofas and a modern bar. In the glass walls appears projected in several places the word profit (Gewinn) and Gutrune writes the word lust.
Siegfried arrives dressed in a very rustic way and totally unaware of this world. He
collides with the door transparent windows, does not know how to shake hands, stranges a sophisticated cocktail that he is offered to drink. This is another nice scene that, however, avoids a ridiculous behaviour. After drinking the potion, Siegfried falls in love with Gutrune, a sophisticated modern woman who is mounted on an Euro symbol. Siegfried makes a blood pact with Gunther. Hagen plans that Siegfried marries Gutrune and Brünhilde marries Gunther.

In the mountain, the Valkyrie Waltraute visits her sister Brünhilde and warns her that the disaster is near and can only be avoided by returning the ring to the Daughters of the Rhine. Brunhilde refuses to do it because the ring is the symbol of her love for Siegfried, which is more important than the welfare of the gods.
A stranger approaches (Siegfried transformed in Gunther by the magical effect of the helmet), takes the ring from Brünhilde and sleeps with her, though separated by the sword, in respect to the blood pact he made with Gunther.

In 2nd act, Hagen hears his father Alberich asking him to regain the ring. Gunther arrives with Brünhilde and Siegfried does not recognize her. When she sees the ring on the Siegfried’s finger, Brünhilde accuses him of treason. The supernumeraries and the chorus elements appear throughout the stage, dressed in dark and talking or sending messages on mobile phones, without ever look or talk to each other. Hagen convinces Brunhilde and Gunther that Siegfried has to die. The marriages of Gunter to Brünhilde and of Siegfried with Gutrune are prepared. The supernumeraries are guests that are scattered on the floor, asleep, with the clothes partially loose and with numerous empty bottles of champagne among them.
In 3rd act Siegfried goes hunting. The Daughters of the Rhine warn him of his approaching death. He tells His story to Gunther and Hagen. After drinking a new potion he recovers his memory and recalls his love for Brünhilde. Gunther feels betrayed and Hagen kills Siegfried. They take his body to the palace.
When they find out that Siegfried is dead, all employees discard hundreds of documents, speak hastily or send messages with mobile phones. Hagen wants to take the ring from the finger of Siegfried and kills Gunther.
Brunhilde retrieves the ring and, to end the curse, sacrifices herself on the funeral pyre of Siegfried that burns behind the large glass structure, now empty.
The Daughters of the Rhine recover the ring and drown Hagen. The opera ends with everything destroyed. Only Gutrune survives and the supernumeraries appear, dressed in white again as in the beginning of Das Rheingold, grouping tightly around her.
The music ended, the curtain fell, and Kent Nagano kept his arms in the air for about a minute - an eternity on an occasion like this. The silence was absolute. Only later the applause exploded. Yes ... we were in Germany!

Nina Stemme, Swedish soprano, was tonight´s Brünhilde. Words fail me to describe her performance, in the midst of so many exceptional singers. But she is, without any doubt, the best dramatic soprano of our time, and as such, the best Brünhilde. She has a giant voice, a huge vocal range and a timbre of great beauty. She is also an excellent actress. She was joyful at the beginning, she had a firm dialogue with her sister, and she was desperate at the end. Just hearing and seeing her we believe that there is such a singer. Awesome!
Siegfried was interpreted by North-American tenor Stephen Gould. He offered us a performance well alongside Stemme. He has a remarkable vocal power and always sang in tune and very audible, without breaking through. His figure is not favorable to the character (in stark contrast to Lance Ryan) and his agility on stage was also inferior.

Scottish baritone Iain Paterson was a very insightful Gunther, with great stage presence. The voice is remarkable, well projected, but does not have the power of the singers with whom he sang.

Gutrune was interpreted by German soprano Anna Gabler. She also has a voice of remarkable beauty and freshness. The singer is young and has a great figure, which helped a lot on stage.

Hans Peter König, German bass, was a fabulous Hagen. The voice is powerful, dark and beautiful. The singer offered a cynical and malevolent interpretation, well suited to the character.

German mezzo Michaela Schuster’s Waltraute was exceptional. The singer has a voice of great beauty and expressiveness, along with an unusual power. The dialogue with Stemme was one of the top moments of the night.

The excellent Polish bass-baritone Tomasz Konieczny was again Alberich, though his performance has been more discrete here than in the opera Siegfried.

The three Norns Okka von der Damerau, Jennifer Johnston and Anna Gabler were singers of top level like the three daughters of the Rhine Hanna-Elisabeth Müller, Angela Brower and again Okka von der Damerau.

A final word of praise to the fabulous Choir of the Bavarian State Opera that only participates in this final opera.

And thus ended a memorable Ring in Munich

Bravo Bayerische Staatsoper!!

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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

SIEGFRIED, Bayerische Staatsoper, Munique, Janeiro de 2013 / Munich, January 2013




(review in English below)

Siegfried é a terceira ópera do ciclo do Anel do Nibelungo de Richard Wagner. A encenação é de Andreas Kriegenburg.

No Anel esta é a ópera em que a natureza é dominante. Toda a acção se passa em grutas, floresta e montanhas. E as abordagens de Kriegenburg são, mais uma vez, impressionantes. Os elementos cénicos são construídos pelos figurantes, resultando num efeito surpreendentemente eficaz.

No 1º acto, a gruta do nibelungo Mime é montada em palco pelos figurantes que transportam, cada um, uma grande placa rectangular que, no seu conjunto, formam a gruta. No centro está a bigorna.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Mime criou Siegfried para o usar na recuperação do anel que está na posse de Fafner, agora transformado em dragão por efeito do elmo. Só alguém que não saiba o que é o medo, como Siegfried, o poderá enfrentar. Mime tenta reconstruir a espada Nothung, mas não consegue.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Conta a Siegfried a sua história e, sempre que refere um pormenor relevante, a gruta desfaz-se e vêem-se os figurantes representar o que Mime relata. Por exemplo quando diz que a mãe, Sieglinde, morreu de parto, vê-se no fundo do palco Sieglinde a parir.
Wotan surge disfarçado de viajante e propõe a Mime que ambos coloquem três perguntas um ao outro. Quem não acertar, morre.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

 Wotan responde facilmente às perguntas de Mime: quem vive no interior da terra, à superfície e nas alturas. Em cada resposta, a gruta é retirada e, no fundo do palco, vêem-se os figurantes a representar os nibelungos escravizados, depois os gigantes sobre os cubos humanos e, finalmente, Walhall. O efeito cénico é magnífico. Mime não acerta na 3ª pergunta: quem voltará a forjar a espada Nothung.
Siegfried reconstrói a espada e os figurantes representam na perfeição todos os utensílios de uma fundição.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

 No 2º acto Alberich está próximo da gruta de Fafner, na expectativa de recuperar o anel.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Mime pede a Siegfried para matar o dragão. A representação do dragão é fantástica. Aparece suspenso, de cor vermelha, constituído por um conjunto de figurantes que formam a enorme cabeça.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

 Não sabendo o que é o medo, Siegfried enfrenta-o e mata-o com a espada.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Ao provar acidentalmente o seu sangue, percebe o que lhe diz uma ave. A cantora tem um leque em cada mão que movimenta simulando o bater de asas

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

. Diz-lhe que se deve apoderar do anel e do elmo e que Mime o pretende matar. Siegfried mata-o.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

A ave leva-o pela floresta até ao rochedo onde está Brünhilde e diz-lhe que a deverá acordar. As árvores são formadas por figurantes suspensos, noutro efeito cénico de invulgar eficácia e beleza.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

O 3º acto inicia-se com o aparecimento de Erda, totalmente vestida e pintada de branco, assim como o grupo de figurantes que a acompanham. Volta a dizer ao viajante (Wotan) que o fim dos deuses está próximo. Siegfried reconhece nele o assassino do pai e quebra-lhe a lança com a espada Nothung.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

No que, para mim, é a parte menos conseguida da encenação de todo o Anel, Siegfried atravessa o rio (?), efeito representado por um grande e ruidoso plástico que cobre todo o palco e, depois, o fogo, e vê pela primeira vez uma mulher, Brünhilde.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

Acorda-a com um beijo e os dois apaixonam-se. A última cena passa-se num cenário em que há uma cama no centro e todo o palco está coberto por um pano encarnado, simbolizando o fogo. Mas o efeito final é desinteressante.

(fotografia / photo Wilfried Höse, Bayerische Staatsoper)

O tenor canadiano Lance Ryan foi Siegfried. Cantou bem o papel embora a voz, apesar de grande, não seja particularmente imponente. Uma voz mais heróica seria melhor, mas onde estão elas nos dias de hoje? Ryan manteve a qualidade interpretativa ao longo da récita e, mesmo no final do 3º acto, no diálogo com a recém chegada (ao palco) Brünhilde, esteve ao mais alto nível. O cantor tem uma excelente figura, tem corpo de Siegfried, e movimenta-se muito bem em palco, o que ajudou muito.


 Ulrich Ress, tenor alemão, foi um Mime marcante. O timbre é perfeito para o papel, a voz sempre bem projectada e sob absoluto controlo. Foi um dos melhores da noite e, cenicamente, esteve também superlativo.


 O barítono alemão Thomas J Mayer foi um Wanderer de grande classe, tanto vocal como cénica. Foi sempre audível sobre a orquestra, tem uma voz encorpada e foi muito expressivo na interpretação.



 Tomasz Konieczny, baixo-barítono polaco, fez do Alberich um verdadeiro gangster (como a encenação pede). Vocalmente é extraordinário mas gostei mais do seu Wotan na Valquíria.


 Foram também intérpretes de grande categoria o baixo norte-americano Steven Humes como Fafner, o soprano russo Anna Virovlansky que deu voz à ave e o contralto chinês Qiulin Zhang como Erda.



 A Brünhilde da noite foi o soprano norte-americano Catherine Naglestad que cantou com grande poderio vocal, sobretudo no registo mais agudo. Teve uma boa presença cénica, ao nível do Siegfried de Lance Ryan.



Um Siegfried sensacional!







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SIEGFRIED, Bayerische Staatsoper, Munich, January 2013

Siegfried is the third opera of the Nibelung’s Ring cycle of Richard Wagner. The staging was by Andreas Kriegenburg.

This is the opera where nature dominates. All the action takes place in caves, forests and mountains. And Kriegenburg’s approaches are again striking. The scenic elements are constituted by supernumeraries resulting in a surprisingly good way.

In the 1st act, the cave of the Nibelung Mime is built on stage by supernumeraries, each carrying a large rectangular plate which, taken together, form the cave which has in the center, the anvil.
Mime grew up Siegfried to use him in the recovery of the ring that is in possession of Fafner, now transformed into a dragon, by the effect of the helmet. Only someone who does not know what fear is, as Siegfried, may face the dragon. Mime tries to rebuild the sword Nothung, but can not. He tells his history Siegfried and wheneverhr refers to a relevant detail, the cave disassembles and the supernumeraries perform backstage what Mime reports. For example when he says that his mother, Sieglinde, died in childbirth, we see backstage Sieglinde giving birth.
Wotan appears disguised as a traveler and proposes Mime to put three questions to each other. Who fails, dies. Wotan responds readily to Mime’s questions: who are those who live within the earth, on the surface and above in a castle. In each response, the cave is disassembled and backstage, the supernumeraries are seen to represent the enslaved Nibelungs, the giants on human cubes and finally Walhall.
The scenic effect is magnificent. Mime misses the 3rd question: who will again forge the sword Nothung.
Siegfried reconstructs the sword and the supernumeraries represent perfectly all the utensils of a foundry.

In 2nd act Alberich is near Fafner's cave, hoping to recover the ring. Mime asks Siegfried to slay the dragon. The representation of the dragon is fantastic. It appears suspended, in red, comprising a set of supernumeraries forming the massive head. Not knowing what fear is, Siegfried kills him with the sword. When accidentally he tastes his blood, he understands what a bird sings. The singer playing the bird has a fan in each hand that moves simulating the flapping of bird wings. The bird tells him he should grab the ring and the helmet and that Mime intends to kill him. Siegfried kills Mime. The bird takes him through the forest to the cliff where Brunhilde is and tells him to wake her up. Trees are formed by suspended extranumeraries, another effect of unusual scenic beauty and effectiveness.
The 3rd act begins with the appearance of Erda, painted in white, like the group of supernumeraries that come with her. She tells again the traveler (Wotan) that the end of the gods is near. Siegfried recognizes him as the murderer of his father and breaks his spear with the sword Nothung.
In the least effective part of the staging of the entire Ring, Siegfried crosses the river (?) an effect represented by a large and noisy plastic that runs through the stage and then the fire, and sees a woman (Brünhilde) for the first time. He wakes her with a kiss and the two fall in love. The last scene is set in a scenario where there is a bed in the center and the entire stage is covered by a red cloth, symbolizing the fire.
But the final effect is uninteresting.
Canadian tenor Lance Ryan was Siegfried. He sang the role well although the voice, though large, is not particularly beautiful. A more heroic voice would be better, but where are they today? Ryan maintained the vocal quality along the performance and even at the end of the 3rd act, in the dialogue with the fresh (for singing) Brünhilde. The singer has a good figure, he has a body of Siegfried, and moves well on stage, which helped a lot.

Ulrich Ress, German tenor, was a remarkable Mime. His timbre is perfect for the role, the voice always well projected and under absolute control. He was one of the best of the night, and artistically he was also superlative.

 German baritone Thomas J Mayer was a great class Wanderer, both vocal and on stage. He was always audible over the orchestra, has a voluminous voice and was very expressive throughout the performance.

Tomasz Konieczny, Polish bass-baritone, played Alberich as a real gangster (as the staging called). Vocally he was extraordinary but I prefered his Wotan in Die Walküre.
Also excellent were North-American bass Steven Humes as Fafner, Russian soprano Anna Virovlansky as the bird, and Chinese contralto Zhang Qiulin as Erda.

The Brünhilde the evening was North-American soprano Catherine Naglestad who sang with great vocal power, especially in the higher register. She had a good stage presence, to the level of Lance Ryan’s Siegfried.
A sensational Siegfried!

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