domingo, 28 de fevereiro de 2010

DIE FLEDERMAUS (O Morcego) – Teatro de São Carlos, Lisboa, Fevereiro de 2010

Die Fledermaus (O morcego), de Johann Strauss, é uma peça que se presta a intervenções importantes, sobretudo do encenador, tanto nas partes cantadas como nas faladas. A música é de fácil audição e, se bem tocada, tem momentos de grande beleza. Diversas partes cantadas são também dignas de realce e cativam o espectador, mesmo aquele que não é um frequentador habitual. Contudo, é nas coreografias e nas partes faladas que se podem assistir a verdadeiras obras deslumbrantes ou a desastres épicos. Já tive oportunidade de ver esta opereta algumas vezes (não muitas) e, em pelo menos três ocasiões, recordo com saudade o bom gosto e eficácia que a qualidade dos cantores, dos dançarinos e das encenações emprestaram ao espectáculo.
Infelizmente, nada disto aconteceu hoje e tenho dificuldade em realçar algo de positivo na récita a que assisti.

A direcção musical de Julia Jones não convenceu, a orquestra esteve quase sempre “empastelada”, nunca conseguindo transmitir a vivacidade da música de Strauss. Soou com monotonia frequente e os desencontros também não foram raros. E, se a orquestra esteve mal, o coro foi ainda pior. Desalinho, desencontros, má pronúncia e falta de convicção foram a regra. Quase parecia que não tinham ensaiado.
A encenação, de Katharina Thalbach, foi grotesca. Pirosa no início, entrou em descalabro com a continuação do espectáculo. Havia sempre alguma personagem a despir parte da roupa (para quê?), recorreu ao tavesti frequente sem qualquer graça, inspiação ou objectivo. A partir do 2º acto vieram em força os vampiros e, em vez de um espectáculo interessante com esta temática, assistimos ao vazio de ideias e a movimentos “parados” no palco sem qualquer sentido ou objectivo. De uma pobreza confrangedora!
Mas o pior estaria guardado para o início do 3º acto – a parte falada de Frosh, a cargo de Maria Rueff. Mais uma vez assistimos a uma falta total de ideias, limitando-se a actiz a imitar alguns “bonecos” que já anteriormente fez mas, neste espectáculo, recorrendo a umas graçolas políticas sem nenhuma piada ou imaginação e depois à graça futebolistica (o seu Zé Manel benfiquista), totalmente desapropriada e sem sombra de interesse ou comicidade. O público brindou-a com uma pateada como há muito não ouvia em São Carlos e muitas pessoas sairam da sala ao longo do 3º acto, o que não tem sido frequente. Deplorável!
Sobre os cantores, também assistimos a um espectáculo pobre. Edith Lienbacher, no papel principal de soprano (Rosalinde) mostrou que já quase não tem voz, se alguma vez a teve. Carla Caramujo (Adele, a criada) foi a melhor dos papeis femininos mas, apesar de alguns momentos interessantes, não deixou de gritar as notas mais agudas, o que tornou a emissão estridente e desinteressante. Kristina Wahlin deu uma voz feia e pouco audível ao Conde Orlovsky e, se a voz não convenceu, a presença em palco foi para esquecer. Uma palavra para Nadine Schori (Ida, irmã de Adele), a quem puseram frequentemente a falar uma língua que desconheçe – português – o que também contribuiu para a má qualidade do espectáculo. As vozes masculinas foram melhores. Will Hartmann (Eisenstein) foi um tenor que se destacou, tanto cénica como vocalmente, o que também não era difícil, face à “concorrência”. Brend Weikl (Dr Falke) esteve frequentemente colocado em posições ridículas, mas também teve uma emissão irregular. Mário João Alves (Alfred) foi talvez o melhor em palco mas Luís Rodrigues (Frank) também esteve bem. Dos restantes, nada mais é digno de realce.
Não compreendo por que motivo não se recorre mais aos cantores portugueses que, muitos deles, são bem melhores que estes estrangeiros. O espectáculo de hoje é um bom exemplo. Se tivessemos assistido a umas interpretações fabulosas por parte dos estrangeiros, enfim, mas com os desempenhos de hoje, não percebo, mas deve haver alguma razão…

Depois do excelente espectáculo que abriu a presente temporada do São Carlos, o inesquecível Crepúsculo dos Deuses, voltamos ao que foi a rotina da temporada passada – um espectáculo deplorável, para esquecer rapidamente!
0